A Farfetch vai sair da bolsa de Nova Iorque e o capital da empresa passará para as mãos da Coupang, um gigante sul-coreano do comércio eletrónico. O negócio foi confirmado em comunicado pela Coupang e pela própria Farfetch, numa nota ao regulador americano do mercado de capitais, a SEC.
O desfecho é também um recomeço na história do primeiro unicórnio português, fundado por José Neves em 2007, que criou a empresa e continua a dirigi-la, agora sozinho. O resto da equipa de diretores independentes da Farfetch apresentou demissão após ser conhecida a oferta da Coupang. “A demissão dos diretores independentes não resulta de qualquer desacordo com a Farfetch Limited ou com as suas operações, políticas ou práticas", refere um comunicado da empresa
Para os colaboradores do marketplace de moda de luxo, o futuro continua incerto. Há muitos meses que a ameaça de despedimentos paira no ar. A notícia mais recente, avançada pelo Público, dava como certa a intenção da plataforma dispensar 25% da sua força de trabalho. No verão já tinha vindo a público que estava em marcha o despedimento de 17% dos trabalhadores.
O que significa esta operação para os colaboradores?
O balão de oxigénio assegurado pelo novo dono pode, ou não, conter as saídas, mas outra má notícia já é certa. A compra da Farfetch vai implicar, não só a saída da bolsa, como um esvaziamento da empresa cotada, que será liquidada. Na prática, isto significa que o valor das ações, para os colaboradores que as tenham tal como para outros investidores, não vai render absolutamente nada com a transferência de mãos da empresa. Recorde-se que a empresa manteve ao longo dos anos uma política de benefícios ligada à partilha de resultados da empresa. Em 2017, por exemplo, anunciou que ia distribuir quase 37 milhões de euros em ações pelos 1.300 colaboradores da altura.
O negócio com a Coupang deve estar finalizado no primeiro trimestre de 2024 e prevê um empréstimo imediato à Farfetch de 450 milhões de dólares (cerca de 500 milhões de euros). “Este empréstimo fortalece o nosso balanço e garante que os clientes, boutiques e marcas da Farfetch não serão afetados pela transação. A Farfetch continuará a operar normalmente”, escreve José Neves num comunicado aos trabalhadores, ao qual vários meios tiveram acesso.
É também aí que o empreendedor português diz que “lamenta informar que, como resultado do caminho que estamos a tomar, infelizmente isso significa que os acionistas – incluindo os detentores de capital próprio – não realizarão qualquer valor das suas participações adquiridas e não adquiridas”.
A operação com a Coupang é o fim da linha para a empresa cotada em bolsa. Como explica também o comunicado, “após a consumação da venda, a Farfetch Limited espera que os titulares das suas ações ordinárias de classe A e B e da dívida convertível não recuperem nenhum dos seus investimentos pendentes na Farfetch. Prevê-se igualmente que a Farfetch Limited seja retirada da lista da NYSE e seja liquidada”.
A história da Farfetch ilustrada pelo percurso na bolsa
A Farfetch dispersou capital em bolsa em setembro de 2018, com cada ação a valer 20 dólares no IPO. Como mostra o gráfico da Yahoo Finance, durante a pandemia chegaram a valer mais do triplo desse valor. Entre março de 2020 e fevereiro de 2021 o percurso da empresa em bolsa foi notável. Enquanto isso, foram tomadas decisões estratégicas que alguns analistas acreditam ter um peso importante na situação atual. Nomeadamente, a aposta em segmentos diferentes daqueles que a empresa começou por explorar, como dos perfumes ou cosmética.
A premissa inicial da Farfetch era de fazer chegar moda de luxo a todo o mundo, abrindo o acesso a produtos exclusivos aos consumidores, a preços mais acessíveis, e dando às marcas um novo canal para escoar fins de coleção. Ao longo do tempo mostrou que conseguia fazer bem esta ligação. Não só no que se refere à comercialização dos produtos junto do público final, mas na gestão de toda a cadeia logística por trás disso e na interação com as marcas, que também são clientes das soluções de comércio eletrónico da empresa. Nos segmentos explorados mais recentemente a história foi menos feliz.
Na informação divulgada a propósito do negócio com a Coupang, a Farfetch assume que a solução agora encontrada segue-se a “um processo exaustivo e alargado para garantir liquidez adicional à Farfetch Limited e às suas filiais. Sem essa liquidez, a Farfetch Limited e as suas filiais não teriam podido manter-se em atividade”.
Sinais de fumo escondiam mesmo fogo que era preciso apagar
Os resultados financeiros dos últimos trimestres da empresa, já davam aliás sinais dessa fragilidade. No final de junho a empresa apresentou prejuízos de 281,3 milhões de dólares), a comparar com lucros de 67,6 milhões de dólares nos mesmos três meses do ano passado. As receitas caíram para 572 milhões de dólares, ligeiramente abaixo da faturação do segundo semestre de 2022 (579 milhões de dólares). A dívida total ascendia já a 1,6 mil milhões de dólares. Os resultados do terceiro trimestre deviam ter sido apresentados a 29 de novembro mas a apresentação foi cancelada.
A Farfetch contava no final de junho com mais de 4 milhões ativos e produtos de mais de 1.400 marcas. Terá mais de 6.700 colaboradores em Portugal - espalhados por Braga, Guimarães, Porto e Lisboa -, mas também no Reino Unido, em Itália e nos Estados Unidos. Mais de metade dos colaboradores estarão em Portugal.
Falta saber quase tudo sobre o futuro da companhia e os planos do novo dono, que pode ou não ficar muito tempo nessa posição, juntamente com os fundos que financiam o negócio e que passam a deter também parte do capital. A Farfetch não diz mais nada para além do que está no comunicado, mantendo a sua política habitual de comunicação restrita.
Um comunicado assinado pelo CEO da Coupang promete apenas que a “Farfetch irá dedicar-se novamente a fornecer a experiência mais elevada para as marcas mais exclusivas do mundo, ao mesmo tempo que procurará um crescimento constante e ponderado como empresa privada”.
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