Existem muitos portugueses talentosos ligados à indústria dos videojogos espalhados pelo mundo, em alguns dos estúdios mais conceituados. Mas o percurso de Luís António coloca-o entre os mais experientes. Depois de terminar o seu curso na Faculdade de Belas Artes não encontrou em Portugal oportunidades para entrar na indústria dos videojogos e partiu para o estrangeiro à procura do seu sonho. Passaram-se quase 20 anos desde então, e no seu currículo consta a passagem por editoras como a Rockstar Games e a Ubisoft (de artista principal a diretor de arte), estando envolvido em jogos como capítulos de Grand Theft Auto, Manhunt 2 e outros.
Depois de construir um currículo ligado a jogos AAA, Luís António abraçou a indústria indie e foi trabalhar com Jonathan Blow na produção de The Witness. Mas o sonho do designer português era lançar o seu próprio jogo, e desde há muitos anos que vem trabalhando num projeto pessoal, em forma de hobby, até chamar a atenção da imprensa internacional e um contrato com a Annapurna Interactive. Twelve Minutes está na cabeça de Luís António há mais de 10 anos e prepara-se para ser lançado no PC e Xbox no próximo dia 19 de agosto.
O produtor português contou ao SAPO TEK como foi a sua jornada no desenvolvimento do seu primeiro jogo, as ideias e inspirações, e as dificuldades encontradas no seu percurso e a contratação de nomes sonantes de Hollywood para dar vida às suas personagens. Mas deixa uma certeza: se Twelve Minutes tiver sucesso, ao ponto de poder financiar o seu próximo jogo, o designer pretende regressar a Portugal para criar o seu próprio estúdio e dar o seu contributo à indústria de videojogos nacional.
Veja na galeria imagens e fotos dos bastidores de Twelve Minutes:
De uma ideia, a hobby a projeto independente financiado
Relembrando as origens de Twelve Minutes, Luís António refere que “já tenho a ideia há algum tempo para fazer um jogo baseado em “time loops”, a experiência de acumulação de conhecimento e fazer um jogo sobre o assunto. Quando trabalhei em outros estúdios tentei arranjar pessoas para trabalhar comigo, sobretudo no tempo livre, mas ninguém estava interessado”.
O projeto foi sendo cozinhado na sua cabeça durante anos, mas depois que se mudou para a Califórnia e começou a trabalhar no The Witness com o Jonathan Blow, abriram-se os horizontes da sua produção. “Conheci uma comunidade de developers que aprendem a programar e fazem os seus próprios jogos. E comecei a programar e a fazer um protótipo no tempo livre, que foi crescendo”. A partir daí foi um processo muito gradual, sem grandes saltos diretos, começando por procurar financiamento para continuar a seu trabalho a tempo inteiro.
Sobre o financiamento, Luís António diz que é um processo que dá trabalho, pois não tinha ideias iniciais de se dedicar a Twelve Minutes. Começou a fazer o protótipo enquanto trabalhava em full time no The Witness, e o plano era acabar o jogo e começar logo outro de seguida. Encarou o financiamento como algo descomprometido: se alguma editora estivesse interessada em financiar o jogo, este seguiria em frente, caso contrário não o faria, e continuaria como estava. “Falei durante um ano com muitas editoras, desde a Nintendo, PlayStation, Microsoft, mas tinha de ser alguém que me desse a liberdade e o controlo criativo”.
O português salienta que o seu ex-patrão Jonhatan Blow lhe deu bastante apoio, recebendo feedback para melhorar o protótipo. “Em 2015 eu tinha o protótipo pronto para experimentar, fui à Pax East, em Boston, e obtive um grande feedback dos jornalistas de sites internacionais de renome e do público em geral”. A partir daí as editoras começaram a mostrar mais interesse. “O Jonhatan Blow ajudou-me a garantir que eu não assinava nada até ter um jogo com os problemas de design resolvidos”. Luís António explicando que, por norma, quando se assina com a primeira editora que aparece, e depois surgem mais coisas no jogo, mudanças nos níveis ou outros problemas, a pressão do tempo e do dinheiro investido tornam a produção mais complicada. “Recebi muita ajuda, devido à minha falta de experiência, para não cair em nenhuma armadilha”.
