Nos céus carregados de Vénus, constituídos sobretudo por dióxido de carbono e nuvens de ácido sulfúrico, desloca-se veloz , a 50 quilómetros de altitude, uma disrupção atmosférica gigante ainda desconhecida em qualquer outra parte do Sistema Solar, que passou despercebida durante pelo menos 35 anos.
A descoberta é relatada num estudo liderado pela agência espacial japonesa JAXA, em coordenação com a NASA, agora publicado na revista científica Geophysical Research Letters e que teve a contribuição de Pedro Machado, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa).
Esta descontinuidade nas nuvens, de proporções planetárias, pode estender-se por 7.500 quilómetros, cruzando o equador, de 30º de latitude norte a 40º sul. Ocorre ao nível baixo das nuvens, como uma parede entre 47,5 e 56,5 quilómetros de altitude, e desliza periodicamente em torno do globo sólido em cinco dias, a cerca de 328 quilómetros por hora.
Se isto acontecesse na Terra, seria como uma superfície frontal, mas à escala planetária, o que é algo inacreditável”, diz Pedro Machado
A JAXA primeiro identificou o que parecia uma onda atmosférica, mas de proporções planetárias. Os indícios encontravam-se em imagens de grande detalhe do lado noturno do planeta obtidas no infravermelho pela sonda Akatsuki, em órbita de Vénus, e que sondou as camadas intermédias e baixas da atmosfera.
“Como parte da campanha de validação, estivemos a rever as imagens das minhas observações no infravermelho em 2012 com o Telescópio Nacional Galileo (TNG), nas Ilhas Canárias, e estava lá a descontinuidade tal e qual”, indica Pedro Machado, citado numa nota de imprensa do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
Outros padrões gigantes têm sido observados nas nuvens da atmosfera de Vénus, como a onda Y ou a onda estacionária em forma de arco com uma extensão de 10.000 quilómetros, ambas nas nuvens altas. Esta é, contudo, a primeira candidata a onda planetária descoberta a baixas altitudes.
Esta região profunda da atmosfera é responsável pelo efeito de estufa descontrolado que retêm o calor e mantém a superfície a 465 graus Celsius - o suficiente para derreter chumbo. Ondas de escala planetária como esta poderão ajudar a estabelecer uma ligação entre a superfície e a dinâmica da atmosfera de Vénus como um todo, a qual, em certa medida, é ainda um mistério.
“Uma vez que esta disrupção não é observada em imagens no ultravioleta que sondam o topo das nuvens, a 70 quilómetros de altitude, torna-se de importância crítica confirmar a sua natureza ondulatória”, diz Javier Peralta, que liderou este estudo. “Assim teríamos finalmente encontrado uma onda a transportar momento e energia da atmosfera profunda e a dissipar-se antes de chegar ao topo das nuvens. Estaria assim a depositar no momento precisamente ao nível onde observamos os ventos mais rápidos da designada super-rotação atmosférica de Vénus, cujos mecanismos são um mistério de longa data”.
No entanto, o mecanismo que terá iniciado esta disrupção e a mantém, com ciclos de intensidade variável, é ainda desconhecido, apesar de simulações por computador a tentarem mimetizar.
Segundo os investigadores, este é um fenómeno meteorológico novo, ainda não visto noutros planetas, e por isso é para já difícil fornecer uma interpretação física convincente
Será alvo de futura investigação, mas os autores sugerem que esta disrupção seja a manifestação física de uma onda atmosférica de tipo Kelvin, a propagar-se retida ao nível do equador.
Ondas Kelvin são uma classe de ondas de gravidade atmosféricas que partilham com esta disrupção características importantes. Por exemplo, propagam-se na mesma direção que os ventos em super rotação e sem nenhum efeito aparente sobre os ventos que sopram do equador na direção dos polos, os ventos meridionais. Podem interagir com outro tipo de ondas atmosféricas, como as que naturalmente ocorrem como resultado da rotação do planeta, as ondas Rossby. Estas podem provocar o transporte de energia da super rotação para o equador.
Revisitando imagens tão antigas como de 1983, os investigadores puderam confirmar a continuidade destas características. Para Pedro Machado, isto passou despercebido durante tanto tempo porque “precisávamos de ter acesso a uma grande coleção de imagens, espalhadas por diferentes telescópios e obtidas ao longo das últimas décadas”.
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