As novas regras são adaptadas da Diretiva europeia, conhecida como a Lei Europeia da Acessibilidade, e têm por objetivo garantir o acesso a serviços e produtos mais inclusivos na União Europeia e eliminar barreiras, não apenas para os cidadãos com alguma deficiência ou limitação mas para todos os utilizadores de produtos e serviços. A aplicação é muito ampla e isso traz algumas um grande optimismo mas também preocupações.

Computadores, smartphones, tablets e respectivos sistemas operativos; aplicações móveis; leitores de ebooks; equipamentos de TV relacionados com serviços de televisão digital,  caixas de multibanco (ATM) e terminais de pagamento e ainda máquinas de bilhetes e de registo automático, são alguns dos referidos na legislação europeia e no decreto lei que transpôs a diretiva para Portugal.

Mas estarão as organizações preparadas para uma mudança que é efetiva já a partir de amanhã, dia 28 de junho?

André Carvalho, Co-CEO do Grupo Tangível, diz que a empresa tem sentido “um aumento muito significativo no número de pedidos relacionados com acessibilidade digital, tanto para auditorias como para projetos de adaptação de sites e aplicações”.

“Este movimento abrange vários setores de atividade, o que mostra que o tema está, de facto, a ganhar relevância”, explica em entrevista ao TEK Notícias, referindo que o sector público já estava mais avançado, porque estava sujeito a requisitos legais de acessibilidade há mais tempo, enquanto no sector privado há realidades muito diversas. “Há organizações que já se prepararam, outras que estão a meio do processo e outras ainda que estão agora a iniciar esse caminho”, justifica.

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Na Tangível a acessibilidade tem sido um “best seller” de 2025 e a empresa já fez vários projetos nesta área, estando a trabalhar ainda com outros clientes no mesmo âmbito.

Também Carlos Neves, UX Practice Lead da Xpand IT, reconhece que começa a notar-se uma evolução positiva e que há cada vez mais consciência e algumas iniciativas em curso. Aponta os sectores da banca, dos seguros, dos transportes e dos serviços públicos como os que enfrentam maior risco de incumprimento mas adianta que “temos tido a oportunidade de acompanhar esse caminho de transformação em vários destes setores, ajudando a tornar os serviços mais inclusivos e alinhados com as exigências legais e sociais”.

Em termos gerais, o responsável de UX da Xpand IT admite que ainda há um caminho significativo a percorrer e, infelizmente, é um caminho longo. “Embora muitas organizações em Portugal estejam hoje mais sensibilizadas para o tema da acessibilidade, poucas têm ainda processos verdadeiramente estruturados que garantam a sua integração de forma contínua”.

“O grande desafio está na incorporação da acessibilidade desde as fases iniciais do desenvolvimento de produtos e serviços digitais, e não apenas como um requisito final ou uma etapa de correção”, destaca Carlos Neves.

Têm sido criadas várias iniciativas para aumentar a sensibilidade e conhecimento para os temas da acessibilidade, nomeadamente no âmbito dos certificados de maturidade digital, com a criação de Auditores e Facilitadores em Acessibilidade Web, e dados partilhados pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA) indicam que "desde o lançamento do programa de Selos de Usabilidade e Acessibilidade Digital, em 2021, foram atribuídos 41 Selos (12 Ouro, 23 Prata e 6 Bronze). Estão também certificados 109 Auditores e Facilitadores em Acessibilidade Web, formados através da Academia AMA". "Estes profissionais desempenham um papel essencial no apoio às organizações, tanto no esclarecimento dos requisitos como no acompanhamento técnico do processo de candidatura", refere fonte oficial da organização.

A Administração Pública está mais avançada do que o sector privado, até porque as obrigações legais foram aplicadas mais cedo. E isso tem reflexo no número de sites e serviços que cumprem as regras. "O relatório de monitorização mais recente, correspondente ao período 2022-2024, foi entregue à Comissão Europeia em janeiro de 2025 e analisou 657 sítios web e 33 aplicações móveis de organismos públicos. A taxa média de não conformidade técnica observada foi de 43% nos sítios web e de 22% e 24% nas aplicações iOS e Android, respetivamente, de acordo com a norma europeia EN 301 549", refere a AMA em resposta ao TEK.

"Estes resultados evidenciam progressos importantes, mas também os desafios que persistem, refletindo o carácter contínuo do trabalho nesta área", reconhece a entidade que tem responsabilidade de "acompanhar e promover a implementação das normas de acessibilidade digital", em particular no setor público, no âmbito das competências que lhe estão atribuídas pelo Decreto-Lei n.º 83/2018. O relatório de monitorização está disponível no site acessibilidade.gov.pt.

