"Nós deixámos de ser o camisola amarela, em linguagem ciclística, das telecomunicações, como fomos no 3G e no 4G, para sermos o carro vassoura da Europa no que toca ao 5G", afirmou Alexandre Fonseca, numa conversa com a Lusa e com o Diário de Notícias (DN). O atraso no início do leilão das licenças devido à pandemia da COVID-19 e o prolongamento da fase principal das licitações, que já se arrasta há mais de três meses, é uma das razões que fazem com que Portugal esteja agora na lista dos países mais atrasados na tecnologia de quinta geração móvel.
"Somos hoje, de facto, um dos piores exemplos", disse, recordando os "alertas que a Altice Portugal" tem vindo a fazer "há mais de dois anos.
"No caso do 5G é importante dizer que a Altice Portugal há quatro anos que trabalha no 5G, a nossa parte já fizemos. O setor, diga-se em abono da verdade, já fez a sua parte, quem não fez a sua parte foi o regulador", apontou Alexandre Fonseca.
A Altice Portugal, a NOS e a Vodafone têm criticado a atuação do regulador do mercado das comunicações e as regras do leilão das licenças do 5G, que a Anacom se propõe agora mudar para acelerar a conclusão do processo. Sobre a alteração das regras do leilão do 5G, Alexandre Fonseca disse nesta entrevista que não ficou perplexo porque a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) já habituou o setor a "tirar coelhos da cartola, que são de facto pérolas únicas a nível europeu, para não dizer a nível mundial".
Leilão do 5G é "assimétrico com as preocupações do país"
O responsável voltou a tecer críticas ao processo do 5G, desde o início. "Estamos perante um leilão que se iniciou debaixo de uma cortina de suspeições com um conjunto de questões que foram alvo de processos judiciais, que ainda estão a correr a nível nacional, mas também a nível europeu, com um conjunto de regras que são únicas: sejam regras porque protegem de forma descarada os novos entrantes, seja porque privilegiam empresas que, estando já em Portugal com licenças, nunca tiraram benefícios dessas licenças nem nunca criaram condições para criar valor" com as mesmas, elencou.
Trata-se de um "leilão completamente assimétrico com as preocupações do país", que surgiu "cerca de 48 horas depois de uma resolução do Conselho de Ministros, mas que as regras do leilão são completamente antagónicas, que levaram a críticas do senhor ministro da Economia, levaram a críticas do antigo secretário de Estado das Comunicações", prosseguiu.
No que respeita ao secretário de Estado das Comunicações, Alexandre Fonseca sublinhou que, "curiosamente", depois deste "fazer essas críticas no parlamento, um par de semanas depois acabou por sair das suas funções".
O gestor aponta que "todo este leilão foi envolto num conjunto de situações", que classifica de "pouco normais", o que leva Portugal "hoje a ser um dos três países europeus que ainda não tem 5G".
Sobre as alterações propostas pelo regulador às regras do leilão, Alexandre Fonseca disse que a Altice foi informada "três minutos antes" dos media saberem da medida.
"Não houve um telefonema, uma conversa" prévia, criticou o responsável, apontando que o regulador Anacom "regula sozinho, de forma autista" e "prepotente".
Altice Portugal não teme concorrência no mercado móvel
A existência de regras no leilão que alegadamente favorecem a entrada de novos operadores no mercado português, de forma facilitada e à boleia do investimento feito é uma das críticas dos operadores ao regulamento do leilão, que também a Altice Portugal tem subscrito, mas Alexandre Fonseca falou sobre a entrada da Másmóvil em Portugal, afirmando que a Altice não teme a concorrência e que até é saudável.
"O que nós não acreditamos é no mercado concorrencial enviesado, o nosso problema não é a entrada de novos operadores", mas a criação de condições assimétricas, apontou, além de estar a "ser aberta de forma quase violenta a nossa rede" para que possam "sem um cêntimo de investimento" poder cobrir o resto do país, prosseguiu.
Relativamente a uma eventual fusão entre a Másmóvil e a Vodafone em Espanha e eventuais sinergias ibéricas, que tem sido noticiado, Alexandre Fonseca disse que a Altice Portugal questionou as entidades portuguesas sobre o tema.
"Comunicámos e fizemos essa pergunta à Anacom, à Autoridade da Concorrência e ao Governo, perguntámos a estas três entidades se achavam normal que num período de leilão, num período altamente concorrencial, em que é completamente vedado qualquer fluxo de informação entre os concorrentes, se é possível abertamente, e de forma declarada, estejam a acontecer negociações entre dois dos concorrentes para o mercado português", mas não obteve resposta.
Defendeu que é preciso "deixar claro se existe ou não existe uma negociação em curso" para a transparência do leilão.
Renovação do contrato da TDT: Altice pode não continuar contrato depois de 2023
Relativamente à renovação do contrato da TDT, cuja concessão termina em 2023, afirmou: "Neste momento eu não vou fechar portas, mas obviamente que a tendência que temos hoje quando olhamos para o contrato é a de uma muito provável não continuidade do TDT com a Altice Portugal envolvida".
Alexandre Fonseca salientou que o "grave problema no setor das telecomunicações e noutros" é a "falta previsibilidade e estabilidade", em boa parte derivada do ambiente regulatório.
Reestruturação da Altice, programa de rescisões e retoma económica
Durante o encontro, Alexandre Fonseca abordou ainda o programa Pessoa, que tem como objetivo uma "reestruturação do ponto de vista orgânico da Altice Portugal", resultante das condições de mercado.
Este programa, que inclui pré-reformas e suspensões de contrato de trabalho, registou 1.500 inscrições, "em linha com as expectativas", estimando que à volta de 1.000 pessoas venham a sair da empresa. No final do primeiro semestre, a Altice Portugal fará um balanço.
Relativamente aos resultados de 2020, em plena pandemia, Alexandre Fonseca classificou-os de "extraordinariamente positivos", o que o deixa com "confiança para o futuro".
Sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), afirmou não estar cético em relação à execução, mas "um pouco cético" no que respeita o balanço entre a esfera pública e a privada, mas disse acreditar que "com bom senso" será possível chegar ao "ponto de equilíbrio".
Já sobre para quando a retoma económica, disse estar preocupado com o que se passa com tecido empresarial português.
"Estou com alguma preocupação a olhar para o final de 2021 e para o início de 2022 porque de facto há setores críticos para a nossa economia", como o setor do turismo, da hotelaria e algumas áreas da indústria, referiu.
Além disso, os "episódios da vacinação não abrem de facto umas perspetivas extraordinariamente positivas, que é a postura da União Europeia relativamente a como debelar problemas como estes".
"Continuamos a ser uma Europa burocrática, uma Europa demasiado administrativa, demasiado regulada", apontou, defendendo que é preciso que a Europa atue "como um bloco".
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