O TeK inicia hoje uma colaboração com a Revista Programar. Um projeto sem fins lucrativos que junta amadores e profissionais ligados à programação e que soma uma média de 12 mil downloads por edição.



No âmbito desta colaboração iremos disponibilizar conteúdos produzidos pelos autores que habitualmente alimentam a edição online da revista, num misto de artigos exclusivos ou disponibilizados em antecipação e artigos, análises ou opiniões, que os autores já usaram na publicação online.



É o caso deste primeiro artigo gcc – Wall my App.c – Linstantaneous – o sucess, originalmente publicado na edição 27 da revista. O primeiro artigo que deixamos aos nossos leitores foi escrito por Fernando Martins, um técnico e empreendedor, especialista em migração de dados, que criou a sua própria consultora, a Hexónio.



O texto aborda precisamente os desafios de criar uma empresa, com o autor a deixar um conjunto de conselhos úteis a quem tem uma ideia que acredita poder transformar no próximo grande sucesso da tecnologia, numa espécie de teste à resistência do empreendedor e à sua capacidade para perceber quais são de facto os elementos críticos de sucesso para qualquer negócio. Quem passa o teste é incentivado a avançar, revelamos desde já.




Deixamos abaixo o texto integral do artigo. O acesso à revista Programar pode ser feito a partir da página de Internet da comunidade de programadores Portugal a Programar.

Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

[caption]Nome imagem[/caption]

gcc -Wall myApp.c -linstantaneous -o success

Desde a década de 1970 que a área de informática tem sido prolifera na geração de empresas, empreendedores e aplicações de sucesso. Estes sucessos, muitas vezes bombásticos e sempre
mediáticos, parecem indicar que é muito fácil criar um
negócio multi-milionário do dia para a noite.

Quando
um bom programador olha para uma aplicação de
sucesso identifica imediatamente um conjunto de
variáveis que o levam, invariavelmente, a concluir “Eu
sou capaz de fazer isto!” e costuma rematar com “E
até sou capaz de o fazer melhor!” E tipicamente um
bom programador diz a verdade numa situação
destas.[1 ]

Se juntarmos à capacidade técnica o baixo custo
actual de criar uma aplicação e de a disponibilizar
para todo o mundo ficamos a pensar porque razão
apenas uma ínfima a quantidade de programadores
cria e gere o seu próprio negócio e porque não são
todos multi-milionários.

A resposta é bastante simples, e ao contrário de 99%
das respostas dadas por quantos lêem esta coluna, a
razão não é dinheiro para arrancar. A questão
também não é técnica nem tecnológica mas sim de
personalidade. Apenas uma infama parte dos
programadores é realmente empreendedor e desses
nem todos têm a coragem de arriscar a voar por si. E
todos quantos arriscam mudar de vida sofrem na pele
todas as torturas e maus tratos que advém da gestão
de um negócio próprio, a começar pelo facto de que
não existem sucessos instantâneos, muito menos
para negócios multi-milionários. Sem dúvida que há
excepções à regra, mas mesmo essas excepções
que tiveram uma capitalização exponencial sofreram
as dores de cabeça de um negócio pequeno onde,
cada dia passado era uma vitória e sem haver
certezas quanto ao mês seguinte.

Uma lição muito importante para quem pretende ser
empreendedor é compreender que a tecnologia é
totalmente irrelevante para o sucesso, excepto,
obviamente, se o negócio se baseia precisamente na
tecnologia em si. Aprender esta lição é de extrema
importância e muitas vezes não é compreendida por
quem faz o desenvolvimento. Ninguém compra um
produto por este ser desenvolvido em determinada
tecnologia.

Outra lição de extrema importância é que um
programador não é um designer e também não é um
utilizador comum, o que tipicamente o leva a
desenhar aplicações funcionalmente más. E como se
não bastasse ainda fica ofendido com os utilizadores
por estes não compreenderem que para activar a
assinatura digital apenas têm de correr determinado
comando numa shell com permissões de
administração![2]

Uma terceira lição de extrema importância é que uma
aplicação não é um produto. Um produto é
constituído por muito mais do que uma aplicação de
software. Por exemplo, um produto tem um manual
de instruções que efectivamente explica o produto e
como operar com o mesmo.

Por esta altura muitos estão a pensar “mas eu
compreendo tudo isto, acho que tenho veia de
empreendedor”. A todos vocês que pensaram isso
vou lançar um desafio. Respondam às seguintes
questões:

  1. Quantos projectos vossos já idealizaram?

  2. Desses, quantos começaram?
  3. Dos projectos que começaram, quantos
    terminaram?

  4. Dos projectos que terminaram, quantos
    lançaram para o mercado?

Se a resposta foi “nenhum” à questão 1 , então vocês
não são empreendedores. Se a resposta foi
“nenhum” à questão 2, então vocês não são
empreendedores. Se a resposta foi “nenhum” à
questão 3, então vocês não são empreendedores. Se
a resposta foi “nenhum” à questão 4, então vocês não
são empreendedores. A minha aposta é que a larga
maioria de vocês respondeu “imensos” às duas
primeiras questões, mas muito poucos responderam
“um” ou “dois” e muitíssimo poucos terão respondido
“um” à quarta pergunta.

