A Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) revelou uma investigação que correlaciona o recuo do gelo no Ártico com as alterações do ciclo de florescimento das algas na região. O modelo científico agora desenvolvido revela que, desde a década de 80 de século passado, o florescimento das algas no Ártico tem-se antecipado cerca de 15 dias a cada dez anos. Nalguns anos chegaram a florescer um mês mais cedo devido à diminuição do gelo e da neve provocada pelas alterações climáticas.

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Os cientistas analisaram imagens captadas nos últimos 14 anos pelo satélite CryoSat que registam a espessura do gelo marítimo o que lhes permitiu mapear a luz que chega às algas, explica a Agência Espacial Europeia num artigo. Às imagens foi acrescentada uma camada de dados que permitiram medir a penetração da luz através do gelo do mar do Ártico. Os cientistas concluíram que a diminuição de gelo e neve está relacionada com o aumento da quantidade de luz do Sol que chega às algas que vivem no fundo do mar.

Num artigo publicado na Geophysical Research Letters, explicam que, quando há luz suficiente, no verão, esta causa florescimento das algas. Neste caso a ESA coloca a hipótes de, se estas tendências se mantiverem, um dia poderemos ter um Ártico “verde”.

Veja na Galeria imagens relacionadas com as algas no Ártico:

O Ártico aquece a um ritmo quatro vezes mais acelerado do que qualquer outra região do globo. As diferenças na região já são visíveis. Devido ao degelo, grandes áreas que anteriormente estavam cobertas de gelo e neve todo o ano, passaram a estar descobertas durante os meses de verão.

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Do gelo que se mantém, uma grande parte torna-se mais fina, observando-se também a redução da profundidade da neve e consequente aumento da iluminação do Oceano.

O aquecimento acelerado do Ártico afeta o ecossistema. “À medida que o gelo e a neve se tornam mais finos, mais luz penetra no fundo do gelo marinho”, disse Julienne Stroeve, da Universidade de Manitoba e da Universidade do Colorado. “Esta alteração do regime de luz tem o potencial de afetar todo o ecossistema marinho, que começa com as algas”.

A ESA explica que, na superfície inferior do gelo, expande-se um relvado de algas todos os anos. Tal como o fitoplâncton em águas abertas, que cresce para cobrir grandes extensões de oceano, mas que pode ser avistado do espaço.

As algas serão o ponto de partida para investigar como este ecossistema será afetado pelas alterações climáticas. As algas, ligadas ao gelo, florescem em vastas áreas e suportam uma intrincada teia alimentar: as algas são o alimento do zooplâncton, comido por peixes, os quais são a refeição das focas, que finalmente são devoradas por ursos polares.

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No entanto, mapear algas no Ártico é um desafio. “Ao contrário do que acontece no oceano aberto, não podemos ver as algas no gelo marinho a partir do espaço”, disse Karley Campbell da Universidade de Tromsø. “O que podemos fazer é começar por estimar a disponibilidade de luz. A luz, recolhida pelas algas do gelo para produzir compostos orgânicos na fotossíntese, é um importante na produção marinha”. E conclui: “se conseguirmos mapear a luz que chega às algas, podemos ter uma ideia de quando e quanto poderão florescer”.

Para calcular a espessura do gelo e a quantidade de neve que se encontra no topo, os cientistas estão a analisar as imagens espaciais do CryoSat, bem como dados do satélite Copernicus Sentinel-3 e do ICESat-2 da NASA. Em seguida, calculam a luz solar que chega às algas sob o gelo: gelo e neve mais espessos significam que menos luz os atravessam.

Veja na galeria imagens do satélite CryoSat que captou as imagens agora analisadas:

As variáveis não são só a espessura do gelo. Por exemplo, os sedimentos ou a estrutura do gelo alteram a quantidade de luz que atravessa a neve e o gelo. No entanto, a capacidade de utilizar medições por satélite para traçar um quadro geral da radiação fotossinteticamente ativa sob o gelo “é uma ferramenta extremamente útil para apoiar outros métodos de monitorização do ecossistema do Ártico”, diz a ESA.

Em breve, no inverno, os satélites CryoSat e ICESat-2 vão alinhar-se-ão quase em simultâneo sobre o Ártico e as medições combinadas “dar-nos-ão a nossa melhor estimativa da cobertura de neve sobre o gelo”, antecipa a ESA.

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Com o radar do CryoSat e os instrumentos lidar do ICESat-2 a trabalhar em conjunto, será possível ter uma visão do futuro da altimetria do gelo. A missão Copernicus Polar Ice and Snow Topography Altimeter (Cristal) utilizará um radar de dupla frequência para mapear com precisão a profundidade da neve no gelo marinho, continuando o registo por satélite do gelo polar até à década de 2030.

As alterações climáticas são uma preocupação cada vez mais real. Recentemente, foi revelado que o aquecimento causado pelo homem está ao nível mais elevado de sempre, tendo subido, em média, 1,19 °C no último decénio (2014-2023).

As temperaturas médias globais têm atingido máximos históricos em cada mês, numa sequência sem precedentes, segundo dados da NASA. Maio de 2024 foi o maio mais quente de sempre, tal como já haviam sido meses anteriores.