Por Francisco Jaime Quesado (*)
Neste novo tempo pós pandemia, marcado por um profundo grau de incerteza e complexidade, a valorização dum sentido estratégico de ética digital revela-se cada vez mais importante para garantir uma maior dimensão de confiança na nossa economia e sociedade. A ética digital é assim o compromisso de afirmação da capacidade de intervenção responsável por parte das organizações num mundo global com crescentes exigências e implica por parte de cidadãos e instituições uma abordagem integrada, em rede, focada na construção de novas soluções inovadoras voltadas para o futuro. Com a aposta na ética digital a sociedade está a dar um sinal claro de convergência com os objetivos duma sociedade aberta e plural, onde a partilha de ideias é a base da criação de valor.
O Estado e as empresas têm hoje um sentido de ética digital acrescido e mais exigente. A gestão de expectativas é hoje fundamental e quando se começaram a agudizar os sinais de falta de controlo na gestão operacional das contas públicas criou-se o imperativo da necessidade da intervenção. O Estado assumiu a condução do processo, para evitar a contaminação do sistema e a geração de riscos sistémicos com consequências incontroláveis, mas as dúvidas mantiveram-se em muitos quanto à existência de soluções alternativas mais condicentes com o funcionamento das regras do mercado. A ética digital implica hoje um novo contrato de confiança entre os diferentes atores económicos e sociais e só com uma verdadeira mobilização e participação se conseguirão resultados concretos
As perguntas que as pessoas lançam, a propósito da intervenção do Estado num contexto de crise em tempo de globalização, correspondem sem dúvida a um sentimento coletivo de uma nova geração que cresceu e amadureceu numa sociedade aberta onde a força das ideias é central para o desenvolvimento da responsabilidade individual num quadro coletivo. A nova geração que ganhou dimensão global através da força dos instrumentos da Sociedade da Informação acredita na felicidade e na justiça humana mas à custa duma adequada aposta na criatividade individual e no reconhecimento do mérito na criação de valor. Por isso, importa que se desenvolvam ideias que apresentem uma solução diferente para os próximos tempos do país. Precisamos de facto de um sentido de urgência na definição de um novo paradigma de organização em sociedade e de integração no mundo global. A oportunidade existe. Mas importa que haja respostas concretas.
A confiança é a chave central do funcionamento de uma sociedade. Sem confiança, os cidadãos não se mobilizam para o futuro nem as instituições são capazes de protagonizar a sua própria mudança. Nunca tanto como agora a confiança é vital e também na economia precisamos de uma agenda de mudança que mobilize os agentes empresariais e outros para as reestruturações que têm que ser levadas a cabo. Ou seja. Os agentes empresariais, para utilizar a feliz expressão de Ram Charan recentemente entre nós, “têm que reinventar a sua missão, alterar a estrutura de financiamento e projetar novos produtos e serviços para o futuro”. Essa mudança é a chave para que a economia volte a crescer e a sociedade se reencontre com a ambição estratégica do seu próprio futuro.
Esse contrato de confiança entre os atores da sociedade não pode de forma alguma assentar unicamente numa definição formal por decreto avalizada pelas autoridades centrais – tem que se materializar na operacionalização efetiva de ações concretas no dia-a-dia da atividade social, centradas na ativação dos circuitos em que assenta a cadeia de valor da criação de riqueza e que envolve todos aqueles que conseguem acrescentar uma componente de diferenciação qualitativa na conceção de novos produtos e serviços. As empresas têm que dar provas concretas de que estão claramente apostadas num projeto estratégico de modernização qualitativa, mas a Sociedade tem que saber assumir de forma objetiva o seu papel de parceiro operacional ativo neste projeto coletivo de reinvenção da sociedade aberta.
A confiança tem que se assumir como o ponto de partida e de chegada de uma nova dimensão da ética digital. Assumido o compromisso estratégico da aposta na inovação e conhecimento, estabilizada a ideia coletiva de fazer do valor e criatividade a chave da inserção das empresas, produtos e serviços portugueses no mercado global, compete às empresas a tarefa maior de saber protagonizar o papel simultâneo de ator indutor da mudança e agregador de tendências. As pessoas desempenham nesse âmbito um papel central, pelo efeito de modernidade estratégica que provocam em termos internos e externos.
(*) Economista e Gestor - Especialista em Inovação e Competitividade
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