Ter uma máquina capaz de imprimir tudo o que necessite, desde ferramentas úteis a armas de defesa, é assunto que vemos recorrentemente em filmes de ficção científica. Mas não deixam de ser impressionante acompanhar os casos práticos das descobertas feitas no mundo real da impressão 3D. Desde as acessíveis impressoras que utilizamos em casa para imprimir pequenas estatuetas para pintar, um dos hobbies mais apreciados na comunidade de "makers", ao uso prático para substituir uma peça que já não se fabrica ou mesmo acessórios de modificação e personalização para motas e automóveis.

Mas esta é apenas uma pequena fatia daquilo que o mundo da impressão 3D permite, e sobretudo o potencial que tem no futuro, numa perspetiva de utilização industrial, comercial e de serviços. A impressão 3D é considerada uma tecnologia que ainda está na sua infância, segundo uma análise publicada no Institute of Export and International Trade. Depois de anos a crescer na casa dos 25%, em 2020, devido à pandemia, a procura da tecnologia de impressão 3D caiu 7,5%. Muitas empresas de produção decidiram adiar planos de investimento em impressoras 3D devido aos problemas financeiros causados pela COVID-19.

Os pedidos de patentes globais em tecnologias de impressão 3D cresceram a uma taxa média anual de 26,3% entre 2013 e 2020, um ritmo quase oito vezes superior ao de todos os domínios tecnológicos combinados no período homólogo (3,3%), segundo dados de um relatório divulgado pelo Instituto Europeu de Patentes em setembro de 2023. Durante o mesmo período, Portugal registou 34 pedidos de patentes, no sector da medicina e saúde, incluindo implantes e próteses impressos em 3D.

Veja na galeria imagens de uma casa impressa a 3D:

Muitos especialistas apontam a evolução da indústria para a área do 3D, em que a cadeia de produção é cada vez mais digital, podendo ser fabricado mediante as necessidades. Mas para isso é preciso conhecimento e capacidade de adaptação. E nesse sentido, considerando que o preço das impressoras é muito elevado, há grande potencial para as empresas oferecerem impressões 3D como serviços. Em muitos casos, consegue ser mais prático do que a produção em série numa fábrica. É nesse trabalho que startups nacionais como a XPIM e a empresa Emetres são especialistas e contam ao SAPO TEK as vantagens e como funciona.

A impressão 3D, conhecida também como fabrico aditivo, é um processo que permite a construção de objetos tridimensionais a partir de um modelo 3D digital. É uma espécie de mapa tridimensional que dá às agulhas de injeção as coordenadas nos eixos x e y na impressão de objetos. Este pode ser um modelo digital 3D ou um ficheiro de CAD.

Em 2017 a impressão 3D foi mesmo considerada uma ameaça ao comércio global. O banco holandês ING fez uma previsão de que 50% dos produtos fabricados poderiam ser obtidos através da impressão 3D nas próximas duas décadas, podendo afetar quase todos os sectores de fabrico. E que se isso realmente acontecer, o ING estima que quase um quarto do comércio global poderá desaparecer em 2060.

As bases dessa preocupação estão no início de se concretizar, considerando a grande expansão da impressão 3D em áreas que até agora seriam impensáveis. A indústria aeroespacial, a eletrónica de consumo e os equipamentos médicos são as áreas mais apontadas como transformáveis através da impressão 3D. Tem também o potencial de mudar o paradigma da medicina, não apenas na construção de ferramentas médicas, como sobretudo a impressão de órgãos e tecidos humanos prontos para transplante. É um plano a longo prazo, para daqui a 15-20 anos, como explicou o CEO da startup Vital 3D ao SAPO TEK.

Exemplos de impressão 3D na arquitetura:

A palavra futuro está associada à impressão 3D, mas os casos de utilização abundam na atualidade, desde a impressão de casas prontas a habitar, pontes, foguetões e até comida. Sim, um cheesecake servido num prato, mas totalmente impresso a 3D. Estes temas curiosos são abordados num outro artigo que vamos publicar neste dossier.

Muito recentemente, os investigadores da MIT desenvolveram uma técnica de impressão 3D rápida que utiliza metal líquido. Ou seja, através deste processo, a criação de peças grandes em alumínio diminuiu de horas para meros minutos. No exemplo dado, componentes como pernas de uma mesa ou braços de uma cadeira em metal foram produzidos em minutos.

Veja o vídeo da impressora de metal do MIT:

Os investigadores afirmam que o processo é 10 vezes mais rápido que o fabrico normal e que o procedimento de aquecimento e derretimento do metal é mais eficiente que outros métodos. No entanto, para já, a técnica troca o detalhe e resolução para maior velocidade e escala, ou seja, pode ser usado para redução de custos e aumento da velocidade de fabrico, mas não se pode esperar detalhes pormenorizados nas peças. Mas é um pontapé de saída para fases de prototipagem que envolvam metal reciclado, por exemplo.

