Mafalda Nunes tem 29 anos. Saiu há seis de Portugal, onde trabalhou dois, e reconhece que quando olha para trás se orgulha da quantidade de coisas que já conseguiu fazer e aprender na, ainda, curta carreira. “Olho para estes oito anos de carreira e vejo que já percorri tanta coisa e ainda posso fazer tanto”, confessa.

Os últimos seis anos foram os mais intensos, pela capacidade que teve de ter para se adapatar a novas realidades, jovem, sozinha num país diferente e num mundo que continua a ser sobretudo masculino, mas onde tão rápido têm avançado os desafios como as oportunidades. “A sensação que tenho é que se cresce muito rápido na empresa”. A empresa é a Airbus Helicopters, onde neste momento é responsável de qualidade em dois laboratórios de teste de materiais, o de Paris, onde está, e o de Marselha. Dirige um total de 45 pessoas e acumula estas funções com as que já tinha antes de assumir os cargos, mas já lá vamos.

Mafalda Nunes fez o curso de engenharia de materiais no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e saiu de Portugal logo a seguir para fazer o mestrado na Universidade de Sheffield, em Inglaterra. Apresentou a tese na China e teve oportunidade de por lá ficar a fazer o doutoramento, mas decidiu voltar a Portugal para tentar uma carreira no país.

Trabalhou na TAP durante quase dois anos e gostou da experiência, mas queria um desafio maior e um equilíbrio com a vida pessoal que não conseguia ter em Lisboa. “Sentia que não conseguia ter qualidade de vida. Tinha um salário muito baixo e para alugar uma casa em Lisboa era impossível”. Morava em casa dos pais na margem Sul e gastava quase duas horas em viagens todos os dias.

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“Sempre tive a curiosidade de fazer engenharia do lado do fabricante, estar um pouco mais com as mãos na massa e perceber o que está por trás das normas e regras que recebíamos na TAP, por exemplo”. Juntou os dois desejos e começou à procura de oportunidades fora de Portugal. Candidatou-se à Airbus e foi selecionada.

Começou em Toulouse, como engenheira de stress e design. Integrava as equipas que recebem os pedidos de suporte das companhias aéreas quando há danos em aeronaves e fornecem coordenadas para a reparação, depois da análise do problema e dos seus possíveis impactos. Há quase quatro anos candidatou-se a uma posição na Airbus Helicopters para a área de pesquisa e desenvolvimento. Quando há um dano ou falha numa peça de um helicóptero são os engenheiros desta divisão que analisam as causas, procuram e ensaiam a viabilidade de soluções técnicas.

Algum tempo depois foi convidada para gerir a área de qualidade no laboratório da fábrica de Paris e mais tarde para dirigir um segundo laboratório, de outra fábrica em Marselha. Passou a acumular estas funções com as anteriores, embora reconheça que sobra cada vez menos tempo para a I&D. Admite que sempre se imaginou mais nas áreas técnicas por onde começou a carreira no fabricante francês, mas a oportunidade surgiu e aproveitou-a. No caminho foi percebendo que este também é um domínio onde se sente realizada e onde consegue igualmente aportar valor à empresa.

Quando chegou à Airbus, Mafalda conta que a integração não foi fácil. Não falava francês e rapidamente percebeu que no dia-a-dia isso não jogava a seu favor. Ser uma mulher e jovem num mundo de homens, onde rapidamente chegou a cargos de liderança, também teve e continua a ter os seus desafios.

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Compensa o facto de estar “numa empresa que dá muito valor ao trabalhador, não só em termos financeiros mas em tudo o que possa potenciar as capacidades do empregado”, diz. Isso materializa-se em planos de carreira, oportunidades internacionais, facilidade de mobilidade, formação, etc. Em termos de cultura de empresa - que reflete a cultura de trabalho do próprio país - uma das grandes diferenças que Mafalda Nunes identificou e que continua a valorizar é a lógica de confiança no colaborador, que se traduz em autonomia para gerir tarefas e organizar tempo. "Os nossos contratos são por dias e não por horas, há liberdade para ajustar o horário diário", se surgir alguma questão que tenha de ser resolvida.

Com casamento marcado para este ano e a perspetiva de filhos a prazo, a engenheira portuguesa da zona de Almada admite que as conversas com o futuro marido, também português, têm passado com mais frequência pela possibilidade de regressar a Portugal. “Gostava que os meus filhos crescessem onde eu cresci, apesar de adorar França a muitos níveis, porque consegue dar uma qualidade de vida inacreditável a quem cá vive”. A distância da família e os momentos que tem perdido por estar à distância pesam para o mesmo lado, a maior dúvida está na vertente profissional. “Gostava muito de voltar, mas sabemos que não é fácil encontrar uma posição que permita ter o mesmo nível de concretização em Portugal”.

Em França, para já, sente-se realizada com uma vida que permite manter o desejado equilibrio entre vertente profissional e pessoal. Nesta última ler, pintar e correr são as três atividades que não dispensa, quando não está a assegurar que todos os processos controlados pelos laboratórios que dirge estão em conformidade com os requisitos da ISO 17025. 

Este artigo integra o Especial "À procura de uma vida "melhor"… porque sai cada vez mais talento qualificado de Portugal e o que encontra no destino?" com vários textos que pode ler no SAPO TEK ao longo dos próximos dias.