"Recebi muita ajuda, devido à minha falta de experiência, para não cair em nenhuma armadilha"
Questionado sob a ideia e há quanto tempo está a trabalhar em Twelve Minutes, Luís António refere que a ideia em si, o “time loop” está a ser cozinhado há 10/15 anos, ainda estava na Rockstar Games. “Estávamos a acabar o Manhunt 2 e íamos começar outro jogo. Tínhamos a oportunidade de fazer um novo título original, e estávamos a discutir os projetos. E todos podiam fazer um “pitch” com ideias. Como tínhamos o motor de Grand Theft Auto, uma cidade inteira simulada, propus uma ideia de alguém estar a viver um “time loop”.
A sua proposta foi rejeitada, algo que aconteceu depois também na Ubisoft, embora a sua ideia tivesse sido reduzida, mais próxima da escala do atual do conceito de Twelve Minutes. “Apenas comecei a explorar mais profundamente o conceito quando me mudei para a Califórnia”. Quanto mais trabalhava no conceito, mas o jogo ficava reduzido em termos de espaço, “porque é impossível seguir os acontecimentos em loop numa cidade, pela complexidade de opções”.
O conceito de “time loop” já foi aplicado em outros videojogos como Legend of Zelda: Majora’s Mask e Outer Wilds, assim como em filmes como o Dia da Marmota (Groundhog Day) com Bill Murray, Edge of Tomorrow com Tom Cruise ou Memento de Christopher Nolan. Apesar dos filmes referidos terem sido inspiração para Twelve Minutes, nos videojogos o designer português foi buscar aos clássicos antigos, como Prince of Persia e Alone in the Dark, pelo seu tom cinematográfico. Nunca se sabe o que se está a passar e a personagem tenta descobrir. “No Prince of Persia morre-se e volta-se ao início do nível. Se tu e a personagem estiverem em sintonia, se esta tiver noção que está a repetir o nível mais uma vez, o que iria acontecer? Não é só o jogador que sabe que está a repetir o nível mais uma vez, mas também a personagem”.
Explicando o conceito da aventura, o jogo tem um ciclo em que o jogador controla o homem que chega a casa no fim do dia e é recebido pela esposa que preparou uma surpresa especial. Depois de começarem o seu serão, aparece um polícia que bate à porta, acusando a mulher de matar o seu pai. Desencadeia-se uma luta, o jogador leva um murro e desmaia e acorda novamente ao início do dia. “O jogador tem de utilizar o conhecimento prévio para quebrar esse time loop e sair da situação onde se encontra. O jogo passa-se todo num apartamento e é em tempo real, com apenas três personagens durante toda a trama”.
Luís António refere que a escolha de Twelve Minutes para o título aconteceu quando foi à Pax East, e ainda sem nome definido chamava-lhe Canadrum. “Quando vi que o loop demorava pouco mais de Twelve minutos, acabei por o batizar assim”. E o que acontece se o jogador deixar os controlos, o que acontece? “O polícia chega sempre ao fim de três ou quatro minutos em cada loop. O que acontece, caso não toquem nos controlos, é que o polícia chega e ataca e o loop é reiniciado. Ficas num loop constante de quatro ou cinco minutos. Para chegar ao fim dos 12 minutos tem de se resolver, pelo menos, que o polícia não ataque”.
“O jogador tem de utilizar o conhecimento prévio para quebrar esse time loop e sair da situação onde se encontra. O jogo passa-se todo num apartamento e é em tempo real, com apenas três personagens durante toda a trama.”
O produtor português esteve a trabalhar sozinho no projeto durante três ou quatro anos, mas quando arranjou a editora, contratou freelancers para fazer as personagens, o apartamento, as animações e outros detalhes. “O projeto tem crescido e diminuído em número de pessoas consoante a fase em que está. Quando fizemos gravações com os atores de motion capture tivemos acesso ao estúdio, à equipa toda, os atores”. Explica que neste momento, até ao lançamento, tem uma equipa de Q&A a jogar extensivamente à procura de bugs, que depois tem de corrigir. Diz que também tem uma equipa de localização, outra para os controlos e adaptação do gamepad e de certificação para a consola.
