Esta sexta-feira o Partido Comunista Português apresenta na Assembleia da República um projeto de lei que pretende revogar a Lei da Cópia Privada e introduzir um regime jurídico que substitua a taxa aplicada aos suportes que dão acesso a conteúdos digitais, por uma taxa a suportar pelos ISPs.  

Antes de apresentar em plenário a proposta que quer legalizar o acesso a conteúdos digitais protegidos por direitos de autor, os promotores organizaram uma sessão pública que juntou representantes dos artistas e dos operadores de telecomunicações, alinhados na opinião sobre a medida, que não querem ver implementada.  

“As entidades da área da música não querem gerir este valor”, garantiu Miguel Carretas da Audiogest, que não vê com bons olhos medidas protecionistas do Estado em relação ao tema e frisou que a indústria tem conseguido encontrar modelos para se adaptar aos novos modelos digitais e gerar receitas a partir daí. Deu o exemplo do YouTube e do Spotify, como serviços que hoje podem ser usados sem custos para o utilizador, remunerando os artistas.

Miguel Carretas também apontou falhas legais à proposta que acusa de violar tratados europeus, uma opinião que foi também partilhada por Paulo Santos. O representante da FEVIP e da GEDIP (a primeira reúne editores de videogramas e a segunda faz a gestão de direitos de autor, produtores e editores) referiu-se especificamente a Convenção de Berna. Além dos desafios do ponto de vista legal, defendeu o responsável, uma medida deste género podia transformar Portugal “numa zona franca deste tipo de abusos”, pondo em causa a cadeia de exploração das obras e o funcionamento normal do mercado.

Os representantes da indústria defendem que a maior parte dos artistas não estará disponível para aderir a este modelo e defendem que a retenção de uma taxa, independentemente dessa vontade, vai criar desequilíbrios no mercado protegendo quem usa e quem distribui conteúdos ilegais.

O PCP defende-se sublinhando que com o novo enquadramento jurídico não tem a ambição de resolver o problema da pirataria, nem incentivá-la. Pelo contrário, Bruno Dias, explica que o novo mecanismo quer criar um meio mais eficaz de compensar os artistas, a partir de um modelo mais adequado à realidade que o subjacente à Lei da Cópia Privada.

Os desafios que se colocam à distribuição das receitas geradas a partir da taxa de compensação e no combate à distribuição ilegal de conteúdos continuarão a ser os mesmos que já existem hoje e os mecanismos para lhes dar resposta também, sublinhou o deputado comunista.

A proposta do PCP prevê que os artistas decidam se pretendem ou não dar acessio livre aos seus conteúdos na Internet. Só quem aceitar terá acesso às verbas acumuladas no fundo criado para depositar a nova taxa. O projeto de lei preconiza que as taxas da Cópia Privada sejam trocadas por uma taxa de 0,75€, que será paga pelos operadores de telecomunicações mensalmente e multiplicada pelo número de clientes que cada ISP tem no respetivo serviço de acesso à Internet. Os cálculos do próprio partido indicam que o valor anual amealhado ficará próximo dos 60 milhões de euros, que não podem ser imputados ao cliente de forma direta.

Nos fundamentos da proposta o PCP explica que, não sendo responsáveis pela existência das fontes de conteúdos protegidos por direitos de autor que os disponibilizam de forma ilegal, os operadores beneficiam do fenómeno que gera mais tráfego nas suas redes.

Daniela Antão, que representou o sector na sessão, aproveitou para rebater o argumento e sublinhar que os contratos de Internet estão hoje na sua maioria associados a tarifas planas e que na prática isso se traduz em necessidades cada vez maiores de largura de banda por parte dos clientes, que vão sendo satisfeitas sem alterações nos preços.

A responsável também apontou falhas ao projeto de lei do PCP, considerando-o uma tentativa de “comunitarizar à força”, sem ter em conta que a maior parte das obras hoje partilhadas na Internet (como filmes ou música) são coletivas. A forma como podem ser acedidas tem de ser autorizada por todos os detentores de direitos, o que torna o processo complexo. A secretária-geral da Apritel também se opõe aos facto de a medida estabelecer um valor e um método de cobrança, sem ter em conta o número de artistas que aceitam este tipo de sistema.  

As indústrias culturais representam 2,8% do PIB português. A Lei da Cópia Privada foi a alteração legislativa mais recente e mais significativa dos últimos anos em Portugal, na busca de uma solução que adequasse a o quadro legal aos desafios da distribuição digital de obras protegidas. O processo longo e controverso e chegou ao fim há menos de um ano, mas o debate pode voltar à ordem do dia com o novo projeto de lei comunista que não vai chegar sozinho ao hemiciclo. Esta terça-feira deu entrada no Parlamento outro projeto de lei na mesma área, que é uma iniciativa do Bloco de Esquerda e que será votado em Plenário também esta sexta-feira.    

 Cristina A. Ferreira