O debate entre os partidos políticos e os principais intervenientes dos eSports não foi conclusivo, mas permitiu compreender a posição de cada parte interessada. Há um interesse generalizado em adotar regras para o sector, mas será que equiparar os eSports ao desporto tradicional é o melhor caminho?
Neste artigo procurámos conhecer as perspectivas das organizações e clubes de eSports. O SAPO TEK entrevistou Ramiro Teodósio, CEO da For the Win (FTW), uma das mais antigas e populares organizações de eSports em Portugal. Advogado de formação, destaca exatamente que o que as equipas pretendem é a regulação de um mercado que está atualmente desregulado. Considera que existem demasiados desafios jurídicos, porque quando se fala no futebol não existe propriamente um dono, não há uma propriedade intelectual associada a uma empresa. “Temos sim é entidades representativas, como a UEFA e a FIFA, a FPF, etc. e isso é um dos principais desafios, a nível macro”.
Mas a nível micro, nacional, considera que aquilo que é importante é existir um plano de estratégia, tanto para jovens como adultos. Aponta que tem vindo a fazer essa inclusão através do projeto Win Gaming, trazer a parte da psicologia, formação e desenvolvimento dos mais jovens e adultos. E aponta ainda que existem atualmente diversas pessoas com adição aos videojogos que tem impacto negativo na sua vida pessoal e profissional.
Com 12 anos de existência, o projeto da FTW, que ajudou o arranque da FEPODEL em 2017/18, quer também participar na regulação do sector. No entanto, ressalva que não olha para os desportos eletrónicos a considerar que é um desporto tradicional. Mas que existem formas de serem os dois equiparados, seja a nível de estatutos dos jogadores, promoção de jogadores estrangeiros a competir em Portugal, mas com as devidas condições para isso acontecer.
Gonçalo Brandeiro, CEO da Betclic Apogee, partilha de uma visão semelhante. Em entrevista ao SAPO TEK, considera que ainda existe um longo caminho pela frente, mas que saúda a discussão do tema da legislação dos eSports no Parlamento. Na sua perspectiva, é necessária a lei, mesmo que seja um projeto de lei “mais leve”, não tendo de ser exaustivo, pelo menos numa primeira fase, onde o importante é serem criados os estatutos de atletas de eSports. Diz que tem atletas na organização que estão na universidade, mas não têm estatutos semelhantes ao desporto convencional. E o que pede é uma equivalência.
É preciso criar estatutos para os jogadores de eSports
Considera que existe um preconceito na discussão se devemos considerar os eSports um desporto ou não. Mas diz que é um entrave “palerma”, pois por si, não faz questão de ser considerado um desporto e compara ao xadrez, que não é desporto, mas também é considerado. Para si, os temas importantes é a possibilidade de celebrar contratos com os atletas de eSports como acontece no desporto. “Muitos têm contrato a termo ou como prestação de serviços. Por não existir um CAE dedicado a esta categoria de trabalhadores, Gonçalo Brandeiro diz que tem de registar os seus atletas na categoria “Outros” ou “Informática”.
A mesma dificuldade é apontada por Ramiro Teodósio, que atualmente, para realizar um contrato de trabalho não existe a categoria de atleta de eSports ou de Counter-Strike e League of Legends. “É preciso dar voltas e voltas ou aplicar de forma analógica o tipo de contrato e afins, para que estejam de alguma forma legais em Portugal”. Aponta que é essencial desde a parte de formação e desenvolvimento seja para a parte profissional.
Para a legislação pede uma salvaguarda para os vários elementos do ecossistema. E aponta que o clube está a atravessar atualmente alguns desafios económicos a título do clube pelo incumprimento de dos organizadores de torneios, tanto a nível nacional como internacional. “Para conseguirmos assegurar condições para os nossos atletas, tem de existir um compromisso de cima e haja o cumprimento dos organizadores dos torneios, incluindo os prémios ou publicidade”.
Considera que se trata de um circuito económico onde se uma destas componentes falhar, o resto é arrastado. Ramiro Teodósio diz mesmo que desde 2012, os organizadores de torneios devem ao clube mais de 120 mil euros, em soma. Deu o exemplo de recentemente terem suspendido a sua secção de Counter-Strike até poder regularizar os pagamentos e um dia, talvez voltarem à competição.
Sobre a propriedade intelectual, Ramiro Teodósio, considera que não se pode obrigar uma editora a ceder os seus jogos para o bem dos eSports. Porque no caso de Portugal, um mercado tão pequeno, as editoras simplesmente saem do país. Na sua visão, o regulador tem de promover uma proximidade aos developers, chegar a linhas de consenso e abertura em que haja a possibilidade de se conseguir uma legislação “que agrade a gregos e a troianos”, algo que considera não ser fácil.
