Por José Ricardo Correia (*)

A cosmologia é o estudo do passado, presente e futuro do Universo. Apesar de ser um mistério que desde sempre intrigou a mente humana, só na primeira metade do século XX, com o trabalho de nomes como Albert Einstein, Alexander Friedmann, Georges Lemaître e Edwin Hubble, é que nasce a cosmologia moderna, assente na ideia e nas observações de um Universo que, em vez de estático e imutável, se está a expandir. Um século depois, temos somado enigmas por decifrar, como a natureza da matéria escura que sustenta as grandes estruturas ao longo das quais se distribuem as galáxias, ou o facto de o Universo se estar a expandir de forma acelerada, impelido por uma energia escura, ainda hoje misteriosa.

De modo a responder a algumas destas perguntas é necessário conhecer como era o Universo primordial. Para além das observações da luz que nos chega do passado do Universo, com telescópios na Terra e no Espaço, as equipas de investigadores, entre as quais me incluo, simulam Universos primordiais dentro de “caixas” virtuais, utilizando supercomputadores e modelos físicos. Quanto maior a resolução destas caixas, ou seja, a escala ou quantidade de pontos, cada um com informação sobre propriedades físicas nesse ponto, mais fidedignas serão as previsões que se podem extrair de como esses Universos virtuais evoluem com o tempo.

Um dos estudos que realizamos com estas simulações, nomeadamente em Portugal no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), centra-se num tipo de descontinuidades que ocorreram no início do Universo à medida que, após o calor inimaginável do Big Bang, este arrefecia. A estas descontinuidades chamamos cordas cósmicas. Podemos imaginá-las usando como analogia as fissuras que aparecem no gelo quando a água congela. Se um dia fossem detectadas seriam uma evidência de nova física fundamental.

No meu trabalho, procuro produzir simulações que descrevem os efeitos observáveis dessas cordas na subsequente distribuição de matéria e evolução do Universo, e isso irá ajudar a saber o que procurar nos futuros dados observacionais de telescópios como o Square Kilometre Array (SKA). Para melhor conseguirmos descrever as estruturas subtis nas cordas cósmicas precisamos de grandes resoluções. Na nossa maior simulação até ao momento, fizemos evoluir um Universo dentro de uma grelha com 8192 pontos de lado, ou seja, com um total de quase 550 mil milhões de pontos de informação espacial. Isto significa ter em memória 26,39 Terabytes.

Não existe nenhum computador pessoal com memória nem velocidade de processamento capaz de fazer evoluir esta simulação em tempo útil. O que fazemos é combinar vários processadores e criar uma máquina de supercomputação. No nosso caso, usamos o supercomputador Piz Daint da Universidade de Zurich, fazendo uso de 4096 nodos de computação, cada um com um processador gráfico.

Embora não tão rápidos nem potentes como os processadores tradicionais, os processadores gráficos têm a vantagem de poder correr muitos processos em simultâneo, ou em paralelo, e daí o seu desempenho em termos de velocidade e eficiência, medido pela taxa de execução de operações de vírgula flutuante e de leitura/escrita de memória. O Piz Daint permite também retornar uma grande quantidade de dados (na ordem das centenas de Terabytes) para um colossal sistema de ficheiros com 8,8 Petabytes de capacidade máxima (correspondente a toda a memória de cerca de 16 000 computadores pessoais de secretária).

Esta máquina está disponível através do mecanismo PRACE – Partnership for Advanced Computing in Europe, uma infraestrutura internacional de investigação. Este deve ser mesmo um esforço Europeu. No que toca à competitividade e disponibilidade de recursos científicos, não seria minimamente competitivo nem útil os investigadores europeus usarem apenas os seus centros nacionais. Uma configuração específica pode não estar disponível a nível nacional e uma rede internacional permite colmatar essa falta. No nosso caso, não existe em Portugal uma máquina com o mesmo número de processadores gráficos que o Piz Daint. Porém, o nosso país faz parte da rede PRACE e tem tido um papel cada vez mais ativo ao nível de computação avançada, de que destaco os dois exemplos seguintes.

Inaugurado no início de 2020, o Oblivion, da Universidade de Évora, é um supercomputador que faz parte da rede ENGAGE SKA, na qual irá armazenar e tratar dados da experiência Square Kilometer Array, que será o maior radiotelescópio do mundo e de cujo observatório, o SKAO, Portugal é um dos países fundadores. Os dados desta experiência terão um papel importante para a Cosmologia. De modo a poder executar tal tarefa foi desenhado para ter 88 nodos de computação a operar a 300 TFLOPS (três mil milhões de operações de vírgula flutuante por segundo) e 1,73 Petabytes de armazenamento. Outra máquina impressionante está a ser instalada em Riba de Ave. Chama-se Deucalion e, como máquina de ponta, foi desenhada para usar não só processadores da arquitetura x86 (como os que existem nos nossos computadores pessoais), mas também processadores ARM (como os utilizados nos nossos telemóveis) e processadores gráficos da Nvidia. O alvo a atingir será operar a 1000 TFLOPS e armazenar até 10 Petabytes.

Apesar de ser ainda muito cedo para comentar extensivamente, posso imaginar como estas duas máquinas poderão contribuir para o estudo das cordas cósmicas e ter um impacto na minha área de investigação. O Deucalion terá no futuro uma quantidade apreciável de processadores gráficos, o que o tornará capaz de correr as nossas simulações. O Oblivion será usado para analisar dados do SKA, e as nossas simulações poderão orientar essa análise na procura das possíveis “pegadas” das cordas cósmicas.

(*) José Ricardo Correia é doutorando no âmbito do programa doutoral MAPFIs - das Universidades do Minho, Aveiro, e Porto, e investigador da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e do Instituto de Astrofísica e  Ciências do Espaço (IA).

Este artigo foi publicado no âmbito de uma parceria entre o SAPO TEK e o Instituto de Astrofísica e  Ciências do Espaço (IA).