Por Pedro Carvalho (*)

[caption]Pedro Carvalho[/caption]No último ano, a Apple tem assistido a uma forte pressão por parte de Wall Street (as acções da empresa desceram 23% em 12 meses). Uma das razões prende-se com a quebra no crescimento das vendas da empresa, devido principalmente à saturação do segmento high value nos mercados desenvolvidos e ao facto de não existir uma estratégia clara de ataque aos futuros mercados de crescimento: os mercados emergentes.

A maioria dos consumidores dos mercados emergentes não têm disponibilidade financeira para comprar um smartphone de $500-$600. Uma das formas de resolver esta situação, poderia passar pela disponibilização de um smartphone low-cost. No entanto, considerando o posicionamento da Apple, a probabilidade de surgir um iPhone inferior a 300$, que consiga concorrer com smartphones de outras empresas entre $99-$200, é muito baixa (analistas da Morgan Stanley apontam para um preço entre $300-$350). Para além disto, smartphones Android já estão disponíveis a estes preços em mercados emergentes e ainda não existem previsões para o lançamento de um "iPhone low-cost".

A Apple necessita então de encontrar soluções alternativas de curto-prazo que possam aumentar as vendas de iPhones. De acordo com a Bloomberg, a Apple está a considerar lançar um programa de trocas de iPhones nos Estados Unidos, que se destina a incentivar os seus clientes a comprar o novo iPhone 5, através da troca de telefones iPhone 4 e 4S e, disponibilizar os smartphones recolhidos aos consumidores dos mercados emergentes a preços mais baixos. Esta operação terá dois papéis importantes para a Apple: aumentar a base de clientes de iPhone 5 e ganhar quota de mercado nos países emergentes.

O primeiro papel é muito importante para a Apple, já que as vendas do iPhone 5 estão a perder fôlego (ao fim de um ano de lançamento, as vendas de iPhone 5 estão a crescer a 2% ao trimestre, contra os 7% do primeiro ano de venda do iPhone 4). Um programa com esta tipologia teria à partida todas as razões para ter sucesso nos EUA, principalmente porque desde sempre que existe um grande mercado de iPhones usados.

Em Outubro de 2011, a Apple começou a oferecer até $200 em troca de iPhones antigos, através do programa "Reuse and Recycling". Baseado na web, este programa exige que os proprietários enviem por correio os seus aparelhos e em troca a Apple enviava de volta o respectivo valor em forma de um cheque-crédito.

Mas logo à partida, este programa da Apple apresenta uma grande desvantagem: a proposta não é atractiva o suficiente, já que à distância de um click, os consumidores que pretendem trocar o seu iPhone, podem colocá-lo à venda no eBay ou no Craigslist por valores superiores a $200.

Se a Apple conseguir oferecer uma proposta superior a $200 (seja através da quantia monetária ou da subsidiação de novos iPhones, então este novo programa pode tornar-se num caso de sucesso e resultar no tão desejado aumento de vendas de iPhones que a Apple necessita.

Os iPhones 4 e 4S recolhidos seriam depois recondicionados (se necessário) e vendidos nos mercados emergentes, onde a quota de mercado da Apple é menor e a procura por dispositivos baratos é maior. Desta forma, estes telefones mais baratos não canibalizariam as vendas do novo iPhone 5 nos mercados maduros

E entra o segundo papel deste programa: ganhar quota de mercado nos países emergentes. Os mercados Norte-americano e Europeu estão saturados, sendo que o verdadeiro potencial de crescimento encontra-se nos mercados emergentes onde a penetração de smartphones é actualmente muito baixa (18%) e as mais recentes projecções estimam que num futuro próximo (2017) as vendas de smartphones nos mercados emergentes vão passar a representar 67% do total de vendas mundiais de smartphones.

Até recentemente, o preço elevado dos smartphones não estava ajustado ao baixo nível de poder de compra da maior parte da população dos mercados emergentes. Hoje, tem-se assistido a um grande sucesso da plataforma Android da Google nestes mercados (16% de quota de mercado em 2012), muito devido a fabricantes como a ZTE e a Huawei que conseguem oferecer aparelhos aos consumidores por preços entre os $99-$200. Por comparação, um iPhone 5 da Apple custa $650.

O programa de trocas da Apple pode ajudar neste sentido. Ao reaver telefones iPhones mais antigos e, se necessário, recondicioná-los, a Apple poderá passar a oferecer smartphones apelativos a uma grande escala nos mercados emergentes e por preços mais baixos e atractivos para os consumidores destes mercados. No entanto, estes preços deverão ser um pouco inferiores a $300, já que Apple deverá querer manter o seu posicionamento premium e querer continuar a diferenciar-se dos seus principais concorrentes, mesmo lançando um smartphone "low-cost".

Ao mesmo tempo, tendo em conta o ritmo de crescimento da penetração móvel em mercados emergentes, vender iPhones recondicionados pode permitir à Apple atrair os consumidores que comprem smartphones pela primeira vez e convertê-los à sua marca, aumentando o rácio de adopção e alargando sua base de clientes leais a longo prazo.

Com esta estratégia, a Apple não só ganha algum tempo para desenvolver modelos mais direccionados aos consumidores dos mercados emergentes, como também consegue fazer crescer os números de vendas.

Mas para ser um sucesso, a Apple terá que garantir obrigatoriamente dois elementos: nos mercados maduros, o programa terá que oferecer mais benefícios aos consumidores que os principais players do mercado de usados (eBay e Craigslist), incluindo o preço e a experiência da recompra. Nos mercados emergentes, a Apple terá que conseguir oferecer os iPhones recondicionados com preços atractivos para os consumidores locais, mas sem nunca descurar o posicionamento diferenciador da empresa.

Não há dúvida de que a Apple está no centro da maior revolução da tecnologia de sempre e que nos últimos anos tem sido um caso de sucesso, não só para os seus consumidores, através da oferta de produtos atractivos e inovadores aos consumidores, mas também para os seus accionistas que, mais recentemente foram generosamente recompensados. Toda esta operação, a confirmar-se, fará parte dos esforços da empresa para retomar o crescimento do passado nos mercados maduros e entrar com mais força nos mercados emergentes. Resta saber se este tipo de estratégias terá a viabilidade para avançar e aliviar a pressão que a empresa tem sentido por parte de Wall Street.

(*) consultor da Greenwich Consulting