No dia 19 de setembro foi assinalado o Software Freedom Day, que celebra a nível mundial o Open Source e pretende promover e assinalar todos os avanços que a sociedade conheceu devido aos sistemas de código aberto, servindo ainda de reflexão para os desafios que se avizinham. O SAPO TEK aproveitou a data para uma entrevista a Jan Wildeboer, o evangelista máximo da Red Hat, a propósito da evolução do conceito e da sua aplicação, mas também da visão do futuro.
A história do open source não está apenas ligada ao software mas também à partilha de conhecimento, e estende-se a várias áreas da economia. Existem diversas iniciativas ligadas à promoção do código aberto, e depois de vários anos de "guerra" com o software proprietário, hoje a visão é mais de coexistência, com muitas das grande tecnológicas a desenvolverem projetos nesta área. E nas últimas somam-se muitas invenções sob o chapéu do Open Source, desde o Apache Web Server, Linux, o sistema operativo Android, PHP ou MySQL. A comunidade contribuiu também para a adoção desta lógica nas áreas da Inteligência Artificial, Machine Learning, containers e Kubernetes, influenciando também a gestão de direitos de autor com a criação das licenças Creative Commons.
A Red Hat tem sido uma das empresas que se destaca na defesa do Open Source e da sua filosofia. Jan Wildeboer refere estas e outras inovações, assim como projetos relevantes em várias áreas, mas também o crescimento da utilização do open source nas empresas. Para o evangelista, o código aberto já é o padrão no desenvolvimento de software mas há mais a ganhar em abordar outras áreas, como a ciência ou a política, "onde o código aberto está a mostrar-nos as vantagens de nos aproximarmos em vez de nos dividirmos".
SAPO TEK: A Red Hat é uma das empresas que tem vindo a defender a lógica de Open Source como promotora da inovação. Quer explicar porquê e como manter um modelo de negócio sustentado neste conceito?
Jan Wildeboer: Sendo a maior empresa de open source no mundo, acreditamos que usar um modelo de desenvolvimento aberto cria tecnologias mais estáveis, seguras e inovadoras. Na Red Hat, dispendemos mais de duas décadas a colaborar em projetos comunitários e a proteger as licenças de código aberto, para que possamos continuar a desenvolver software que alargue as fronteiras da capacidade tecnológica.
Criamos software usando os métodos open source, um conjunto de princípios assente num fórum aberto a ideias, no qual as comunidades se podem formar em torno da resolução de um problema ou do desenvolvimento de uma nova tecnologia. Esta filosofia afeta tudo o que fazemos na Red Hat. E não estamos sozinhos. A maioria dos líderes TI concorda que o open source empresarial é importante.
O modelo de desenvolvimento open source é, atualmente, o modelo de desenvolvimento de software padrão. Hoje, a utilização de software de código aberto nas empresas continua a crescer, retirando quota de mercado ao software proprietário. Num relatório recente da Red Hat, 95% dos líderes TI afirma que o open source é importante para a estratégia de software da infraestrutura empresarial e, além disso, 77% planeiam a utilização de software de código aberto.
A par disto, o uso de software proprietário está a descer a pique, pois as licenças caras e inflexíveis do software proprietário resultam em despesas de capital (CapEx) elevadas e aprisionamento tecnológico.
SAPO TEK: A lógica que está por trás do Open Source não se limita de todo ao software e o conceito de partilha de tecnologia de forma aberta está noutras áreas da economia e da cultura. À medida que a sociedade amadurece tem tendência a disseminar-se e deixar de ser uma ideia para “os pobrezinhos”?
Jan Wildeboer: Não concordo que o open source seja para “os pobrezinhos”, bem pelo contrário. O modelo open source completo - software de código aberto, dados abertos, hardware aberto - alicerçou-se sempre na partilha de conhecimento de forma clássica e tradicional, e muitas das maiores empresas do mundo acolhem e consomem software open source.
Lentamente, começa-se a desenvolver a visão de que ter um feudo de conhecimento e criar software proprietário não é um modelo de negócio viável.
Quando se olha para pequenos projectos de código aberto como o projecto de dados abertos no Chile, que está a ajudar académicos, criativos, artesãos e funcionários públicos a utilizar dados abertos para criar mudanças no ambiente, ou para a comunidade global de voluntários que desenha, produz e distribui próteses impressas em 3-D open source gratuitamente, vemos que o código aberto está a criar um ambiente mais inclusivo em que qualquer um pode participar.
O open source não tem grandes obstáculos à entrada.
SAPO TEK: Hoje a larga maioria das empresas usam software open source nos seus projetos, Quais são as vantagens?
Jan Wildeboer: O open source fornece um acesso rápido às mais modernas abordagens ao desenvolvimento de software e de TI. Ele está na crista da onda de inovação tecnológica e a adoção de open source encoraja as empresas a tornarem-se mais inovadoras, em vez de focadas em produtos legados.