Apesar dos planos iniciais serem PC e Xbox, outras versões do jogo para a Switch e PlayStation não estão fora dos seus planos. “Se o jogo for um falhanço total e ninguém gostar da experiência, não sei se iremos fazer para outras consolas. Por outro lado, se houver interesse, vamos analisar e ver”.
Twelve Minutes pretende ser acessível a todos
A aventura é jogada com o rato, num sistema point & click, e isso tem um propósito. “cresci com o The Secret of Monkey Island, Day of Tentacle e jogos da Lucas Arts. Sempre gostei de jogar com uma chávena de chá numa mão e o rato na outra, a fazer ações, sem a tensão constante de controlar a personagem e disparar. O Time Loop em si já é stressante, pois a pressão do tempo não é divertida. Por outro lado, este tipo de interface permite diversas ações diferentes, combinar coisas e ter resultados variados.”
O autor diz que queria que o jogo fosse mais acessível, dando o exemplo da esposa e vários amigos que não jogam jogos, sendo o maior problema controlar um gamepad ou segurar o rato e teclado. “Queria que o jogo fosse acessível a toda a gente e point & click funciona muito bem”. O jogo tem uma longevidade entre as 10 e 12 horas, dependendo da experiência dos jogadores em resolver puzzles. “A conclusão não é linear como um filme, mas há um momento em que os jogadores vão sentir que acabaram o jogo, com diversas variações”.
Uma das surpresas de Twelve Minutes foi a contratação de três atores de renome em Hollywood para encarnar as personagens do jogo: Willem Dafoe, Daisy Ridley e James McAvoy. Questionado sobre como surgiu o envolvimento dos atores e a sua contribuição para a narrativa, Luís António salienta que foi uma grande ajuda na credibilidade e marketing do jogo, mas também o enriquecimento das personagens. “O jogo gira à volta destas três personagens, e fazer os jogadores acreditarem nas suas motivações, e nas intenções que têm e as reações ao comportamento. E ter estes atores a interpretar as personagens e os diálogos ajudam a acreditar o que está a acontecer e a ficar mais intenso”.
Mas o plano inicial nem era o jogo oferecer vozes, apenas balões com as linhas de texto. Apenas surgiu a ideia quando o projeto começou a crescer e depois de ter obtido financiamento. A sua parceria com a Anapurma Interactive abriu-lhe portas à componente mais cinematográfica que caracteriza a editora. Primeiro arranjou-se talento local em Los Angeles para fazer uma “table read” para simular as vozes das personagens. “Vimos que a nuance do interesse pelas personagens aumenta. Investigámos se conseguíamos arranjar talento para mostrar que se trata de uma experiência séria e interativa, e trazer esse lado cinematográfico para o jogo”.
Depois foi iniciado o processo de escolher os atores que melhor se enquadrassem no papel das suas três personagens. “O processo de gravar para jogos não é algo fácil: passaram um mês a gravar sempre as mesmas linhas como “vamos comer o jantar, mas tiraste a faca; vamos comer o jantar mais fizeste isto”. É necessário estar confortável com esta repetição constante”.
Toda a história do jogo passa-se num apartamento, através de uma perspetiva aérea. Mas não se vai tornar repetitivo para o jogador? Luís António diz que essa é a questão inicial antes de se jogar Twelve Minutes. “Mas num jogo onde controlas o que se altera é muito importante ter uma estabilidade que possas controlar. Existe um prazer em saber que certas coisas não se alteraram. Por exemplo, o polícia chega e ataca-te, desmaias e acordas. Depois pensas, que podes trancar a porta ou esconder na casa de banho”. O designer explica que saber que as coisas são constantes e que as variáveis do conhecimento aumentam a cada loop, abrem-se possibilidades de coisas que se podem fazer e experimentar, sem que os jogadores fiquem perdidos nas suas possibilidades.