Legislação “empurra” empresas para cumprimento das regras

Para André Carvalho, “a diretiva europeia e a sua transposição para a legislação nacional foram decisivas para colocar a acessibilidade digital na agenda das empresas. Sem este enquadramento legal, dificilmente seria uma prioridade para a maioria”, reconhece.

“A entrada em vigor da lei é um ponto de partida fundamental, sobretudo para as empresas que olham para o tema apenas sob o prisma legal. Mas, para haver uma mudança real, será essencial o papel dos media, no aumento da visibilidade, e dos reguladores, na atuação perante queixas dos consumidores”, avisa ainda.

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Os números mais recentes apontam para mais de 100 milhões de pessoas com deficiência ou limitações no mercado europeu e o Co-CEO do Grupo Tangível lembra não estão abrangidas apenas pessoas com deficiências severas. “Muitos destes utilizadores, como é o caso de pessoas com baixa visão, muitas vezes idosos, valorizam acima de tudo a facilidade de uso e tornam-se especialmente fiéis às marcas que lhes oferecem uma boa experiência”, sublinha, adiantando que “sabemos que mais de 75% dos clientes com deficiência vão gastar o seu dinheiro, não necessariamente no website que ofereça produtos mais baratos, mas sim num website que tenha menos barreiras de navegação”.

Carlos Neves também diz que a preocupação com a acessibilidade deve ir além da Lei. “Mais do que uma obrigação legal, a acessibilidade deve ser encarada como um princípio fundamental na criação de experiências digitais inclusivas e sustentáveis”, justifica, defendendo que as empresas que investem em inclusão posicionam-se como organizações com responsabilidade social e visão de longo prazo. “É um fator diferenciador cada vez mais valorizado, num tempo em que criar experiências digitais para todos deixou de ser opcional — é uma urgência estratégica”.

“A acessibilidade melhora a experiência para todos os utilizadores — não apenas para pessoas com limitações. Traduz-se em maior alcance de mercado, melhor reputação de marca e é muitas vezes um reflexo de inovação, o que representa uma vantagem competitiva real”, alerta Carlos Neves.

Aplicação e competências no terreno geram dúvidas

A transposição da diretiva para a lei nacional, com o Decreto-Lei n.º 82/2022, refere uma fiscalização dividida por sectores, sendo que na área das comunicações eletrónicas e comércio eletrónico a ANACOM é responsável por essa supervisão, enquanto a ERC tem responsabilidade para os Media e a ASAE deve fiscalizar produtos eletrónicos, onde se incluem por exemplo quiosques de auto serviço e terminais de pagamento. Mas é o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR, I.P.) coordena a aplicação da lei, recebe queixas e publica o relatório anual de monitorização.

A aplicação efetiva da lei e o controlo por parte das entidades competentes é reconhecido por André Carvalho como um elemento importante na criação de condições para uma mudança estrutural no mercado.

“Já trabalhámos com vários clientes que, por força da legislação, começaram a olhar para este tema e acabaram por reconhecer o seu verdadeiro valor. Temos contribuído para a sensibilização interna das organizações: das equipas operacionais até aos conselhos de administração. É uma mudança real, e que está a acontecer”, afirma.

Mesmo assim há ainda muitas dúvidas sobre a forma como a conformidade com as regras será fiscalizada. “Sabemos que tudo partirá de eventuais queixas e que a entidade fiscalizadora irá ouvir a entidade e só depois tomará decisões”, refere André Carvalho.

Por seu lado, Carlos Neves lembra que “a aplicação das regras é um passo necessário, mas por si só não é suficiente”. Por isso defende que “as coimas previstas pelo Decreto-Lei n.º 82/2022 são importantes enquanto mecanismo de responsabilização, mas o verdadeiro impacto virá da combinação entre fiscalização eficaz, literacia organizacional e pressão pública”

“Atualmente, muitas organizações ainda encaram a acessibilidade como um custo e não como um valor. Por isso, é fundamental haver orientação técnica clara, incentivos positivos e sensibilização contínua. A transparência na monitorização — por exemplo, com relatórios públicos ou selos de conformidade — pode funcionar como catalisador adicional”, avisa Carlos Neves.

Mesmo assim reconhece que algumas das entidades sectoriais já já publicaram regulamentos e abriram canais de denúncia, e a fiscalização plena está prevista para começar a partir de 28 de junho de 2025, data em que as obrigações legais para o setor privado entram em vigor.

A efetiva mudança começa a partir de amanhã e só nos próximos meses será possível avaliar o verdadeiro impacto da aplicação das novas regras, e que mudanças trouxeram à vida de todos os cidadãos. Algo para o qual é importante estarmos todos alerta.

Nota da Redação: a notícia foi atualizada com informação entretanto partilhada pela AMA. Última atualização 18h33