Isto ajuda a atrair jovens talentos. Houve mudanças enormes no equilíbrio de forças em anos recentes, graças ao código aberto. Agora, os programadores decidem que pilhas tecnológicas pretendem usar e têm muito mais voto na matéria quando se trata de escolher as ferramentas e tecnologias a usar.
O mercado das soluções de software é muitíssimo maior, graças ao código aberto. E as organizações podem escolher o seu próprio modelo de consumo, usando os projetos comunitários a montante e aprendendo à medida que avançam, ou fazendo parcerias com uma empresa como a Red Hat, que fornece produtos de nível empresarial desses projetos.
SAPO TEK: Este é um conceito que devia ser ensinado nas escolas de uma forma mais aprofundada?
Jan Wildeboer: Sim, os conceitos do código aberto deviam ser ensinados nas escolas. Faz todo o sentido. O desafio é encontrar professores qualificados para o fazer. Para que tal aconteça, a decisão de ensinar os princípios do código aberto ou aprender mais sobre software open source torna-se uma decisão de política.
Há exemplos fantásticos de utilização do poder do open source na educação, como a série Like Rockets, o Food Computer Programme ou o Co.Lab, que fazem com que alunas do secundário tomem contacto com os princípios do open source... e com um mundo de tecnologia e de colaboração que, de outro modo, talvez nem estivessem nos seus planos. Os estudantes aprendem a trabalhar em conjunto para resolver problemas, desenvolver novas ideias e procurar experiências partilhadas para criar algo único.
SAPO TEK: O Open Source tem vindo a crescer sobretudo na área de servidores e Web mas ainda não conseguiu conquistar o “reduto” do utilizador final e também a área das soluções móveis. Qual é que lhe parece ser a razão?
Jan Wildeboer: Na verdade, poderá haver uma perceção errada acerca da presença do open source junto dos utilizadores finais. Basta lembrarmo-nos de que o mercado global de sistemas operativos mobile se divide em 75% para o Android e 25% para o iOS. Muitos utilizadores finais não estão cientes dos sistemas que estão na base dos dispositivos, mas a verdade é que somos muito fortes na área das soluções mobile.
SAPO TEK: Algum dia todo o software será open source ou vai existir sempre uma coexistência com o software proprietário?
Jan Wildeboer: Nem tudo será de código aberto. Haverá sempre um espaço para o software proprietário. Estamos a avançar rumo a um mundo definido pelo software, pelo que acredito que muitas empresas vão poupar tempo e dinheiro se implementarem soluções de código aberto. Recordo que cerca de 80% da funcionalidade das soluções empresariais não são relevantes a nível de competitividade. Apenas 20% trazem algum valor às empresas (normalmente, é aqui que as soluções proprietárias são implementadas).
SAPO TEK: Será uma coexistência pacífica depois de algumas “guerras” a que assistimos no passado?
Jan Wildeboer: Acredito que essas "guerras" terminaram. A mensagem do open source nos últimos 10 anos tem sido diferente e os utilizadores e as empresas já compreendem a nossa mensagem e as nossas vantagens.
SAPO TEK: Nos últimos anos quais foram os principais projetos de open source que mais o estimularam ou surpreenderam?
Jan Wildeboer: O que mais me surpreendeu foi a velocidade de adoção dos containers / kubernetes, porque se tornou o padrão do mercado em menos de dois anos.
No que toca a projetos específicos, há muitos, como o e-NABLE, uma comunidade online global de voluntários humanitários digitais de todo o mundo que utilizam as suas impressoras 3D para criar próteses de membros superiores gratuitas e de baixo custo para crianças e adultos que delas precisam. Os designs de código aberto criados pelos voluntários do e-NABLE ajudam aqueles que nasceram sem dedos ou mãos, ou que os perderam devido a guerras, catástrofes naturais, doenças ou acidentes. Há aproximadamente 20.000 voluntários e-NABLE em mais de 100 países que entregaram braços e mãos grátis a cerca de 8.000 recetores através da colaboração e do design open source, só para ajudar quem está em comunidades necessitadas que têm pouco ou nenhum acesso a cuidados médicos.
Outro projeto fascinante é o "Starting Small", um projecto de dados abertos desenvolvido no Chile, desde a aldeia de Pomaire até aos picos da Patagónia, onde pessoas de diferentes origens e gerações estão a usar dados para efetuarem mudanças reais. Criativos, artesãos, académicos e conservacionistas estão a abrir caminho, usando dados abertos para criar mudanças no ambiente.
SAPO TEK: Onde é que gostava que o open source estivesse, em termos de utilização e evolução, daqui a 10 anos?
Jan Wildeboer: A minha resposta emocional seria "o trabalho está feito". Duas gerações de programadores de software estão agora a utilizar o código aberto como padrão, mas acredito que haverá mais a ganhar em abordar outras áreas como a ciência ou a política, onde o código aberto está a mostrar-nos as vantagens de nos aproximarmos em vez de nos dividirmos.
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