Portugal é o sexto país da União Europeia com mais emigrantes, um quinto da população de acordo com os dados mais recentes das Nações Unidas (2020). O Atlas da Emigração complementa esta informação com mais alguns indicadores. É entre os jovens que o fenómeno mais tem crescido: quase um terço dos que nasceram em Portugal e têm hoje idades entre os 15 e 39 anos estão a residir noutro país que não o seu. Num retrato mais geral, as contas mostram que nos últimos 20 anos deixaram Portugal 1,5 milhões de portugueses e que hoje viverão fora do país cerca de 2,1 milhões.
Além da idade média, mudou o perfil de quem emigra. Três estudos sobre a emigração portuguesa publicados em 2021 pelo Observatório da Emigração (baseados em dados de 2012 a 2015) elegiam a ciência, informática e matemática; ciências sociais, comércio e direito; engenharia, indústrias transformadoras e construção como as principais áreas de trabalho e formação dos emigrantes nacionais. Não há dados consolidados mais recentes. “Sabemos que tem havido uma crescente emigração qualificada, nomeadamente para os países do norte da Europa e que acontece nomeadamente no sector terciário, mas ainda não conseguimos apurar mais do que isso”, admite Rui Pena Pires, coordenador científico do Observatório.
O que se sabe também é que França continua a liderar no número total de portugueses acolhidos. Seguem-se a Suíça, o Reino Unido, os Estados Unidos e o Canadá. Nos anos mais recentes e até 2021, no entanto, era o Reino Unido que atraia um maior número de emigrantes portugueses. O Brexit trouxe uma realidade diferente e em 2022 já foi Espanha a liderar este ranking.
“O Reino Unido não deixou de ser um país com bons empregos e com boas oportunidades profissionais, com o Brexit passou foi a ser um país totalmente estrangeiro em que o emigrante deixou de ter a segurança que tem quando se movimenta na União Europeia. Isso fez com que a emigração para o país viesse por aí abaixo”, explica Rui Pena Pires.
O desinteresse pelo Reino Unido tem sido compensado pelo interesse cada vez maior noutros países e regiões dentro do espaço de livre circulação da Europa, com destaque para a Escandinávia e o Benelux. O Atlas da Emigração do ano passado revelou um aumento de 36,1% nas entradas na Noruega, 34,1% na Suécia, 33,1% nos Países Baixos e 29,6% na Suíça.
Alguns destes países juntam aos bons salários que têm para oferecer a quem vem de fora, políticas fiscais mais competitivas e medidas para atrair talento em áreas chave. Joana Rosado, formada em engenharia e gestão industrial pelo Instituto Superior Técnico em Lisboa, está nos Países Baixos há quase 10 anos.
“Todas as pessoas que vêm para Holanda trabalhar para funções especializadas e conseguem provar que o país não tem especialistas suficientes nessa área têm acesso a um benefício fiscal”, conta. Durante cinco anos, o salário só é taxado a 70%. Os outros 30% ficam isentos e “isso é um incentivo muito grande, que também acaba por chamar imenso talento para o país”. Mesmo sem esse incentivo as diferenças no salário líquido de duas pessoas que ganhem o mesmo nos dois países são grandes, como mostra um exercício recente da associação Business Roundtable, através da iniciativa Comparar para Crescer.
Joana Rosado está dentro do perfil atualizado do emigrante português. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística mostram que 48% dos portugueses que saíram do país tinham completado o ensino superior. Os inquéritos que as universidades vão recolhendo de antigos alunos, por seu lado, dão uma ideia clara dos sectores onde a opção por uma carreira internacional tem um peso forte. O SAPO TEK confirmou isso mesmo junto do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, informação que poderá ler em maior detalhe noutro texto deste Especial sobre a emigração qualificada em áreas de conhecimento ligadas à tecnologia. Os números das instituições mostram, não só que a percentagem de ex-alunos dos cursos de engenharia que vão trabalhar para fora é elevada, mas também confirmam que nessas áreas a tendência não é nova. Nem os motivos.
Vinte anos depois de sair de Portugal, João Fernandes não vê diferenças radicais entre o país que existia quando saiu para trabalhar na Suíça, depois de terminar o curso de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores na FEUP e o de hoje. Tem a perceção que as oportunidades em áreas muito técnicas melhoraram alguma coisa, em termos de perspetivas de evolução na carreira e que “começam a existir alguns projetos interessantes”. Ao nível dos salários reconhece que as diferenças continuam a ser enormes, embora como referem muitos dos que têm feito esse percurso, o grande mote para a saída não é financeiro.
