Por Pedro Montez (*)

 

Nos últimos dias fomos confrontados com mais uma bomba no setor do software de faturação com a anulação do certificado a dois sistemas de faturação existentes no mercado, pelo facto de permitirem ao utilizador a eliminação dos registos de vendas e de prestações de serviços.

Mas afinal, por que razão a certificação do software é assim tão importante? A certificação de software consiste na atribuição de um certificado por parte da Autoridade Tributária, a autoridade competente em matéria fiscal, aos sistemas de faturação, ou seja, ao software desenvolvido pelas empresas produtoras de software, após um processo rigoroso de validação dos requisitos previstos na lei. É este certificado que atesta a autenticidade do software e a sua segurança no cumprimento rigoroso dos requisitos legais e fiscais vigentes. Quando um software está certificado, obrigatoriamente esse código de certificação passa a constar em todos os documentos emitidos pelo software, representado na assinatura automática do documento. Esta assinatura é a garantia de que o software cumpre os requisitos e que os agentes económicos que o utilizam cumprem as exigências legais no desempenho da sua atividade económica.

Ora, aqui as software houses têm um papel primordial. Ao desenvolverem soluções que permitam uma fuga fiscal estarão elas próprias a incentivar a economia paralela. Cabe-lhes um sentido de responsabilidade enorme. Por essa razão, a credibilidade das empresas que desenvolvem software é um dos principais fatores a considerar nesta equação. Um produtor de software credível tem que conhecer muito bem os requisitos legais vigentes, tem que apresentar capacidade para os interpretar e know-how para refletir esse enquadramento legal nos mecanismos e tecnologias que suportam os sistemas de faturação, afigurando-se um aliado indispensável no cumprimento da fiscalidade.

Neste contexto, a credibilidade de quem desenvolve o software assume uma importância cada vez maior, pois é a garantia de que um sistema cumpre e irá continuamente cumprir escrupulosamente a legislação, proporcionando aos empresários idóneos o desempenho da atividade sem sobressaltos ou receios de incumprimento.

Quando um certificado é retirado pelas autoridades competentes ao produtor de software o impacto não podia deixar de ter o efeito de uma verdadeira bomba, que para além de atingir a credibilidade do produtor de software, coloca em causa os próprios clientes, os produtores de software, o mercado de software no seu global e a relação entre a Autoridade Tributária e os produtores de software.

Desde logo, o fornecedor de software irá ficar impossibilitado de comercializar o sistema cujo certificado foi retirado, com todas as consequências que podem advir dessa situação desde coimas e processos fiscais adicionais em que poderá incorrer, bem como toda a receita expectável da venda do produto que não será obtida pela empresa.

No que concerne aos clientes, o impacto terá, consoante cada caso, uma ou duas vertentes: se o cliente estava a utilizar o software e ao mesmo as funcionalidades que permitiam eliminar os registos de vendas e de prestação de serviços terá agora de substituir o software e devolver ao Estado receita de impostos que possa vir a ser apurada correspondente à faturação omitida.

Se o cliente estava a utilizar o software sem conhecimento ou utilização das funcionalidades que permitiam ocultar registos, terá agora de substituir o software de faturação por outro, com todas as consequências que daí advêm.

Para os produtores de software o impacto será elevado. Muitas dúvidas se levantarão sobre a conformidade dos sistemas com a lei. O mercado de software no seu global é afetado, pois sobre ele pairará uma nuvem de desconfiança quanto à validade do processo de certificação de software e o seu cumprimento por parte dos operadores do mercado. Também aqui os utilizadores de software de faturação terão que estabelecer os critérios de escolha que permitam optar por um software com provas dadas no mercado e com todos os restantes critérios de fiabilidade, qualidade, confiança. Caberá a cada agente económico efetuar a sua avaliação e escolher com base em critérios objetivos de qualidade, confiança e segurança no cumprimento da lei, valores que, felizmente, ainda são partilhados por muitos operadores deste mercado.

Quanto ao impacto na relação entre a Autoridade Tributária e os produtores de software, pode refletir-se quer num acréscimo de ações de inspeção, quer no aumento de requisitos que os produtores de software de faturação terão de implementar nos sistemas certificados que existem no mercado, assim como nos novos que possam vir a ser produzidos.

Neste âmbito, não podemos deixar de reconhecer e valorizar o esforço que as autoridades fiscais têm feito no sentido de reduzir este tipo de criminalidade que afeta o tecido empresarial em especial ligado ao setor da restauração, mas não só, não permitindo que as empresas e empresários cumpridores possam competir em igualdade de circunstâncias com as suas congéneres incumpridoras.

Uma nota para todos nós contribuintes no sentido de alertar para a importância de solicitar um documento do tipo fatura em qualquer aquisição de bens ou serviços que, quando emitido por um programa de faturação contenha a assinatura com a indicação do número do certificado. Só assim se poderá ajudar a garantir que todos paguem os seus impostos para todos podermos pagar menos impostos.

A assinatura de um documento de faturação deveria ser o elo inquebrável, a garantia de que o compromisso assumido seria válido até à morte (entenda-se fim do produto de software) entre o produtor de software, o operador económico, o contribuinte e a Autoridade Tributária.

Com o surgimento de processos como este, todas as partes envolvidas terão de verificar os processos, aprimorar as suas escolhas, manter e reforçar os seus poderes de vigilância para que o elo de segurança representado pela assinatura de um documento de faturação possa sair reforçado e, desse modo, excluir do mercado quem, por razões indefensáveis, produz ou utiliza software de faturação de modo ilegal.

 

(*) Fiscalista e Product Manager na PRIMAVERA BSS