Por Nuno Ferro (*)
Atualmente, a indústria de semicondutores está na vanguarda tecnológica, a impulsionar e capacitar tecnologias disruptivas como a Inteligência Artificial (IA) e a Realidade Virtual (RV). Os rápidos desenvolvimentos nestas tecnologias têm conduzido ao aumento na procura de talento no setor das Tecnologias da Informação (TI) a nível global, e a indústria de semicondutores não é exceção. Face ao aumento na procura de chips cada vez mais avançados e à transformação em curso nas cadeias de abastecimento, os volumes de talento necessário para alimentar este setor vão aumentar de forma significativa.
Esta é uma indústria em forte expansão: segundo dados da McKinsey, estima-se que o seu crescimento médio anual seja de 6% a 8% até 2030, com uma previsão de receitas anuais a atingir 1 bilião de dólares. Para acompanhar este ritmo de procura, o setor terá de duplicar a produção de semicondutores, mas a maioria das fábricas já funcionam no limite da sua capacidade, o que torna urgente o investimento na construção de novas infraestruturas.
Por outro lado, e apesar da sua relevância no panorama económico global, o setor dos semicondutores tem enfrentado perturbações significativas ao nível da sua cadeia de abastecimento, que é altamente complexa e fragmentada, dependendo de várias etapas especializadas distribuídas globalmente. Embora a conceção e o design dos chips sejam predominantemente realizados por empresas na Europa e nos Estados Unidos, a produção está fortemente concentrada no Sudeste Asiático. Esta concentração torna a cadeia de abastecimento vulnerável a disrupções, como tensões geopolíticas, desastres naturais ou interrupções logísticas. As consequências destas perturbações são amplas e podem traduzir-se em atrasos no fornecimento de materiais, escassez de stock ou mesmo paragens na sua produção. Estes fatores aumentam os custos operacionais, com impacto direto em setores que dependem fortemente destes componentes, como o automóvel, a eletrónica e as telecomunicações.
Com base nesta conjuntura, e de forma a fortalecer a sua posição tecnológica, diminuir a dependência do mercado asiático e enfrentar os desafios geopolíticos globais e consequentes vulnerabilidades nas cadeias de abastecimento, a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA) têm apostado na relocalização de uma maior proporção da produção de semicondutores, através de nearshoring e reshoring. Estas políticas contam com o apoio de legislação que liberta financiamento público e, no caso da União Europeia, prevê-se um investimento de cerca de 43 mil milhões de euros para conseguir dominar 20% do mercado global de semicondutores até 2030.
Apesar destas ambições, o desenvolvimento deste setor enfrenta importantes desafios ao nível da disponibilidade e acesso ao talento qualificado que necessita. Desde logo, a montante deste processo de relocalização, a própria construção das fábricas na Europa e EUA enfrenta dificuldades.
Estas são infraestruturas complexas e de grande dimensão que exigem contingentes importantes de mão-de-obra na sua edificação. Face à elevada escassez de profissionais que o setor da construção enfrenta, a capacidade de aceder ao talento necessário em tempo útil poderá ver-se comprometida.
O outro grande desafio prende-se com o talento capaz de suportar o crescimento da indústria de semicondutores nestas novas geografias. Dados da Deloitte apontam para que, até 2030, este setor venha a necessitar de um milhão de profissionais especializados para acompanhar a procura crescente, um volume que o contingente de talento especializado atualmente em formação e prestes a entrar no mercado de trabalho não poderá cobrir. Para além disso, com mais de 90% da capacidade de produção global concentrada na Ásia, existe uma carência significativa de talento qualificado noutras regiões, o que acentua o desafio de suprir essa procura.
Finalmente, a capacidade de atração de novos profissionais para esta indústria é ainda limitada por uma imagem menos atrativa que a de outras áreas tecnológicas. De acordo com a McKinsey, entre os executivos seniores desta indústria, cerca de 60% acreditam que as empresas de semicondutores têm uma imagem de marca e um reconhecimento fracos em comparação com outras empresas tecnológicas mais conhecidas.
Em face destes desafios e ambições, fazer do talento um foco estratégico central já não é opção para o setor de semicondutores - é uma medida crucial. A boa notícia é que a construção destas instalações avançadas demora anos e oferece aos empregadores a oportunidade e o tempo de reconfigurar as suas estratégias de talento e apostar de forma decisiva na construção do talento qualificado de que precisam e na revitalização da sua proposta de valor de empregador.
Para isso, a definição das estratégias de talento deverá necessariamente incluir a adoção de iniciativas alargadas de reskilling e upskilling, que permitam capacitar os colaboradores e candidatos com as competências técnicas e humanas necessárias para este setor. A este nível, identificar as competências adjacentes – ou seja, competências adquiridas em diferentes funções ou setores, mas que podem ser relevantes nesta indústria - será fundamental para expandir a base
de talento disponível. Ao dar ênfase a estas competências transferíveis e ao potencial dos candidatos, as empresas podem alargar o seu alcance e atrair um maior número de candidatos qualificados a longo prazo. Para além disso, a criação de parcerias estratégicas entre governos, universidades e empresas privadas será essencial para impulsionar a formação contínua e fomentar a inovação.
Durante esta fase de construção das novas fábricas, as empresas devem igualmente trabalhar na melhoria da sua proposta de valor de empregador e na sua comunicação a um público mais vasto.
A este nível, o foco desta indústria no desenvolvimento de competências e na aprendizagem contínua constitui um elemento de atração importante a valorizar, sobretudo junto das camadas mais jovens. A proposta de remunerações mais competitivas e o reforço das opções de flexibilidade são também medidas que o setor poderá equacionar.
As estratégias de nearshoring e reshoring na indústria de semicondutores não são apenas respostas à crise da cadeia de abastecimento, representam também uma oportunidade relevante para fomentar o crescimento económico e a inovação tecnológica. No entanto, a sua concretização depende de um compromisso claro com a capacitação e desenvolvimento do talento, numa área crucial para a inovação e competitividade global. Ao promover um ambiente de aprendizagem
contínua e qualificação de profissionais, as empresas estarão a construir uma força de trabalho mais ágil e preparada para enfrentar os desafios do setor dos semicondutores, garantindo uma transição mais suave quando a produção começar a operar em pleno.
(*) Brand Leader da Experis
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