Um estudo divulgado no ano passado (da OutSystems) mostrava que as empresas gastam, em média, um terço do seu orçamento de TI a responder a dívida técnica, uma percentagem que facilmente ultrapassa os 40% nas grandes empresas. Nas PME este impacto é menor, mas ainda assim, absorve mais de um quarto do orçamento.
A mesma pesquisa mostrava que 69% dos líderes tecnológicos olham para o tema como a principal ameaça à capacidade de inovação das empresas. Em questão está o impacto no tempo e custos de desenvolvimento de software, dos “atalhos” que permitem acelerar esse desenvolvimento. Ou fazê-lo com menos recursos que os desejáveis para alcançar o melhor resultado, acabando por obrigar, mais à frente, a refazer o código que está na sua base.
Face às conclusões ficam algumas questões. As empresas devem evitar a dívida técnica, será possível fazê-lo sem perder agilidade? Femke Buijs, engenheira de software da Mollie defende que não. “A dívida técnica é uma realidade que as empresas devem aceitar como sendo algo que vão ter de lidar. Não considero que devam proativamente evitar a dívida técnica porque é normal refazer código”.
Como acrescenta a responsável do unicórnio holandês, que tem um centro de desenvolvimento de software em Portugal, “desde sempre, que as empresas quiseram crescer rapidamente, por isso é normal que uma empresa que tenha um novo produto ou um produto diferenciador queira acelerar este crescimento”. Isso aplica-se ainda mais na área tecnológica, onde a criação de novas funcionalidades, que podem mudar a maneira como usamos um determinado produto ou serviço, são as prioridades e onde a necessidade de ser rápido e eficaz se destacam. “O problema surge quando as empresas não têm em conta os compromissos feitos no processo de desenvolvimento e optam por arranjos e soluções rápidas, sem contar com o tempo que vão gastar depois, na resolução do código”, alerta Femke Buijs.
A Mollie desenvolve soluções de processamento de pagamentos eletrónicos e serviços financeiros para apoiar pequenas e médias empresas no comércio eletrónico. Garantiu no ano passado 665 milhões de euros numa ronda de financiamento precisamente para expandir o negócio e acelerar o desenvolvimento de novos produtos de software.
A empresa conta que avança para cada projeto considerando que, em média, 30% do tempo vai ser aplicado à dívida técnica. Nos projetos mais antigos, com várias camadas de código, os engenheiros podem passar metade do tempo a melhorar o serviço e a solidificar a estabilidade dos sistemas de software.
A dívida técnica e a necessidade de a trabalhar em contínuo passou a ser assumida como parte da estratégia. Na prática, isso passa por uma colaboração aprofundada entre engenharia, produto e design, de forma a garantir que todos os aspetos são cobertos no ciclo de desenvolvimento do produto. “É um processo que não acaba e, por isso, é necessário equilibrar a balança entre a dívida boa e a má”, admite Femke Buijs. Para trabalhar esse equilíbrio, a Mollie optou por criar uma equipa multidisciplinar e formar todos os colaboradores da área, para estarem cientes das questões que daqui resultam e como devem ser geridas.
A máxima é encarar a dívida técnica como uma espécie de mal necessário e o importante é garantir que não ultrapassa limites geríveis, algo que pode acontecer por diferentes razões. A falta de colaboração dentro das empresas e entre equipas é uma delas, alerta Femke Buijs: “em algumas organizações, apenas os engenheiros têm noção do que está a acontecer” e não há uma noção generalizada do valor acrescentado de uma abordagem eficaz ao tema.
Evitar estes limites passará por encontrar um equilíbrio entre correções rápidas e objetivos a longo prazo como a estabilidade, adaptabilidade e a utilidade do produto e “integrá-la na política da empresa, para haver uma consciência a todos os níveis da organização”. Nesta linha, planear o tempo necessário para refazer o código é essencial, aconselha-se.
O centro da Mollie em Lisboa está a desenvolver a aplicação móvel da empresa e o dashboard da Mollie, que direciona a atividade para soluções integradas de pagamento eletrónico. A equipa de Lisboa trabalha em parceria com a equipa da casa-mãe, na Holanda. Conta com 16 colaboradores, entre engenheiros, designers, gestores de produto e colaboradores de recursos humanos e nos próximos meses o plano é crescer.
Recorde-se que a Mollie anunciou no ano passado quando chegou a Portugal que até 2023 quer ter 100 pessoas no seu centro de desenvolvimento. A empresa soma mais de 130 mil clientes e vale mais de 5 mil milhões de euros.
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