Com os investimentos em Fibra Óptica, nas chamadas redes de nova geração, na ordem do dia, o TeK entrevistou Joeri Van Bogaert, presidente do FTTH Council Europe, uma organização que promove a adopção da Fibra óptica até casa dos clientes. Os desafios que se colocam aos operadores e os diferentes cenários de adopção da tecnologia na Europa e no mundo estiveram no centro desta conversa.

[caption]Joeri Van Bogaert, presidente do FTTH  Council Europe[/caption]
TeK - Como está a evoluir a adopção da fibra óptica para ligar os lares na Europa e no Mundo?
Joeri Van Bogaert -
O FTTH Council publica a cada seis meses um ranking global que pretende avaliar qual o estado da adopção da tecnologia Fibre to The Home no mundo, porque razão esta adopção acontece e qual é a previsão de evolução no futuro. Com base numa avaliação preliminar fazemos depois um estudo mais detalhado em países onde mais de 1 por cento das casas estão ligadas e a usar serviços baseados em fibra.
Este último ranking, com dados de Fevereiro, destaca 14 países na liderança, com a Coreia, Taiwan, Japão e Hong Kong à frente. Depois temos os países europeus, com a Suécia a liderar, imediatamente seguida por outros países escandinavos como a Noruega, Dinamarca, e depois os países tradicionais - Holanda e Itália.
Se vir, há sete países europeus no ranking, o que parece muito bom, mas se olhar com mais cuidado para os números vê que dos 27+2 países da Europa, quatro são responsáveis por 80% de todas as ligações de fibra na Europa, o que torna o cenário menos positivo.
Podemos na verdade dividir os países em dois grandes grupos: os que já avançaram com a fibra óptica e os que ainda estão muito atrasados. Neste momento na Europa há 1,3 milhões de casas ligadas, se compararmos com o número total de casas na Europa vemos que ainda estamos apenas com uma penetração de 0,6%, ou seja, há muito trabalho a fazer.
No entanto também analisamos os números de novas ligações em fibra e ai vemos a França e a Alemanha a aparecerem, o que é importante porque são países de grande dimensão e estão entre as maiores economias europeias.

TeK - E qual é a previsão de evolução? O número de países que está a implementar serviços de banda largar está a crescer?
J.V.B. -
Trabalhamos com algumas empresas de análise de mercado para fazermos a estimativa de quantas casas poderão estar ligadas em 2012 e pensamos que na Europa podemos chegar aos 15 milhões assinantes. Ainda em 2008 devemos atingir os 1,8 milhões de assinantes.

TeK - A previsão que fizeram de desenvolvimento do número de clientes já contou com a actual crise economia? Qual poderá ser o impacto da crise financeira nos investimentos previstos pelos operadores?
J.V.B. -
Bem, este estudo foi feito em Fevereiro e ainda não contou com a crise financeira. Vamos actualizá-lo no final do ano.

Em relação ao impacto da crise há uma série de elementos que temos de considerar. Um deles é que nesta crise económica temos de separar os mercados onde os investimentos em fibra ainda não começaram e aqueles onde já estão a implementar-se.
Nos mercados onde os operadores ainda não começaram a investir acho que vão tentar "espremer" mais um pouco de capacidade das redes de cobre, talvez com tecnologia VDSL , todos sabem que têm de avançar para a fibra mas podem esperar mais algum tempo.
Nos outros mercados onde já há fibra os operadores mostraram que têm um bom modelo de negócio, pouca mudança de clientes (churn) e uma expectativa do mercado baseada na largura de banda ilimitada, bi-direccional, com muita qualidade, e que vai exigir mais esta experiência. E essa diferenciação é obrigatória para os operadores se manterem no mercado.
O que mostra mais uma vez que não há uma resposta Sim ou Não...
E há que considerar que nesta altura os Governos devem investir em fibra que pode criar um impacto positivo na economia e no desenvolvimento sócio-económico.
Há um estudo no Kentuky, nos Estados Unidos, que mostra um impacto positivo acima dos 100 biliões de dólares na economia se houver investimento em fibra. Por isso penso que os reguladores e governos podem pensar nestes benefícios e criar estas infra-estruturas.

TeK - E neste cenário onde coloca Portugal? Conhece bem a realidade portuguesa?
J.V.B. -
Tenho de admitir que não. Mas em Portugal há um aspecto interessante que é a conjugação dos operadores de cabo e de cobre a competir no mesmo mercado, porque os operadores de cabo podem investir em soluções que lhes permitem ter alguma vantagem com largura de banda superior ao que se consegue com o DSL, e que pode levar os operadores de telecomunicações a considerarem mais rapidamente o investimento em fibra de forma a garantirem uma vantagem comercial.
Temos visto este cenário em vários mercados...

TeK - Um estudo recente apresentado em Portugal pela Apritel - a associação de operadores, indica que os investimentos em fibra óptica só são economicamente viáveis para 20% da população e mesmo assim dependem das condições regulatórias. O estudo não analisou apenas o mercado português, mas seis países europeus. Pela sua experiência esta é uma avaliação real?
J.V.B. -
Acreditamos que não há uma resposta única, depende de várias condições e da estrutura geográfica. Podemos dividir um país em três tipos de áreas consoante a viabilidade económica e o modelo a aplicar na implementação de fibra: primeiro as grandes cidades, como Lisboa, Porto, Paris ou Bruxelas, onde acreditamos que é viável ter dois ou até três operadores a construir redes de fibra óptica, fornecendo serviços, e todos com um modelo económico viável. Neste caso acreditamos que o mercado deve autoregular-se. Por exemplo em Paris há três operadores de fibra e todos estão a ter um modelo de negócio sustentável.
No lado oposto temos as zonas rurais, onde é difícil ter um modelo de negócio sustentável, pelo menos à primeira vista, mas temos falado com operadores que estão a construir redes de um ponto de vista comunitário e há uma série de acções que podem ser tomadas para viabilizar o investimento. Nestes casos as pessoas estão muitas vezes dispostas a abrir elas próprias os buracos para a fibra chegar às suas casas e há ainda a possibilidade de usar investimentos comunitários.
Pelo meio temos o caso das cidades de média dimensão, onde um operador poderá ter um modelo viável, mas talvez não dois. Em alguns casos pensamos que existirá aqui necessidade de regulação, imposta por alguns remédios que se apliquem especificamente às condições locais e que possa estimular a concorrência, com a partilha da rede que pode ir até ao bitstream.
Temos também de pensar em políticas públicas inteligentes, que podem não passar apenas pelo investimento do Estado mas pela gestão mais eficiente do espaço público, com planeamento da infra-estrutura que já instale condutas para telecomunicações para passar a fibra quando se estão a fazer outras obras, como instalação de electricidade, água ou gás.

TeK - Acredita na partilha de uma rede única por todos os operadores? Em Portugal esse modelo tem vindo a ser defendido por alguns operadores que apostam na ideia de que a rede pode ser construída por um operador que depois partilha o acesso para o fornecimento dos serviços...
J.V.B. -
Há muitas experiências nesse campo. Há um exemplo na Suécia e na Holanda onde existem estas redes abertas [Open Acess Model], com três "camadas": a da infra-estrutura, operações e serviços. Em alguns casos há organizações diferentes responsáveis pela fibra e pela operação. E sobre estas os operadores fornecem os serviços. Nos dois casos provou-se que estes projectos são muito rentáveis.
Mas esta não é a única solução, vai sempre depender do país e das circunstâncias. Alguns irão decidir-se pelas redes abertas e outras não...

Fátima Caçador