E acrescenta que outro ponto a discutir é considerar se os eSports são lazer e entretenimento ou se efetivamente é desporto. “Isso traz uma mudança de paradigma muito grande”. E depois diz que com isto abrem-se outras questões: o que é eSports ou que jogos são considerados eSports? “Uma das definições é um conjunto de pessoas, seja individual ou equipa, que haja a possibilidade de promover uma competição entre si”.
Mas ressalva, mais uma vez, utilizando os mecanismos que os developers disponibilizam, como os servidores, a propriedade intelectual, etc. A pergunta que coloca é: se promover um torneio de Minecraft, este passa a ser eSports? Com isso afirma que vai haver um grande trabalho pelo legislador e toda a indústria para começar por definir o que é mesmo um jogo de eSports.
eSports deve ser um desporto ou não?
A visão de Ramiro Teodósio aproxima-se da proposta da Iniciativa Liberal, que é considerar eSports como um desporto, mas depois é preciso haver uma regulação própria. Um processo que diz ter de ser feito passo a passo, considerando os projetos federativos e dos clubes, etc. Mas considera que tudo ainda está à superfície, o processo está muito no início. Diz que todos os intervenientes devem ter peso nas decisões, mas também chamar os developers para esta equação, seja a nível nacional como da União Europeia.
Ramiro Teodósio aponta que não será fácil chegar à Valve e dizer “queremos regularizar os eSports em Portugal e queremos que o CS seja um dos desportos eletrónicos considerados. Não estou a ver ninguém da Valve a dizer que sim, que irá discutir”. Considera que é necessária uma concertação do sector, “um trabalho de casa por parte dos legisladores e conhecedores desta indústria, retirar alguns fanáticos da equação”.
Mas aponta que os fanáticos são aqueles que tomam tudo como um dado adquirido, alertando a necessidade de mais flexibilidade. Não se pode exigir que os eSports sejam considerados desporto só porque sim. “Um dos receios que já expressei anteriormente é se considerarmos os eSports como desporto, isso quer dizer que posso ter um jovem de 16 anos na academia da FTW em que este faz um requerimento a um professor para ter dispensa de ir para as aulas. Isso não deve ser possível, só porque sim”.
Os perigos que podem surgir com as leis têm de ser considerados para o líder da FTW. Se os eSports forem considerados um desporto e não estarem devidamente regulamentados é perigoso. A sua visão é de “meia-meia” que é quando são profissionais têm direito a uma coisa, quando não são, não têm. “Sabemos que atualmente, um atleta da terceira divisão de hóquei é considerado um atleta de alta competição e em qualquer altura pode pedir exclusas ou alterações de exames.
Ainda no que diz respeito às questões da propriedade intelectual, Gonçalo Brandeiro refere a existência de um mecanismo na lei portuguesa que poderia forçar as editoras a dispensar os jogos para as competições. Mas trata-se de uma medida drástica que ninguém quer. Ao acontecer bloqueia-se o investimento na inovação. Acredita que os eSports são formas de marketing que beneficiam as editoras, que mantém os jogadores mais tempo agarrados ao jogo. E os profissionais, que se tornam melhor, são a melhor forma de inspirar outros jogadores que procuram igualmente esses jogos. “O que as editoras desejam é ter os jogadores agarrados aos seus jogos o maior número de horas possível”.
Considerando que tem jogadores polacos na sua equipa, aponta a dificuldade de obter vistos para os atletas. Dá o exemplo que em França se criou uma definição de atleta de eSports, que é exatamente o que a organização gostaria de ver em Portugal. Também refere que devem ser feitos esforços para legalizar as apostas desportivas em torno dos eSports, abrindo-se mecanismos adicionais de receitas para as organizações. Da mesma forma que a FPF recebe receitas com as apostas desportivas convencionais. Só assim se consegue reinvestir no ecossistema de eSports. Para Gonçalo Brandeiro, se houvesse leis, a categoria de apostas em eSports ocuparia pelo menos o top 5. Refere que na Polónia existem apostas legais em torno dos eSports que gera muita receita.
“Uma das coisas que mais me aflige em termos das discussões em torno dos eSports é ser tudo relacionado com o dinheiro”, aponta o líder da FTW. “É porque é o gambling, o betting, os prize pools, etc. Até parece que é o dinheiro que vai trazer a afirmação em relação da credibilidade e valor que este mercado tem”. Ramiro Teodósio diz que essa é uma das falhas dos poderes políticos em olhar apenas para aquilo que gera dinheiro. “Mas onde está o resto? A componente humana, de formação, de desenvolvimento? Isso está a ser descurado”.
Para Ramiro Teodósio existe também uma necessidade de literacia em relação aos videojogos e aqui entram os papeis importantes da associação portuguesa dos videojogos, os projetos federativos, os próprios clubes e outros de informarem as pessoas da melhor forma possível.
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