Chama-se PSR J1023+0038 - ou J1023, para abreviar -, é um tipo especial de pulsar que apresenta um comportamento estranho e foi por isso mesmo que acabou escolhido por uma equipa de astrónomos para um estudo aprofundado.

Um pulsar, ou estrela de neutrões, é uma estrela morta, magnética e de rotação rápida, que emite um feixe de radiação eletromagnética para o espaço. À medida que roda, este feixe varre o cosmos - tal como um farol que varre o seu espaço circundante - e é detetado pelos astrónomos quando intercepta a linha de visão da Terra, explica a Rede de Divulgação Científica do ESO em comunicado. O efeito faz com que a estrela pareça pulsar em brilho quando observada a partir da Terra.

Localizado a cerca de 4500 anos-luz de distância da Terra, na constelação do Sextante, o J1023 orbita próximo de outra estrela. Durante a última década, tem estado ativamente a retirar matéria dessa companheira, que se acumula num disco e vai caindo lentamente na sua direção.

Desde que este processo de acumulação de matéria começou, o feixe de varrimento praticamente desapareceu e o pulsar começou a alternar incessantemente entre dois modos. No modo "alto", o pulsar emite raios X brilhantes, ultravioleta e luz visível, enquanto no modo "baixo" torna-se mais fraco para estas frequências, mas emite mais nas ondas rádio.

O pulsar pode permanecer em cada modo durante vários segundos ou minutos, mudando depois para o outro modo em apenas alguns segundos. Até agora, esta mudança tem intrigado os astrónomos.

A campanha de observação montada para compreender o estranho comportamento do J1023 envolveu 12 telescópios no solo e no espaço, incluindo três infraestruturas do Observatório Europeu do Sul (ESO).

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Durante duas noites em junho de 2021, a equipa de astrónomos liderada por Maria Cristina Baglio observou o sistema a fazer mais de 280 mudanças entre os seus modos alto e baixo.

"Observámos eventos cósmicos extraordinários, onde enormes quantidades de matéria, semelhantes a balas de canhão cósmicas, são lançadas para o espaço num período de tempo muito curto (da ordem das dezenas de segundos), por um objeto celeste pequeno e denso que gira a velocidades extremamente elevadas", refere Maria Cristina Baglio.

O resultado da investigação, publicado agora na revista da especialidade Astrono my & Astrophysics, mostra que as peculiares mudanças são provocadas pelas súbitas ejeções de matéria, lançadas pelo pulsar em períodos muito curtos. Mais precisamente, a mudança de modo resulta de uma intrincada interação entre o vento do pulsar - um fluxo de partículas de alta energia que se afasta do pulsar - e a matéria que flui em direção ao pulsar.

No modo baixo, a matéria que flui em direção ao pulsar é expelida num jato estreito perpendicular ao disco. Gradualmente, esta matéria acumula-se cada vez mais perto do pulsar e começa a ser atingida pelo vento que sopra da estrela pulsante, o que dá origem ao aquecimento da matéria. O sistema fica então no modo alto, brilhando intensamente em raios-X, ultravioleta e luz visível.

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Eventualmente, bolhas desta matéria quente são removidas pelo pulsar através do jato. Com menos matéria quente no disco, o sistema brilha menos, mudando de novo para o modo baixo, detalha-se no comunicado.

Apesar desta descoberta ter desvendado o mistério do estranho comportamento de J1023, os astrónomos ainda têm muito a aprender com o estudo deste sistema único. Os telescópios do ESO continuarão a auxiliar os astrónomos na observação deste pulsar bastante peculiar. Em particular, o Extremely Large Telescope (ELT), atualmente em construção no Chile, “que oferecerá uma visão sem precedentes dos mecanismos de comutação do J1023”, sublinha-se.