Acima de tudo um empreendedor “ships it”. Um
empreendedor tem, pelo menos, um projecto que já
terminou. Só há produto quando este se encontra
concluído. No entanto um empreendedor tem
também de saber quando desistir de um projecto e
saber adaptar o seu produto ao longo do caminho.

Tipicamente a ideia inicial é apenas isso mesmo, uma
ideia que se tem no início. É apenas a semente que,
bem cuidada, germinará algo de que poderemos
oferecer e alguém quererá comprar. Resumindo, e
para os que ainda continuam animados, desenvolver
um produto é a parte fácil.

O empreendedorismo, de forma geral, não se esgota
na construção do produto. Na verdade isso é apenas
um meio para atingir um fim. E o fim é a criação de
um negócio, inicialmente sustentável e mais tarde de
sucesso.

E também aqui é necessário explicar que o sucesso
não existe apenas se conseguirmos entrar para a
Fortune 500. A maioria dos empreendedores
considera o seu negócio um sucesso quando este lhe
dá aquilo que o empreendedor procura na vida. Mas
para lá chegar há um longo caminho a percorrer.

Tipicamente esse caminho começa com uma ideia,
mas antes da sua concretização é necessário passar
por vários estados, sendo um dos mais importantes o
da validação da ideia.

Muitas vezes o programador aspirante a
empreendedor valida a ideia com amigos e familiares.
Aqui acontecem duas coisas, quem tem
conhecimentos técnicos compreende a coisa e
apaixona-se pela ideia e diz “espectacular” e quem
não tem conhecimentos técnicos acredita no que lhe
é dito e diz que “é boa ideia”. Há vários erros aqui,
um deles é que os amigos técnicos compram a parte
sexy do desenvolvimento da aplicação, outro é que o
aspirante a empreendedor não sabe explicar a uma
qualquer pessoa o que realmente vai ser essa sua
ideia.

Mas o erro mais grosseiro é não saber
responder à pergunta “que problema é que isso
resolve?” Se não houver um problema, então não é
necessária nenhuma solução, pelo que a ideia cairá
por terra. Havendo um problema, e quanto mais difícil
de resolver melhor, então tal terá de ser expresso
numa frase curta e clara, finda a qual a nossa tia-avó
compreende perfeitamente que produto será
construído.[3]

Para todos os que ainda não abandonaram a leitura
desta coluna furiosos comigo por lhes estar a deitar
por terra ser o próximo multi-milionário da web, peço
apenas mais um minuto.

É que mesmo com uma ideia validada e uma vontade
inabalável de desenvolver um software que se vai
vender como bolos quentes porque resolve um
problema complexo a um número infindável de
pessoas, há imensas variáveis que o programador
aspirante não pensou ou, pior, pensou de forma
leviana. É necessário ter a consciência de que não
basta construir um bom produto de software, é
necessário vendê-lo. Isto implica uma estratégia de
marketing e de vendas. E não, gastar uns trocos, ou
mesmo uns milhares, em Google Ads não é
suficiente. Da mesma forma, não é suficiente colocar
um link para download da aplicação para que alguém
a use. Da mesma forma, não é suficiente ter um
manual de instruções, é necessário estar preparado
para dar suporte à aplicação e, em alguns casos, até
formação.

E enquanto tudo isto se desenrola é necessário tratar
da burocracia inerente ao negócio, recolher feedback
dos utilizadores, corrigir bugs em produção, ajustar o
road map para a próxima release, melhorar a
funcionalidade, escolher um novo plano de
alojamento, dar o produto a conhecer a mais
pessoas, pagar as contas do mês e, no meio de tudo
isto, ter umas horas para dormir por dia e tentar fazer
com que o temo “fim-de-semana” passe a ter o
mesmo significado que os nossos amigos não empreendedores
lhe dão...

Ainda sobrou alguém a ler? Então estás à espera de
quê? Valida a tua ideia e mão à obra. Garanto-te que
é uma experiência profissional única da tua vida, e
quem sabe, talvez venhas mesmo a ser o próximo
multi-milionário! Boa sorte! ;)


Escrito por Fernando Martins

Notas:
[1] A prová-lo
está o facto de determinada aplicação
de sucesso ser clonada por várias empresas e por
vezes até melhor do que original. Mas só ser bom
não basta, e por isso os clones raramente destronam
quem chegou primeiro.

[2]Todos quantos não compreenderam o que acabei
de dizer nesta linha têm duas hipóteses: (i) esquecer
o empreendedorismo, ou (ii) contactar-me
para vos
explicar o que isto tem de mal.

[3]Para os mais cépticos deixo um desafio. Olhem
para o vosso desktop e vejam se têm alguma
aplicação instalada que não vos seja útil. Todas elas
vos resolvem um problema, seja apenas ouvir um
MP3 ou efectuar o controlo de versões em ambientes
distribuídos.