Se a primeira pergunta do debate do Estado da Nação tivesse sido feita pelo ChatGPT seria sobre a "responsabilidade dos operadores na dificuldade em tornar o sector mais competitivo e transparente para o consumidor", num diagnóstico apresentado onde a Portugal "continua a ter dos períodos de fidelização mais longos da Europa e preços acima da média comunitária". Mesmo que a moderadora tenha declarado que não iria colocar a questão, a capacidade das empresas se manterem competitivas atravessou o debate do Estado da Nação no 34º Congresso da APDC, e o retrato não foi muito diferente do que tinha sido feito em anos anteriores.

Ana Figueiredo, CEO da MEO, defende que "já existe concorrência e diversidade de oferta no mercado. Temos quatro operadores a servir 10 milhões de pessoas, na Alemanha são quatro operadores para 80 milhões". Para a CEO da MEO o setor tem provado que é transparente e que trabalha no desenvolvimento de redes de nova geração, com investimento, inovação e concorrência, afirmando que os portugueses beneficiam de uma qualidade de rede e de serviços superior à média europeia.

É na falta de condições para continuar a investir que os três operadores estão em sintonia, apontando a falta de previsibilidade regulatória e de gestão do espectro como a principal causa, num mercado que Miguel Almeida diz que não tem espaço para mais de três operadores.

"No Congresso do ano passado, o que disse é que o destino do setor é a consolidação. O país não tem capacidade para ter quatro operadores. Não tenho dúvidas de que ela vai acontecer. A questão que se coloca aos reguladores é se vamos fazê-lo com mais ou menos prejuízo. Quando mais tarde acontecer, mais prejuízo vai dar", afirma o CEO da NOS.

Apesar de não ter lugar e representação em palco, a Digi, a mais recente operadora a entrar no mercado português foi por várias vezes referida, explicita ou implicitamente, com Miguel Almeida, CEO da NOS, a dizer que "não houve nenhum obstáculo à entrada da Digi". "Continuamos sempre com uma narrativa completamente desligada da realidade", garante, dizendo que "este operador desde o primeiro momento teve interligação e acesso às infraestruturas [...] Tanto não havia [obstáculos] que eles estão aí”.

Discutir preços e não qualidade

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A CEO da MEO lembrou logo no início do debate que "as receita do sector decresceram 25%, e com a inflação corresponde a 40%, e que o preço do gigabyte desceu 90% em 10 anos e que o tráfego nas redes multiplicou-se por 18x, o que não seria alcançado sem dinamismo dos operadores. "Quando o retorno do investimento é inferior ao custo de capital, isso é insustentável", afirma.

Ana Figueiredo lamentou também o facto de continuarmos a discutir preços em vez de qualidade.

"É uma discussão redutora, quando deveríamos analisar a política industrial, se queremos estar na vanguarda, como sempre estivemos, ou ficar na retaguarda, para onde já estamos a ir", avisa Ana Figueiredo, alertando para o facto de que "estamos a ficar na retaguarda, a ser a lanterna vermelha".

Nem mais 1 euro de investimento na rede da NOS

A falta de incentivos para investir foi destacada por Miguel Almeida que afirma que "tem de haver um conjunto de medidas que permita um reforço do investimento", e realça a necessidade da previsibilidade do espectro, com licenças mais longas. Segundo o responsável da NOS, a situação já foi claramente expressa pela própria Comissão Europeia e "se a ANACOM prosseguir este caminho, em violação da determinação da CE, não temos condições de investimento", realça.

"Temos necessidade de ter previsibilidade no espectro que temos [disponível]. Se for ampliado só por mais uns anos, a NOS não vai investir nem mais um euro na rede móvel. É isto que queremos para o setor? Um país sem competitividade digital e económica?", defende Miguel Almeida.

Em relação à previsibilidade na gestão do espectro, Luis Lopes, CEO da Vodafone Portugal fez mesmo um apelo à regulação. "Como operadores, a previsibilidade no espetro é fundamental", sublinhando a importância de "ter espetro licenciado em períodos de tempos significativos, em linha com a Europa, e não de apenas em alguns anos",  a que se soma a possibilidade de haver novos leilões. Por isso refere como mais adequado "pelo menos 30 anos de licenças e não 10 ou 15 anos”.

"No tema do espectro, o que é fundamental é a não discriminação. Não haver tapetes vermelhos. É o único apelo que faço. Gosto da concorrência e não tenho problema nenhum. Tenho problemas quando se cria discriminação", afirma Luis Lopes.

A evolução das redes foi também abordada no debate com os operadores a considerarem que o desenvolvimento do 5G está "ao nível do melhor do que se pratica na Europa", como destacou Luis Lopes. "Apesar de ter feito leilão mais tarde, não houve adiamento de prazos", como aconteceu noutros países, afirma, citando os números de 308 concelhos cobertos e 99% da população.

E o 6G? Miguel Almeida avisa que com a falta de capacidade de investimento estamos a pôr em causa a evolução tecnológica e a acumular atrasos, que se podem refletir na próxima geração de redes móveis.

Ainda assim, Ana Figueiredo diz que é cedo para falar no tema. “Com discussões ao nível do 6G estamos a pôr a carroça à frente os bois. Primeiro temos de resolver questões essenciais", destaca.