Por Ivo Bernardo (*)

O avanço da DeepSeek, a startup chinesa que surpreendeu o mundo da Inteligência Artificial (IA), não é apenas um marco no desenvolvimento tecnológico – é também um reflexo das grandes tendências que estão a moldar o futuro da IA. A ascensão desta empresa destaca a inevitabilidade de um novo paradigma onde modelos de linguagem (LLMs) altamente eficientes e acessíveis reconfiguram não só a economia digital, mas também como o conhecimento e a inovação são distribuídos globalmente.

Num setor onde o domínio tem sido partilhado por gigantes como OpenAI, Google DeepMind e Anthropic, o surgimento da DeepSeek desafia as regras do jogo ao mostrar que é possível competir ao mais alto nível treinando modelos de forma mais intelligente e com uma fração do custo. Ninguém sabe ao certo quanto custou o seu modelo R1, mas podemos argumentar que o hardware utilizado foi relativamente modesto comparativamente aos investimentos feitos por OpenAI, Google ou outras empresas – abrem-se portas para um caminho alternativo para desenvolver IA de ponta.

Apesar da DeepSeek não ser totalmente open-source (os dados utilizados para treino não foram partilhados, apenas algumas características do treino do modelo e respectivas variáveis), o impacto dos LLMs open-source vai muito além do círculo restrito de especialistas.  O desenvolvimento de IA é ainda um território dominado por poucas empresas, altamente fechado e inacessível – o próprio Sam Altman acabou de admitir que está no lado errado da história quanto à abertura para a sociedade com o open-source. O que a DeepSeek faz é caminharmos para ter o poder computacional ao alcance de qualquer organização, governo ou investigador, reduzindo drasticamente as barreiras de entrada. Isso significa que não é só a elite tecnológica do Vale do Silício que pode beneficiar dos avanços da IA – mas também universidades, startups e empresas de qualquer parte do mundo.

Este tipo de IA tem o potencial de revolucionar o mercado da análise de dados e da tomada de decisão. Atualmente, um dos maiores desafios das empresas não está apenas em possuir dados, mas sim em transformá-los em conhecimento acionável. Modelos como o DeepSeek R1 permitem que empresas analisem grandes volumes de dados de forma autónoma, gerem relatórios inteligentes e tomem decisões estratégicas com base em previsões altamente sofisticadas com base em modelos de linguagem natural.

A eficiência energética e operacional também não pode ser ignorada. Modelos como os da DeepSeek abrem a porta a treinar IA com menos recursos computacionais, algo essencial num momento em que a pegada ecológica da tecnologia é um tema cada vez mais relevante. À medida que a adoção da IA cresce, a necessidade de soluções mais sustentáveis torna-se evidente.

Os avanços recentes na Inteligência Artificial, impulsionados por modelos semi-open-source como os da DeepSeek, estão a redefinir o acesso ao poder computacional. Empresas que antes dependiam de soluções caras e fechadas podem agora desenvolver os próprios modelos altamente avançados sem os recursos financeiros de gigantes tecnológicos, tornando o mercado mais competitivo e inovador. Além disso, a IA personalizada e adaptável permite que cada organização ajuste os modelos às suas necessidades específicas, criando soluções mais eficientes e direcionadas, sem depender de abordagens genéricas.

Outro grande impacto destes modelos está na forma como a IA se integra nos processos empresariais e estratégicos. Em vez de substituir a inteligência humana, os LLMs funcionam como copilotos na tomada de decisão, aumentando a capacidade analítica e otimizando operações em setores como saúde, finanças e retalho.

Enquanto a China e os EUA avançam a passos largos, a Europa parece estar a assistir a esta revolução tecnológica do lado de fora. A ausência de um verdadeiro ecosistema europeu (excepção feita à francesa Mistral) à DeepSeek ou à OpenAI não é apenas um problema tecnológico, mas um risco económico e estratégico. Sem investimento significativo em IA, a Europa arrisca-se a tornar-se apenas um consumidor passivo desta tecnologia, em vez de um produtor e inovador.

No entanto, a boa notícia é que ainda há tempo para recuperar. O caminho passa pelo incentivo à investigação, criação de infraestrutura de dados robusta e financiamento a startups de IA que possam desafiar o status quo. Se a Europa aprender com a inovação da DeepSeek, pode transformar este atraso numa vantagem competitiva, apostando em soluções acessíveis, eficientes e altamente especializadas. Focarmo-nos na criação de valor em sinergia com o ecossistema open-source é um excelente começo.

O mercado da Inteligência Artificial está a mudar rapidamente, e modelos como o da DeepSeek são um sintoma de um mundo onde o conhecimento e o poder computacional estão a ser redistribuídos. Para empresas e organizações que procuram desbloquear o potencial dos seus dados, otimizar processos e criar estratégias baseadas em IA, a chegada destes modelos é uma oportunidade sem precedentes.

O futuro da IA será mais descentralizado, eficiente e aberto – e quem entender esta mudança primeiro, ganhará vantagem. Esperemos que os resultados da DeepSeek  sejam apenas o começo de uma nova era. Onde o conhecimento e criação de um mundo impulsionado pela IA seja o mais distribuído possível.

(*) Co-Founder e Partner da DareData