A missão Ariel, da Agência Espacial Europeia (ESA), promete abrir novas janelas para a compreensão do cosmos, com o ambicioso objetivo de estudar, em detalhe, as atmosferas de mais de 1.000 exoplanetas. Agendada para descolar rumo ao espaço em 2029, vai tentar decifrar como se formam e evoluem estes planetas distantes, e até que ponto são diferentes ou semelhantes aos nossos vizinhos cósmicos mais próximos.
Paul Eccleston, o responsável pelo consórcio internacional que desenvolve a missão Ariel, em que Portugal participa, explica que este projeto é uma empreitada única na ciência espacial. Antes da sua intervenção na parte do encontro dedicada à Engenharia e Instrumentação, que decorreu na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em paralelo ao evento de Ciência realizado no Pavilhão do Conhecimento, falou com o SAPO TEK sobre os principais desafios e as maiores expectativas que acompanham este sonho científico.
Ariel (Atmospheric Remote-sensing Infrared Exoplanet Large-survey) não vai apenas observar exoplanetas ao acaso. Pelo contrário, a missão foi desenhada para uma análise sistemática, “um estudo estatístico”, sublinha Paul. Isso distingue-a das missões atuais como o Telescópio Espacial James Webb e o Hubble, que também investigam exoplanetas, mas de uma forma mais limitada e esporádica.
A grande diferença é que a Ariel vai focar-se exclusivamente na caracterização de atmosferas, dando uma perspetiva muito mais abrangente: “Ao longo da sua vida útil, o James Webb vai conseguir estudar algumas dezenas de planetas, enquanto a Ariel, em comparação, vai investigar 1.000”, destacou Paul.
Veja o vídeo de simulação da missão Ariel
Para o responsável, que já colaborou noutras grandes missões como o James Webb e o Solar Orbiter, a Ariel representa um grande salto na forma como exploramos mundos fora do nosso Sistema Solar. O telescópio no centro do projeto vai estudar a diversidade de atmosferas, desde exoplanetas gigantes gasosos maiores que Júpiter até superterras rochosas, tentando compreender como estas atmosferas diferem em função da sua proximidade com a estrela-mãe e da forma como esses planetas se formaram.
“Queremos perceber se os sistemas exoplanetários são tão variados como os observados no nosso Sistema Solar, ou se existem padrões que ainda não descobrimos”, afirmou Paul.
A missão enfrenta um conjunto de desafios de engenharia. O desenvolvimento do telescópio em alumínio de um metro de diâmetro, a operar a temperaturas gélidas de 50 Kelvin (menos 220 graus Celsius), nunca foi tentado antes.
“As temperaturas extremas exigem que todos os mecanismos, óticas e eletrónica sejam projetados para funcionar de forma estável e precisa”, explicou Paul. Cada variação de luz que o telescópio vai medir é incrivelmente subtil, exigindo uma precisão tecnológica que envolve sistemas de captação de dados altamente estáveis e repetíveis.
Um dos aspetos que mais entusiasma os cientistas é o método que a Ariel vai utilizar: a técnica de trânsito e eclipses. “Observamos a luz de uma estrela e, quando um planeta passa à sua frente, a luz diminui um pouco. A diferença revela a composição da atmosfera do planeta”. Este método, embora indireto, tem um potencial enorme.
Além disso, ao observar o desaparecimento de um planeta atrás da estrela (o eclipse), o telescópio consegue obter dados cruciais sobre a temperatura e a estrutura das camadas atmosféricas. “Estamos a falar de medir alterações de luz na ordem de partes por milhão, um feito extraordinário”, destaca.
Apesar de não ter como missão principal encontrar planetas habitáveis, as descobertas que a Ariel originar podem vir a representar um passo crucial para a busca de vida fora da Terra. Compreender como as atmosferas se formam e como são influenciadas pelas estrelas-mãe vai preparar o caminho para futuras missões que se concentrem diretamente na deteção de condições habitáveis. “O conhecimento que Ariel vai fornecer será uma base de dados crucial para missões futuras que procurarão sinais de habitabilidade ou até de vida”, acrescenta Paul.
O entusiasmo também se notou ao contar uma curiosidade: as primeiras peças da Ariel já chegaram e são detetores de infravermelho originalmente destinados a outra missão, a Euclid. Os detetores não tinham sido usados e estavam guardados numa prateleira do Jet Propulsion Laboratory (JPL), da NASA.
“É engraçado pensar que a primeira peça de hardware de voo de Ariel já estava pronta antes mesmo de termos começado a construir”, comentou Paul Eccleston.
Também foi divertido "receber equipamento da NASA", e pensar “desta vez, somos nós os clientes e eles os fornecedores”, para variar.
