“Tento manter o mais possível as ligações a Portugal, quando me convidam para projetos aceito logo”, conta entusiasmado o engenheiro que saiu do país há 22 anos e está no CERN há 15. João Fernandes é o único emigrante da família. Sem planos para regressar porque a vida está na Suíça, na prática mantém-se mais perto do Porto do que muitos portugueses em Lisboa, ou noutra cidade à mesma distância de carro da capital do Norte, que Genebra está de avião. Em Portugal talvez não tivesse tido oportunidade de desenvolver a carreira como pôde fazer em Genebra e também por isso foi ficando.
João Fernandes é membro sénior do staff do laboratório europeu de pesquisa nuclear. Trabalha no departamento de tecnologias de informação e neste momento lidera um projeto que vai transformar a infraestrutura tecnológica de suporte à investigação que se faz na instituição. “Estamos a mudar o modelo de análise de dados para um modelo que incorpore diferentes tipos de infraestruturas”.
Até agora toda a infraestrutura de dados do laboratório estava on premise. Era comprada, instalada e configurada na organização ou em parceiros. “Neste momento isso já não chega, porque o modelo não é escalável na medida das necessidades que se antecipam”. A integração com ambientes cloud, de empresas ou dos centros de alto desempenho (HPC) espalhados pela Europa, a explosão da inteligência artificial e o desenvolvimento em aceleração da computação quântica, tornaram claro que “precisamos de um modelo que seja eficiente em termos de custo, mas também de proveito científico de forma holística e heterogénea”, explica.
Eeste é um projeto a vários anos, que envolve questões técnicas, de privacidade, soberania de dados, mas também geopolíticas, dada a natureza do laboratório financiado e apoiado por dezenas de países. É um projeto desafiante, dissemos nós. “Desafiante no CERN é quase tudo”, respondeu JoãoFernandes com um sorriso:
“No CERN todos os projetos são grandes e vão para além daquilo que qualquer empresa ou país sozinho poderia fazer naquela área”.
Este, por exemplo, prepara o futuro do laboratório, para se de facto esse futuro vier a passar pela construção de um novo acelerador, que será três vezes maior e trinta vezes mais potente que o Large Hadron Collider.
Esta escala de tudo o que se faz é um dos aliciantes de trabalhar no CERN, confessa João Fernandes. O ambiente internacional e multicultural e a forma como isso se estende para além do ambiente de trabalho é outro. “Trabalhamos com tantas nacionalidades ao mesmo tempo que é enriquecedor para a vida do dia-a-dia, até no ambiente familiar. A minha filha só tem colegas de nacionalidades diferentes na escola. A questão das línguas nunca foi um problema”. A nível profissional, João também não tem dúvidas de que “a densidade de gente com um nível científico elevado, que há num local como o CERN, moldaram aquilo que sou hoje”.
João Fernandes é do Porto e formou-se na Faculdade de Engenharia da cidade. Quando terminou o curso continuou a fazer I&D na FEUP durante algum tempo. Teve ofertas para trabalhar em empresas em Portugal, mas preferiu tentar uma experiência internacional. Conseguiu uma bolsa para o CERN, onde passou dois anos. Nos seis seguintes, dividiu-se entre Genebra e Pasadena, nos Estados Unidos, a trabalhar para o Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Em 2011 assentou arraiais no CERN e na Suíça. Hoje não tem planos para regressar a Portugal. Casado com uma física italiana, que também trabalha no CERN, a vida está na Suíça mas a ligação a Portugal mantém-se o mais possível.
“Saio muitas vezes daqui à sexta-feira ao final do dia para ir passar o fim-de-semana ao Porto e regresso à segunda-feira cedo, ainda a tempo de trabalhar durante a manhã”.
No início as ligações entre as duas cidades limitavam-se a um voo diário, que era caro e incompatível com escapadinhas rápidas. Hoje há quatro, é mais fácil.
A partir da Suíça vai colaborando com projetos em Portugal, ou para benefício de Portugal, normalmente pro bono. Neste momento é membro do Conselho Consultivo do Programa Nacional de Ciência Aberta e Dados Abertos ( PNCADAI ) coordenado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, para a criação de centros de competência em gestão de dados de investigação em todo o país. É um dos oito avaliadores internacionais da iniciativa financiada pelo PRR. Está também envolvido na criação de um conselho científico na Suíça, que possa trabalhar com a FCT em Portugal e fomentar o intercâmbio de investigadores com o CERN. O projeto inspira-se num modelo de sucesso que já existe nos países nórdicos, conta.
No CERN trabalham hoje cerca de 260 portugueses. Na equipa de João Fernandes também já houve alguns. Neste momento não há. Há gente de várias nacionalidades e só dois repetem a mesma. Ainda assim, o portuense concorda com aquela velha ideia: os portugueses a trabalhar fora facilmente dão nas vistas pela positiva.
“Quando há estruturas mais organizadas, em termos de aplicação de regras, parece-me que os portugueses são realmente mais esforçados e obtêm sucesso com relativa facilidade”. João tem conhecido vários na sua área profissional e noutras, num país onde não faltam compatriotas e onde, quando chegou, ainda havia o estigma de falar português. Era língua de quem trabalhava nas obras ou nas limpezas. O preconceito mudou e a realidade também.
Este artigo integra o Especial "À procura de uma vida "melhor"… porque sai cada vez mais talento qualificado de Portugal e o que encontra no destino?" com vários textos que pode ler no SAPOTEK ao longo dos próximos dias.
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