Para Luís António, aquilo que representa a grande mudança é na personagem principal, pois tudo o que o jogador faz tem impacto no mesmo, e ele reage a isso. E o progresso é o seu comportamento.
O mediatismo nacional e internacional
Desde que começou a ser mostrado nos eventos da Xbox, Twelve Minutes ganhou reconhecimento tanto ao nível nacional, como internacional. Mas terá esse mediatismo alterado o seu desenvolvimento? “Se dividisse o jogo em capítulos, diria que o capítulo final mudou bastante. O que aconteceu foi que havia esta ideia original, começou a ser expandida e quando os atores chegaram houve esta humanidade que foi dada às personagens, é que nos apercebemos que mudou muito a situação”.
Neste momento o designer tem alguns amigos developers a jogar e a enviar feedback que vai ser implementado ou corrigido no jogo. “Estes últimos dois anos foram essencialmente para polir a experiência, para que flua de forma mais natural”. Ao ser o designer e programador do jogo, Luís António diz que consegue fazer as alterações necessárias rapidamente.
Luís António diz que não estava à espera que o jogo tivesse tanta atenção, mas mantém os pés assentes na terra: o seu objetivo é que Twelve Minutes venda o suficiente para poder fazer outro jogo, independentemente da sua escala. “Os primeiros anos do Twelve Minutes foi basicamente ter dois trabalhos, trabalhar no The Witness de manhã e no meu jogo à noite. E não quero ter mais dois trabalhos durante muitos mais anos”.
Diz que durante muito tempo era apenas o único a trabalhar no jogo, mas conforme foi crescendo, as expetativas também e já recebeu comparações com o Inside da Playdead, que designer diz que teve um orçamento gigante para cinco ou seis anos de produção com uma equipa de 10 pessoas. “Isto é um jogo muito pequenino e estou um pouco preocupado que as pessoas estejam à espera de algo AAA porque temos os atores e mais exposição. Quero que as pessoas que jogarem o jogo sintam que tenha valido a pena o tempo que gastaram nele. Independentemente das expetativas, pegares no jogo e sentires que foi fixe, que gostes dele”.
O possível regresso a Portugal
Questionado sobre o que sabe da indústria dos videojogos em Portugal e se tem mantido contacto com developers portugueses, a sua resposta é afirmativa. “Sai de Portugal porque não existia na altura uma indústria de videojogos, há cerca de 20 anos”. Confessa que algo que gostava de fazer depois de Twelve Minutes, caso este tenha algum sucesso, era abrir um estúdio m Portugal. No entanto, gosta da sua liberdade de decisão e caso abrisse o estúdio, metade seriam pessoas com quem já trabalhou, sejam americanos ou canadianos. “Iria querer utilizar os contactos internacionais que tenho e que permitiram que este jogo chegasse onde chegou”.
O designer considera que Portugal tem uma indústria de deveopers muito forte e pessoas talentosas. “Só acho é que não exista financiamento para jogos portugueses. Se quiseres fazer um jogo para telemóveis que seja viciante, existe financiamento, mas se quiseres fazer um jogo de time loop como o Twelve Minutes, não há. E no estrangeiro existe muito mais abertura para estes projetos.
Referindo-se à sua ligação com Portugal, Luís António foi o único da família que emigrou e por isso regressa muitas vezes ao país para a visitar. “Os meus filhos nasceram na Califórnia, nos Estados Unidos, mas têm cidadania portuguesa. A minha esposa é canadiana do Quebec e fala francês. Não sinto nenhuma raiz nos Estados Unidos, pois o sistema de saúde e de educação deixa um pouco a desejar, não é algo que desejo para o crescimento das minhas crianças”.
Por isso, embora não tenha planos, gostava de fazer algo em Portugal, “sou português e gostava de dar algo à comunidade de volta”. São planos que estão no ar, dependendo do sucesso de Twelve Minutes e outras propostas que possam surgir no futuro.
Twelve Minutes chega esta quinta-feira dia 19 de agosto ao PC e consolas Xbox, com lançamento gratuito para subscritores do serviço Game Pass.
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