O entusiasmo da impressão 3D cada vez mais acessível a todos

A pandemia veio mexer um pouco com o investimento na impressão 3D. Mas nos anos que antecederam a COVID-19 o entusiasmo era generalizado, sobretudo no que diz respeito ao consumo. Algumas fabricantes apostaram em modelos fáceis de usar e agradáveis de ter em cima da secretária, um pouco como aconteceu com o papel, sobretudo em ambiente empresarial.

A espanhola BQ criou mesmo o primeiro modelo com Android, a Witbox GO, uma máquina compacta e silenciosa, prometendo que a tecnologia de impressão 3D doméstica tinha chegado para ficar. O conceito era simples, emparelhar o smartphone com a impressora e em menos de 15 minutos estava pronto a funcionar. Infelizmente a empresa foi uma das “vítimas” da pandemia e em fevereiro de 2021 entrou em processo de falência,  com uma dívida de 40,9 milhões de euros.

Prusa 3D

O SAPO TEK acompanhou o lançamento de alguns modelos de diferentes fabricantes, mas o certo é que o preço nunca foi muito amigo e o tamanho das impressões também eram uma amostra daquilo que se conseguia fazer há cinco ou seis anos, com as propostas mais atuais. Numa montra de sugestões publicado em 2018 de impressoras 3D mais acessíveis, excetuando um modelo de 300 euros, todos os restantes eram de 600 euros para cima, com impressões até 40 cm cúbicos.

O certo é que a impressão 3D já teve mais protagonismo no mercado doméstico, tendo havido um período de grande visibilidade e interesse das marcas, mas que esse entusiasmo ficou para trás. No caso da HP, que lidera a impressão a nível global, a impressão 3D sempre foi focada no mercado empresarial, nunca tendo passado pelos consumidores particulares.

Mais recentemente, algumas marcas ofereceram modelos bem mais acessíveis, entre 150 a 200 euros, mas os problemas eram constantes, fosse a nível de entupimento, necessitam de ser calibradas e limpas com frequência e nem sempre amigas do utilizador, como explicou ao SAPO TEK Nuno Oliveira, CEO da startup XPIM.

Com uma proposta que custa cerca de 300 euros, a Bambu Lab é apresentou impressoras que pretendem ser disruptivas. A empresa formada por ex-engenheiros da DJI pretende oferecer uma experiência acessível aos utilizadores, na mesma filosofia com que apresentavam nos drones. Os seus modelos destacam-se por serem mais silenciosos e com calibração automática, como o modelo A1 Mini.

Esta impressora junta-se a um novo design aberto, em vez das típicas caixas que limitavam o tamanho das peças. Os novos designs têm uma forma semelhante a uma guilhotina, onde as peças são impressas à vista. Olhando para comunidade de entusiastas, alguns outros modelos sobressaem nas escolhas dos utilizadores, como a Artillery Sidewinder X2, abaixo dos 500 euros ou a Creality Ender-3 V2 por menos de 300 euros. Para utilizadores mais avançados e com mais orçamento para investir, os modelos da Prusa 3D são referidos como referência no mercado, alguns com capacidade de usar cinco filamentos em simultâneo.

Conheça os mais recentes modelos de impressoras 3D:

O investimento na impressão 3D, seja para hobby ou para vender pequenas estatuetas ou peças, depende de quanto se quer gastar. Com 300 euros consegue-se entrar e aprender sobre o mundo da impressão 3D, mas à medida que a experiência evolui, as necessidades de equipamentos melhores também acompanham. E entre os pequenos modelos, muitos entusiastas já dedicam toda uma mesa de trabalho só para a impressão 3D, com bobines de filamentos de impressão agarrados.

E o mundo da impressão 3D envolve três artes distintas: a modelação digital, a capacidade de impressão 3D e o acabamento, ou seja, as pinturas dos objetos impressos. Existem muitos tutoriais nas comunidades e vídeos no YouTube apontados como grande ajuda a aprender o hobby, mas os mais avançados vão querer também investir em Autodesk Fusion, uma plataforma de modelação 3D, a base para tudo o que se imprime.

Apesar do entusiasmo nas possibilidades da impressão 3D, também surgem alertas para o crescimento de armas fabricadas em casa através de impressoras 3D. A PSP e as autoridades policiais confirmaram esta ameaça emergente e já foram apanhadas armas impressas associadas a atendados. O acesso aos materiais e a instruções disponíveis na internet, o acesso a uma arma impressa em 3D pode custar menos de mil euros e até 3.000 euros, segundo as autoridades.

A área da impressão 3D é vasta, podendo ser utilizada do simples hobby doméstico à indústria, das casas à comida, dos foguetões a automóveis, motas e bicicletas. São temas que poderá acompanhar nos próximos artigos, como a área de serviços e medicina, em que no futuro os órgãos humanos transplantáveis vão poder ser impressos.

Nota da Redação: Este artigo faz parte de um dossier sobre impressão 3D que o SAPO TEK está a publicar esta semana. Continue a acompanhar os artigos