“Quando saí de Portugal é claro que havia a motivação do salário, mas foi mais pela oportunidade”, conta o membro sénior do staff do CERN, o laboratório europeu de investigação nuclear.
Na altura tirou partido de um programa de financiamento para fomentar experiências internacionais, que acabou por não o trazer de volta a Portugal. “Não tenho os números exatos, mas penso que mais de 90% dos que foram para o CERN no mesmo programa não regressaram”.
Nem por isso João Fernandes acha que o programa falhou. “Os que vieram ajudaram a abrir portas” para outros, que com os incentivos certos podem voltar e devolver em valor acrescentado aquilo que o país lhes deu em formação. Mas “é preciso haver uma sustentabilidade e uma razão para fazer as pessoas voltarem”, frisa. Nas áreas tecnológicas e da ciência, para o portuense isso passará por uma aposta mais consistente do país em inovação (e menos sensível aos fundos europeus), sendo que as empresas também têm um papel central na criação de mais e melhor emprego qualificado. “É importante que se perceba que a inovação não pode ser uma prioridade só até surgir a necessidade de se fazerem cortes em algum lado”, refere sem deixar de lembrar que este não é um problema exclusivo de Portugal.
Para quem faz I&D, "mais oportunidades e mais valorização da carreira" seriam vias importantes para manter ou trazer de volta a Portugal quem trabalha no futuro da tecnologia e da inovação, como Iolanda Leite, que para já não tem planos nesse sentido mas olha para o país à distância e também encontra poucas mudanças face à altura em que saiu. "Gostaria que deixasse de haver um pouco a ideia que a investigação parece que é algo que se faz 'for fun' [em segundo plano] . Claro que tem de continuar a formar-se pessoas, mas não há muitas perspetivas para quem só quer fazer I&D".
Investigadora e docente no KTH Royal Institute of Technology de Estocolmo, na Suécia, a portuguesa admite que as maiores diferenças que encontrou na realidade dos dois países a este nível passam pela quantidade e fontes de financiamento disponível para I&D, desde logo, mas também pelo facto de os investigadores no sistema cientifico conseguirem de facto concentrar-se nessas atividades, sem estarem sobrecarregados com atividades docentes. Sublinha ainda as altas taxas de integração de doutorados em grandes empresas, um indicador que tem melhorado em Portugal mas que continua baixo.
David Sopas, que fez carreira em Portugal a trabalhar para empresas estrangeiras, primeiro individualmente e agora através de uma empresa que entretanto criou, acrescenta que para reter e captar mais talento o país tem também de ser mais eficaz no apoio ao empreendedorismo, no combate à burocracia e à carga fiscal sobre as empresas.
“Simplificar a burocracia e criar incentivos fiscais mais atrativos para empresas e startups tecnológicas poderia fazer uma grande diferença. Reduzir as taxas sobre rendimentos elevados e oferecer benefícios fiscais para empresas que investem em investigação e desenvolvimento (R&D) também ajudaria a reter e atrair talento”, defende o especialista em cibersegurança.
A receita é conhecida, aplicá-la no terreno é que tem sido difícil e lento. O assunto mantém-se na agenda, a proposta de orçamento de Estado do Governo para 2025 volta a prever medidas para aumentar a capacidade de reter talento no país em áreas estratégicas, mas numa Europa de fronteiras abertas este é um desafio que tende a ser cada vez maior, mesmo quando as políticas existem e funcionam e as empresas criam mais emprego qualificado e investem em inovação.
“Até agora os dados que existiam mostravam que a emigração era maior nos países de desenvolvimento intermédio e mais baixa nos países desenvolvidos. Os dados mais recentes mostram que a emigração é tanto maior quanto mais desenvolvidos são os países”, refere Rui Pena Pires. “Estamos todos um pouco baralhados com esses dados que, a confirmarem-se, indiciam que não será por haver um maior desenvolvimento económico em Portugal que a emigração se reduzirá.
O que se pode alterar é Portugal passar a ser mais atrativo como destino de migrações de outros países desenvolvidos”, sublinha o professor, o que também seria uma boa notícia, como explica o mesmo responsável. “Em termos de emigração, não estamos assim tão longe dos níveis de outros países desenvolvidos, há alguns que têm até um nível maior”. Estamos pior se a comparação tiver em conta a capacidade de atrair talento mais qualificado de fora.
Este artigo integra o Especial "À procura de uma vida "melhor"… porque sai cada vez mais talento qualificado de Portugal e o que encontra no destino?" com vários textos que pode ler no SAPO TEK ao longo dos próximos dias.
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