Outra dificuldade é a gestão do consórcio internacional, composto por mais de 50 instituições de 16 países europeus, além de parcerias com a NASA, a JAXA (agência espacial japonesa) e a agência espacial canadiana. “Gerir este esforço conjunto requer muita estrutura e organização”, admite Paul, referindo que a experiência e as relações pessoais estabelecidas ao longo de décadas com os colegas são fundamentais. “Ter uma equipa que se conhece bem ajuda muito, especialmente nos momentos em que surgem problemas técnicos ou contratempos. Podemos ser mais honestos uns com os outros e encontrar soluções rapidamente”, afirma, destacando também a importância dos encontros regulares, como o realizado em Lisboa.
Portugal é um dos países participantes, nomeadamente com responsabilidades numa área do projeto relativa à parte ótica. Manuel Abreu, investigador no Instituto de Astrofísica e professor no Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que coordena as atividades do Instituto de Astrofísica no desenvolvimento de hardware para a missão Ariel, explicou ao SAPO TEK que o grupo português trabalha sobretudo com a parte da instrumentação, “que precisa de ser extremamente sensível para detetar pequenas variações de luz, pois as alterações que esperamos são ínfimas,” detalha.
Veja na galeria imagens do encontro Engenharia e Instrumentação da missão Ariel
Mais especificamente, a equipa portuguesa está a desenvolver o sistema de suporte ótico terrestre - Optical Ground Support System. “Aquilo que o Paul estava a dizer sobre o instrumento ter de ser tão sensível a pequenas variações de luz, é algo que estamos a tentar assegurar. O nosso trabalho é criar um calibrador ou verificador para os testes funcionais na Terra, antes do aparelho voar para o espaço”, explicou Manuel Abreu.
O sistema tem como função simular condições reais. “A nave, com umas centenas de quilos, é colocada numa câmara de vácuo onde cabe um carro, e nós ficamos do lado de fora com um sistema de iluminação muito cuidadoso que simula estrelas com diferentes cores e intensidades”, acrescenta. Este processo é vital para garantir que o Ariel está calibrado corretamente e pronto para captar as variações de luz minúsculas que irá medir no espaço.
O desafio é enorme, já que os testes devem ser feitos em condições de vácuo e a temperaturas extremamente baixas, próximas de 50 Kelvin. “Precisamos de produzir um feixe de luz que não tenha ruído térmico por detrás, o que exige uma precisão extrema”, contou.
A equipa portuguesa, em colaboração com a Universidade de Oxford, foca-se na fonte de luz visível, onde possuem mais expertise. “Eles tratam do infravermelho, e nós da luz visível”, explica. Além disso, o grupo português contribui para o desenvolvimento do equipamento elétrico e eletrónico que suporta estes instrumentos.
O papel da equipa portuguesa pode ser pequeno comparado com a complexidade do projeto, mas acaba por ser grande, porque “é o que conseguimos fazer com o conhecimento e os recursos disponíveis em Portugal”, sublinhou Manuel Abreu.
A experiência de participar num projeto tão ambicioso pode ser inspiradora, especialmente para os mais jovens. “Trabalhar com tecnologia de ponta é um grande chamariz. O instituto está envolvido em toda a cadeia de valor, desde a teoria até ao fabrico do instrumento”, afirmou o professor. No entanto, o custo da tecnologia espacial é um grande obstáculo: “Um chip que usamos com os alunos em laboratório custa um ou dois euros, um equivalente para o espaço custa 10 mil euros. E não basta comprar um, é preciso adquirir um lote inteiro de cerca de 100.”
Apesar do interesse dos jovens pela área estar a aumentar, o ritmo de desenvolvimento pode ser desanimador. “Desde a conceção até ao lançamento, podem passar dez anos ou mais. Quem começa a trabalhar num projeto agora pode ter que esperar até os 30 anos para vê-lo no espaço,” notou. Embora seja um investimento a longo prazo, vale a pena: “É apaixonante e vale o esforço, mesmo por cima das aulas e de tudo o resto”.
Outro aspeto salientado é o crescimento das colaborações internacionais. “Saímos das limitações da comunidade portuguesa, que era muito fechada. Agora temos colaborações com instituições e empresas estrangeiras, e aprendemos muito. Já não somos um Portugal fechado”, refletiu Manuel Abreu, embora reconheça que as limitações financeiras continuam a ser um obstáculo.
O encontro em Lisboa foi também uma oportunidade para aproximar os estudantes de física da realidade prática da missão Ariel. “Queríamos mostrar algo concreto, algo que está a ser construído e como a Faculdade de Ciências está envolvida”, explicou.
Tal como Paul Eccleston, reforçou a importância dos eventos presenciais para reforçar o espírito de equipa. “Estes encontros semestrais juntam pessoas que mal se veem ou que só se conhecem através de videoconferência. Conversar, defendeu Manuel Abreu, é muito mais eficaz, “os debates são mais intensos e ainda há espaço para descontrair e beber uma cerveja. Isso aproxima as pessoas”.
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