Nota de redação: O TeK pediu à Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e à Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP) um artigo de opinião sobre o tema da renovação da lei cópia privada. Amanhã, 8 de maio, há nova discussão no Parlamento sobre as novas regras para a lei da cópia privada.
Até ao momento da publicação apenas a AGECOP respondeu ao pedido.
*Por Miguel Lourenço Carretas
O sistema de remuneração pela Cópia Privada tem um aspecto em comum com alguns sistemas politico-constitucionais democráticos: Não é perfeito mas ainda ninguém inventou solução melhor.
De facto, a possibilidade de qualquer titular de um exemplar legítimo de uma obra (um livro, uma música, uma notícia ou um filme …) reproduzi-lo, para fins exclusivamente privados, sem cometer qualquer ilícito, tem como reverso uma limitação do direito dos respectivos criadores, produtores, artistas ou editores.
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Portugal não tinha que adoptar esta excepção que é uma verdadeira compressão do direito de autor, mas ainda bem que o fez. Ao fazê-lo, já há mais de duas décadas, o legislador nacional alinhou Portugal com a esmagadora maioria dos seus congéneres da União Europeia.
Aqui, como em quase toda a Europa - em relação a um conjunto relevante de bens culturais, e ao contrário do que é a regra aplicável aos restantes bens de consumo - quem os cria é forçado, em muitas circunstâncias, a aceitar que vendendo uma unidade, o comprador (“consumidor”) esteja autorizado a duplicá-la.
É por isso que a Cópia Privada (e a possibilidade de a realizar licitamente) constituiu, uma excepção, no duplo sentido em que se trata de uma limitação a um direito (o direito de autor) e um caso excepcional nos ordenamentos jurídicos ocidentais e no sistema económico capitalista: neste caso, a compra de um exemplar atribuiu ao adquirente o direito de ter mais que um.
Se é certo que o Estado Português tinha liberdade de prever ou não esta excepção, não é menos certo que, a partir do momento em que a prevê, está vinculado - sob pena de violação directa de normas da União Europeia - a estabelecer uma compensação para os respectivos autores, editores, artistas e produtores de obras.
Excepcional, pelo menos no nosso sistema jurídico-constitucional, é também o “veto político”, na exacta medida em que um órgão de soberania sem competência legislativa interfere num processo de produção normativa, impedindo (ou melhor, procurando impedir) a entrada em vigor das normas adoptadas pela maioria parlamentar.
Percebe-se assim que semelhante poder “moderador” seja utilizado, como poder excepcional que é, com parcimónia e, sobretudo, de forma esclarecida e coerente com a tradição constitucional Portuguesa e em particular com a linha de actuação deste Presidente.
Ignora o Presidente da nossa República que, prevendo a lei nacional a excepção da cópia privada, Portugal está também obrigado a garantir uma compensação a atribuir a autores, produtores, artistas e editores, sob pena de incumprimento de normas da União Europeia, incumprimento esse que este mesmo Presidente, em toda a sua actividade política, sempre se esforçou por evitar?
Saberá o Senhor Presidente da República que o processo legislativo que inusitadamente suspendeu foi o mais participado de que há memória em matéria de propriedade intelectual?
Terá ele conhecimento que a ponderação, quer pelo Governo, quer pelos Deputados das objecções levantadas pelas organizações que se opunham à actualização da lei da cópia privada, foi a causa directa de um decréscimo para menos de metade do valor das tarifas inicialmente propostas?
Tem a Presidência da República conhecimento que, de facto, as tarifas aprovadas pelo parlamento se situam claramente abaixo da média dos países da União Europeia e, em alguns casos, se cifram na quinta parte desse mesmo valor?
Em matéria de uniformização regulatória, fará algum sentido que este mesmo Presidente que nada teve a obstar à consagração em Portugal de regimes fiscais divergentes dos restantes parceiros europeus – como é o caso do IVA aplicado à restauração e da taxa normal do mesmo imposto – venha a vetar a alteração à Lei da Cópia Privada “com vista a evitar assimetrias e disparidades nas condições de mercado”?
Entenderá, porventura, o Senhor Presidente da República que a uniformização com outros países da União se faz divergindo da prática adoptada pela esmagadora maioria destes? Propõe o Senhor Presidente da República que, como ocorre em casos isolados e contestados judicialmente entre os nosso parceiros europeus, a compensação pela cópia privada seja suportada pelo Orçamento de Estado?
Não saberá o economista que ocupa o cargo de primeiro magistrado da Nação que, no quadro de um mercado concorrencial e aberto, a repercussão directa sobre os consumidores de um aumento no custo de produção ou distribuição está longe de ser um dado adquirido e dependerá, em boa medida, das margens no mercado de distribuição?
Mas, ainda que assim não fosse, e fosse necessário tomar uma posição de princípio sacrificando os interesses de uma das partes em presença, o que faria o Economista Cavaco Silva? Estaria efectivamente disposto a defender um sector importador e distribuidor – o dos suportes e equipamentos digitais - com reduzido valor acrescentado bruto (VAB) para a economia nacional, em detrimento de um sector exportador, como é o caso das indústrias criativas, com elevado VAB, potencial de crescimento e de emprego?
A ausência de fundamentação objectiva, clara e concreta na mensagem dirigida à Assembleia da República pelo Senhor Presidente e a inexistência de informação sobre o processo que levou à formação da sua vontade, não permitem uma resposta definitiva a estas questões.
Certo é que as circunstâncias em que o veto ocorreu e as parcas justificações apresentadas levantam a dúvida sobre uma efectiva ponderação e moderação na utilização deste poder de excepção, nesta concreta circunstância.
O sistema constitucional democrático português está, de facto, longe de ser perfeito, no entanto ele próprio contém a solução para o impasse criado. Perante a ausência de novos dados e após a ponderação (que leva largos anos) de todos os interesses em presença, cumprirá aos Senhores Deputados – que certamente votaram em consciência – repetirem o seu voto. Se o fizerem colocarão Portugal a par dos seus parceiros Europeus, aprovando a alteração à Lei da Copia Privada. Não há nada de novo nestes velhos argumentos invocados pela presidência que justifique posição contrária.
Aliás de novo há apenas uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (proferida após a aprovação do diploma na Assembleia da República mas antes do malogrado veto) que vem dar total cobertura ao alargamento dos aparelhos e equipamentos sujeitos a compensação pela cópia privada. Não é pois sequer verdade que a jurisprudência recente daquele Tribunal possa servir de suporte ao veto Presidencial como a mensagem que o corporiza pretende fazer crer.
Aos criadores, intérpretes e a todos aqueles que investem nas indústrias culturais resta-lhes esperar que a democracia se sobreponha à demagogia e que seja cumprido o programa de governo, o programa eleitoral do PSD e uma promessa eleitoral do PS.
A Democracia tem esta semelhança com a cópia privada: não é perfeita mas as alternativas são sempre piores.
*Membro da direção da AGECOP e diretor-geral da AUDIOGEST; Miguel Lourenço Carretas acrescenta a nota de que "a posição transmitida neste texto corresponde à sua opinião pessoal e não vincula as organizações que integra".
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