
Por João Ricardo Lourenço (*)
Na verdade, o bom programador nunca foi apenas programador. Sempre foi engenheiro: alguém capaz de arquitetar sistemas e de pensar num nível de abstração muito superior ao do mero empurrar de bits.
As ferramentas de inteligência artificial vieram para ficar – quer se goste, quer não. Se uns as ridicularizam como sensacionalismo sem fundamento, uma espécie de “autocomplete glorificado”, outros apresentam-nas como o verdadeiro substituto dos programadores, anunciando o fim da profissão e gerando uma onda de pânico cada vez menos silenciosa numa das áreas mais bem pagas e com melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Tenho acompanhado de perto estas ferramentas, sendo visto por muitos amigos quase como “o maluco da inteligência artificial”. Estou sempre à procura da próxima revolução na minha forma de trabalhar: agentes autónomos que programam em paralelo, soluções de brainstorming, ou até programação por voz. Invariavelmente, perguntam-me: “Não tens medo de perder o emprego?” Em boa verdade… não!
Se acredito tanto nestas ferramentas, por que não me sinto intimidado? A resposta é simples: ninguém pode dizer que o seu lugar está garantido. Encaro este aspecto da minha profissão como encaro a criação de um produto do zero: com uma crença na nossa capacidade de adaptação, na curiosidade que me aproximou dos computadores quando ainda mal sabia falar e na vontade de estar na vanguarda da mudança, não atrás dela.
Perante a suposta apreensão que estas ferramentas deviam inspirar, apanho-me em vez disso a esboçar sorrisos no meu dia-a-dia. Esta revolução da inteligência artificial está a fazer-me redescobrir um gosto quase ingénuo por programar, semelhante ao dos primeiros anos. São ferramentas que me abriram os horizontes, permitindo-me arriscar mais e, sobretudo, aprender a uma velocidade que pensava ter ficado refém das longas noitadas na universidade.
Nos últimos anos, em equipas que recorrem a estas ferramentas, vi de perto o impacto que podem ter na criação de produtos. Também o contacto com a academia, através da docência, me tem dado uma perspetiva adicional. O que observo é claro: como quaisquer ferramentas, elas amplificam capacidades. O mito do “programador 10x” – aquele que faz em dez dias o que outros fariam em cem (sim, eles existem!) – não desaparece: acentua-se. Com a inteligência artificial, um “programador 2x” pode tornar-se 20x, mas um “programador 10x” tornar-se-á 100x. Ou seja: os melhores ficarão cada vez melhores.
Para muitos, programar é uma arte. Identifico-me com eles, mas dizer que programar é uma arte não incumbe a programação de ser apenas arte. Programação é um meio para um fim, podendo também ser forma de expressão artística. Existe código belo? Sim, e a beleza é subjetiva. Já vi código gerado por inteligência artificial de grande qualidade, tanto técnica como estética. Haverá sempre espaço para o programador-artista que já está habituado a estes desafios. Tem um amor ao código que muitas vezes entra em conflito com a realidade empresarial em que tempo é dinheiro.
Outros veem no código, não arte, mas sim o tal meio para atingir um fim. Querem criar produtos, transformar ideias em realidade. E há como censurá-los? Nem todas as boas ideias vêm de bons engenheiros, por que haveremos de querer restringir a sua execução apenas a quem domina os meandros técnicos? Está a nascer uma espécie de super gestor de produto – um com bases de programação, mas focado naquilo que realmente o apaixona: a criação de um amanhã melhor.
A inteligência artificial é o próximo passo natural na longa caminhada de abstração da programação. Há uns anos, saber linguagens de baixo nível como C era um pré-requisito, mas hoje isso é um nicho do mercado sobre o qual construímos. E com mais abstração, podemos arriscar mais, delegar mais, e acelerar processos. Ferramentas como o Claude Code já permitem o vislumbre de um futuro em que programar será cada vez mais uma conversa sobre o que construir, e menos sobre como o construir.
Há quem tema que a inteligência artificial comprometa a qualidade do código. A minha experiência mostra precisamente o contrário. Estas ferramentas funcionam melhor em bases de código bem estruturadas e altamente testáveis – portanto, de alta qualidade. O incentivo à sua utilização poderá elevar os padrões de qualidade e promover software mais modular, robusto e, paradoxalmente, mais modificável por humanos.
O futuro é entusiasmantemente incerto, mas podemos hipotetizar. Imagine-se: engenheiros definem documentação, agentes independentes ficam responsáveis por módulos distintos, comunicando e implementando eficientemente para que, no fim, o engenheiro aprove as alterações. Também a memória destes agentes e das decisões técnicas ficará em repositórios, algo que atualmente parece intangível e não documentado por estar “na cabeça dos programadores” ou perdido em reuniões (tantas vezes gravadas para nada). Este futuro libertar-nos-á daquilo que por vezes esquecemos ser um factor limitador: o ecrã e a nossa limitada capacidade de escrita sequencial num teclado.
O meu otimismo é fervoroso, mas não cego. Reconheço a clara apreensão com contratações de programadores juniores. Se uma parte das tarefas que antes lhes era atribuída pode hoje ser realizada por inteligência artificial, cresce a relutância em contratá-los. Para quê investir na formação de alguém que, provavelmente, mudará de empresa em pouco tempo? O risco é claro: sem juniores, quem formará os seniores de amanhã? A solução terá de passar por equilibrar boas condições de trabalho com investimento mais cuidado na formação de talento jovem.
O novo programador não programa no sentido tradicional. Orquestra, arquiteta, imagina, solto da necessidade de escrever (mas não de aprender!) código. Usa a inteligência artificial como um pintor usa pincéis: não para substituir a sua criatividade, mas para a amplificar e lhe dar forma. O futuro não passa pela extinção do programador, mas pela sua evolução. Aos que abraçarem esta mudança, que souberem navegar entre a visão e a execução, caberá o papel de arquitetos dos sonhos do amanhã.
(*) CTO da CRON STUDIO
Pergunta do Dia
Em destaque
-
Multimédia
O árbitro já apitou: FC 26 joga-se nas quatro linhas em formato virtual -
App do dia
Wikiloc é uma app para fãs de caminhadas que querem descobrir novas aventuras na natureza -
Site do dia
Crie música através de prompts de IA com a plataforma Mozart.AI -
How to TEK
Saiba como criar grupos de separadores no Chrome e sincronize em todos os equipamentos
Comentários