Por Luís Bravo Martins (*) 

No passado mês de Outubro, o Facebook lançou a segunda versão do Oculus Quest, que para além de trazer uma série de melhorias técnicas atrativas, ostentava uma grande diferença em relação ao seu antecessor – para aceder ao dispositivo, cada utilizador deve fazer log-in com uma conta de Facebook.

Uma imensa onda de protestos nas redes sociais foi despoletada (Facebook incluído) e marcou o primeiro grande insurgimento de utilizadores em defesa da sua privacidade. E este momento foi particularmente importante, porque estamos num momento de viragem e, a par das diversas oportunidades que estas comportam, as tecnologias imersivas trazem igualmente oportunidades de utilização dos dados que podem ter impactos ainda mais profundos na nossa vida que aqueles que já sentimos atualmente.

Agregar as minhas reações aos meus interesses

Amplificado pelo filme The Social Dilemma, sabemos hoje que o algoritmo do Facebook consegue traçar um perfil de utilizador anonimizado de cada um de nós, analisando os nossos interesses, likes, tweets, histórico de navegação e localização geográfica, através das diversas plataformas que fazem hoje parte do seu ecossistema – para além de todas as que utilizam o log-in de Facebook para identificar os seus utilizadores.

Com tecnologias imersivas, o utilizador pode aceitar transmitir mais dados privados e até informações biométricas, como comandos verbais, gestos, movimento ocular ou corporal. Neste estudo da Universidade de Stanford, 95% dos utilizadores foram identificados com apenas 5 minutos de utilização de óculos de realidade virtual e consequente emissão deste tipo de dados. Torna-se óbvio o valor que a reunião destes dois tipos de dados pode trazer para marcas, partidos políticos ou todo o tipo de anunciantes e o potencial destes para modular mensagens à medida de cada utilizador.

E já agora, se falarmos de óculos de realidade aumentada, o streaming constante de tudo o que estamos a ver para a web ou para outros utilizadores ou a oportunidade de identificar em tempo real objetos e pessoas aumenta ainda mais o potencial impacto que estes dados têm na vida de cada cidadão, consumidor, pai ou criança. Potencial esse que não está especificamente regulado.

Regulação e Falta de Educação

Instituições como a XR Safety Initiative ou a Open AR Cloud Association lideram esta discussão e já avançaram propostas de boas práticas e auto-regulação, como o XRSI Privacy Framework. Na Comissão Europeia, existem igualmente processos de anti-trust em curso visando especificamente este monopólio de dados criado pelo Facebook. Contudo, o trabalho na regulamentação da utilização dos dados privados recolhidos com permissão, embora importante, não resolve o problema, pois hoje a maior parte dos utilizadores não percebe ainda a importância da cedência dos dados e o RGPD (Regime Geral de Proteção de Dados), da forma como está instituído,

Desde o início que a World Wide Web promoveu o acesso gratuito a serviços. Se de início o voluntarismo de alguns e o idealismo de outros assim o permitia, a partir de dado momento a moeda de troca para acesso a estes serviços passou a ser dados. Desde o início do século que Google, Amazon, Facebook, Microsoft, Apple, todos nos solicitam registos e autorizações para aceder continuamente aos nossos dados no âmbito de serviços aparentemente gratuitos de e-mail, chat ou redes sociais. Com essa dinâmica, criam modelos publicitários online de sucesso e que redefinem o valor e os conceitos de informação mediática.

Contudo, também desde o início do século que os consumidores não são educados em relação às consequências da passagem dos seus dados privados: como estes podem influenciar as suas escolhas, alterar a informação que lhes é passada, como os seus dados podem servir para ensinar inteligências artificiais a, por exemplo, melhorar reconhecimento facial ou criar melhores deep fakes. Educar sobre a importância dos dados privados no digital é hoje crucial para uma responsabilização de cada utilizador, quer enquanto consumidor, quer enquanto cidadão.

Nesse sentido, a passagem desse conhecimento aplicado às áreas de cidadania e consumo poderia ser passado a um nível de ensino obrigatório, que permitisse a cada individuo operacionalizar um sentido crítico necessário para avaliar quando compensa ceder estes dados privados e a quem.

Da mesma forma, todos os profissionais de gestão e marketing têm hoje a crescente necessidade de contemplar que dados solicitam aos seus utilizadores, porque a tendência de escrutinação desses momentos tende a aumentar e facilmente uma marca pode ficar associada a abusos de privacidade.
Porque os conteúdos imersivos trazem desafios ainda maiores para essa privacidade, só através da consciencialização de produtores e consumidores de conteúdos conseguiremos ter um mercado saudável, que nos permita tirar real partido das tremendas vantagens que tanto realidade virtual como realidade aumentada trazem para o nosso quotidiano.

(*) Head of Marketing da IT People e co-presidente do Lisbon Chapter da VRARA

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