
Por Miguel S. Albergaria (*)
Para orientarmos esta vinda à leitura desta página digital, precisaremos apenas de algum conceito como “computador”. Não precisamos de qualquer conceito englobante, como “tecnologia”. Em cada ação, bastam-nos os conceitos que a orientam com sucesso.
Isso não significa que, mesmo em processos com interesses que se não reduzem ao próprio processo (i.e. com objetivos práticos a atingir), devamos evitar o uso desses termos englobantes. Seguindo o exemplo dado, quando nos encontramos numa ação não como ler alguma página digital ou impressa concreta, mas de providenciar condições para as ações anteriores – ex. a promoção de literacia “tecnológica” –, facilitará não só a comunicação com os interlocutores, mas mesmo o pensamento prático que nos orienta, assumir um significado vago de “tecnologia” como nome de um conjunto, mal determinado, de coisas que, em cada ato de comunicação, pareça que nós, esses nossos interlocutores e eventuais terceiros admitimos reunir ali. Usamos então o termo, dispensando o respetivo esclarecimento.
É certo que alguns de nós se podem dedicar a esses esclarecimentos. Mas, normalmente, isso é inconsequente. Quem então se lhes dedique, estará a desenvolver um comportamento meramente estético ou lúdico. Afinal, cada qual aprecia ou diverte-se a seu gosto.
Em algumas circunstâncias históricas, porém, tais esclarecimentos não serão apenas estéticos ou lúdicos. Assim se me afigura o caso de “tecnologia”, nesta passagem do 1.º para o 2.º quartel do século atual. Dada a inovação (introdução de tecnologias nas práticas sociais) particularmente das NBIC – nanotecnologias, biotecnologias, tecnologias informáticas incluindo a robótica, ciências cognitivas incluindo o conhecimento sobre IA – e não só de forma isolada, mas ainda mais em convergência umas com as outras.
Tomemos um exemplo em vias de se ter de discutir para cá da ficção científica: um robô social poderá ser sujeito (não apenas objeto) de direitos? – quem julgue que tal ideia ainda só terá lugar na mais exotérica das ficções, atente às recentes notícias sobre “bebés reborn” e o que algumas suas “mamãs” reivindicam para eles. Ou consideremos os xenobots: máquinas construídas com tecidos vivos, as quais inclusive, em convergência com a IA, já se reproduzem por algumas gerações, e com as quais nos associamos quando (por terem menos de 1mm. de espessura) as fazemos evoluir no nosso sistema circulatório, talvez sejam candidatas mais fortes a tais direitos do que robôs sociais. Afinal, estão mais perto do estatuto animal ao qual, há poucas décadas, começámos a aceitar outorgar alguns direitos.
Essa questão joga-se na articulação entre a velha questão básica de como se outorgam quaisquer direitos, e a questão (também básica ainda que esquecida por longos períodos) da determinação exata do conjunto “tecnologia”.
Designadamente, entidades como as acima mencionadas, pertencem a esse conjunto? Sabê-lo-emos ao lhes aplicar o critério da pertinência a este último, mas qual é esse critério?
Ou deveremos antes constituir diversos conjuntos ditos “tecnológicos”, que apenas se intersectem, sem talvez sequer qualquer subconjunto comum a todos eles? Por exemplo, a intersecção entre os conjuntos dos artefactos técnicos e de tudo o que é objeto de direitos (e.g. de autor), dos quais (artefactos) bastantes mas porventura não todos também pertençam ao conjunto das coisas passíveis de um conhecimento propriamente tecnológico, coisas estas talvez nem todas elementos do conjunto “artefactos técnicos”… Assim, orientaremos as nossas ações consoante o conjunto com que de cada vez lidemos. Mas será que esta desmultiplicação de critérios de pertinência facilita a aplicação de cada um deles?
Ou ainda, talvez o conceito “tecnologia” seja aberto, estendendo-se progressivamente a novos objetos (como os xenobots). Mas de que dependerá, em cada evolução histórica, a nova determinação dos limites do conjunto “tecnologias”?
Ao arrepio do que talvez seja a normalidade histórica, na nossa circunstância atual a determinação de “tecnologia” – ou das condições de utilização deste nome – justificar-se-á, que mais não seja, segundo a racionalidade económica: um investimento de energia e tempo, na complicação da determinação de um horizonte com que poderíamos lidar com maior simplicidade, é certo, mas em vista de uma mais produtiva e mais segura exploração das estranhas pistas, ditas “tecnológicas”, que nos temos estado a abrir.
(*) Professor do ensino secundário, São Jorge (Açores)
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