“Consideramos que permitir a utilização de telemóveis nos recreios está a alterar os padrões de socialização das crianças e a sua integração de forma saudável”. Esta é uma das frases chave para entender o que propõe o grupo que lançou a petição “Viver o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!” que já conta com mais de 11 mil assinaturas.
Este é um tema cada vez mais importante na altura em que vários estudos mostram a dependência dos mais novos em relação aos ecrãs, e as dificuldades de socialização que isso provoca. O problema está identificado mas sem soluções à vista.
Várias escolas em Portugal já optaram por medidas de restrição do uso dos telemóveis, e o mesmo acontece a nível internacional, com opções mais radicais como a de Greystones, na Irlanda, onde pais e escolas decidiram voluntariamente impedir as crianças de ter telemóvel antes dos 13 anos.
No texto da petição, que ainda está a decorrer, explica-se que as crianças que têm 9 a 10 anos, ainda precisam de brincar, o que é importante para a sua integração e criação de laços de amizade. Por isso a proposta é que as escolas estejam equipadas com caixas, cacifos ou armário próprio onde os telemóveis possam ser quando chegam à escola e recolhidos no final do período letivo. Desta forma não se corta o contacto com a família, mas podem estreitar-se as relações entre os colegas.
Mónica Pereira, porta-voz do grupo que lançou a petição, explica que “a grande motivação foi um conjunto de situações que foram aparecendo no dia-a-dia e que fui analisando, como mãe interessada que sou”. O interesse pela área da educação e pelo ensino é declarado até porque dá atividades extra curriculares na Escola Voz do Operário.
Aqui não há crianças com telemóveis, porque não é permitido, e Mónica Pereira admite que ainda não tinha a noção real do que se passava noutros estabelecimentos de ensino.
“Foi uma novidade para mim, quando ouvi relatos dos meus amigos cujos filhos iniciaram o 5º ano e que se queixaram em casa que lhes faltava brincar no recreio! Estamos a falar de crianças de apenas 9/10 anos”, justifica.
Entre as frases que ouviu estão “Mamã eu perguntava se queriam ir brincar comigo, mas diziam-me para esperar só um bocadinho (jogavam e passava o intervalo todo)” ou “Pai, os meus amigos no recreio só olham para o telemóvel”. A isto soma-se algumas situações de casos relacionados com grupos de WhatsApp com captação de imagens que levaram a situações incómodas e casos de crianças sem telemóvel que se sentiram excluídas na sala de aula quando os professores pediram para fazer trabalhos de pesquisa no telemóvel.
“Comecei a questionar porque precisam de smartphones? Porque não um telemóvel básico, sem acesso à internet? Isto porque como mãe também me pus no lugar dos pais que precisam saber se os filhos chegaram bem à escola”, sublinha a porta voz da iniciativa.
Mónica Pereira adianta que com a troca de ideias percebeu que havia mais pessoas com ideias semelhantes e isso foi o pontapé de saída para reunir informação e unir esforços com o grupo de pessoas com quem falava para lançar a petição.
É a primeira vez que avança com uma petição, mas já antes tinha assinado algumas e acredita numa cidadania ativa. “Não basta só reclamar e lamentar, há que agir em prol de todos e não apenas sobre as nossas próprias questões”, afirma, dizendo que “verdadeira cidadania ativa precisa-se, entre nós comuns cidadãos, munícipes, fregueses, pais, educadores” e acredita que podemos melhorar muito com um simples telefonema ou email. “Eu sinto-me feliz ao fazê-lo e por isso irei continuar”, adianta.
Mais de 11 mil assinaturas e um timing certo
Os resultados da petição geram entusiasmo. “Para nós e penso que para quem apoia a petição é sentir que as pessoas querem falar e debater sobre este assunto”, refere, admitindo que nunca tinha pensado num timing mas que de repente se gerou uma onda de notícias sobre novos estudos acerca do uso intensivo de telemóvel, sobre países que estão a adotar medidas, psicólogos a dar a sua opinião e as assinaturas a aumentar. “Faz-nos pensar que esta petição veio na altura certa”, sublinha.
Apesar de ainda não se ter debruçado sobre quais serão os próximos passos, Mónica Pereira diz que “creio que já estamos em condições, pelo número de assinaturas, de sermos ouvidos por uma comissão especializada em educação, e eventualmente que o tema seja debatido em sessão plenária na Assembleia da República”.
Por isso acredita que se pode pensar numa revisão do estatuto do aluno, quanto a regras de uso de smartphones, mas afirma que “o objetivo principal também está feito, pôr pais e comunidade escolar a pensar sobre o assunto, já que o que senti ao longo de todo o estudo que fiz é que a maioria sabe que existe o problema, mas não sabe como resolver”.
E realça que as escolas podem adotar medidas e regras próprias se assim entenderem, alinhando uma lista de escolas que já o fizeram em Portugal, entre instituições de ensino públicas e privadas, como a EB 2/3 António Alves Amorim, em Lourosa, Santa Maria da Feira, a IPSS: Voz do Operário, o Colégio Conciliar de Maria Imaculada, a Escola Alemã de Lisboa, o Colégio Moderno, o Colégio de Santa Doroteia e o Colégio Manuel Bernandes.
Questionada sobre a iniciativa de pais e escolas na Irlanda, que decidiram voluntariamente um acordo para as crianças não usarem telemóveis antes dos 13 anos, na escola e em casa, Mónica Pereira admite que achou interessante.
“É uma forma de união, pelo que entendi através das associações de pais agirem diretamente nas escolas”, refere, dizendo que “penso que tudo é possível, desde que os grupos sejam pró-ativos e trabalhem em equipa com as escolas e as direções sejam abertas a trabalhar este e outros temas”.
“No início da minha pesquisa pensei que as escolas tinham obrigatoriamente de se reger pelo estatuto do aluno, mas depois encontrei referências de escolas e colégios privados e a referência a uma escola pública, com regras de utilização de telemóvel que vão além do estatuto”, sublinha, afirmando que “se as escolas tiverem interesse na mudança, podem trabalhar nela, apresentar em conselho pedagógico e então aprovar e redigir regras específicas para cada escola”.
Na petição o grupo deixou um conjunto de questões dirigidas aos pais, aos governantes e às direções das escolas que podem gerar debate e ações futuras, mesmo para lá do alcance da petição.
Ainda pode assinar a petição Viver o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!” online.
Nota da Redação: Foi feita uma alteração no 5° parágrafo.
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