Por Francisco Tomé (*)
A APDSI - Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação apresentou recentemente o resultado de um trabalho desenvolvido pelo seu Grupo Permanente de Futuros, denominado "No limiar da Autodeterminação da IA ?".
Este trabalho, um cenário para um horizonte temporal difuso, digamos daqui a cerca de 30 anos, constituiu por um lado um processo de promover o pensamento criativo e por outro um modo de dar sentido a um futuro incerto. Ele não é uma extrapolação do passado e muito menos um método de prever o futuro.
O cenário foi construído em torno de duas incertezas críticas, entendidas como os fatores mais incertos e ao mesmo tempo com maior expectativa de impacto no futuro da Era Digital.
Uma destas incertezas diz respeito às "Mudanças Tecnológicas". No cenário foi assumido que não existem limites (vistos como as assímptotas que balizam hoje o que é considerado humano) ao desenvolvimento das tecnociências e que a sua evolução exponencial que vem ocorrendo desde a revolução industrial, irá continuar e acentuar-se.
A outra incerteza crítica a que se chamou de "Mudanças de Contexto", representa a integração de todas as mudanças não tecnológicas com maior impacto, sejam elas económicas, societais, políticas, comportamentais ou outras. Estas incertezas foram levadas ao seus extremos.
Neste pressuposto, um dos pilares do cenário é a possibilidade de se poder atingir um nível de desenvolvimento da IA ao nível do humano, isto é, o aparecimento de "máquinas" com inteligência equivalente à média da inteligência de um humano de nível universitário, contemplando nomeadamente aspetos multidimensionais tais como emoções, afetividade e consciência.
O outro pilar diz respeito à capacidade de se poderem atingir avanços não marginais na extensão do tempo de vida dos humanos. Estes poderão ser transformados ou "melhorados" mediante a implantação no seu corpo de tecnologias NBIC (Nanotecnologia, Biotecnologia e engenharia genética, tecnologias de Informação e ciências Neurocognitivas) no sentido de se ultrapassarem os condicionalismos e os limites impostos pela natureza humana.
Poderemos, no contexto do cenário, estarmos numa situação em que a "Máquina Inteligente" coexiste e integra o Humano e vice-versa. O cenário contempla assim uma perspetiva Transhumanista da sociedade.
Muitos aspetos importantes decorrentes do cenário foram analisados no trabalho. Apenas referir aqui um que diz respeito à privacidade. O acesso aos metadados de cada cidadão envolvendo todas as fontes e tipos de dados, a avaliação, relacionamento, interpretação e análise preditiva da vida em
sociedade de cada indivíduo efetuada por organizações tecnologicamente poderosas (incluindo governos), a implementação de algoritmos de controlo e de "ranking" social de cidadãos, e de outros mecanismos, conduz-nos no contexto do cenário, a uma situação em que toda a vida quotidiana será controlada, registada, conduzida e induzida sem que as pessoas se apercebam que tal esteja a acontecer. Será o fim da privacidade tal como a conhecemos hoje.
Decorrente do cenário colocam-se questões de ordem filosófica, ética, moral e mesmo religiosa que importa debater.
Um cenário não é certo que aconteça. O trabalho em causa não é um bom ou mau cenário. Ele deve ser visto como um método de prepararmos um futuro altamente incerto, independentemente do que vier a acontecer.
(*) Membro da Direção da APDSI
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