Pecaminosa foi um dos finalistas da mais recente edição dos prémios PlayStation Talents, galardão que acabaria por ser entregue a Evil Below como o melhor jogo. O jogo foi criado pelo estúdio Cereal Games, localizado na ilha de S. Miguel nos Açores, estúdio que existe desde 2014. Em entrevista ao SAPO TEK, Lázaro Raposo, CEO e Game Designer, refere que é o primeiro estúdio de desenvolvimento de videojogos nos Açores, “numa altura em que muita gente dizia ser impossível”.

Produção de videojogos "made in"Açores

O estúdio começou por se focar em Serious Games, tendo produzido mais de uma dezena de títulos para museus, centros de ciência, municípios, escolas, entre outros. E têm experiência em mobile, realidade aumentada, IoT, o que foi “a bagagem necessária para agora investir no Pecaminosa”, salienta.

Atualmente já existem mais estúdios nos Açores, como a RedCatPig, um dos vencedores anteriores do PS Talents, com o videojogo KEO. Questionado sobre que tipo de condições e incentivos que são feitos no arquipélago para o desenvolvimento de jogos, Lázaro Raposo diz que não existe necessariamente um ecossistema que atraia estúdios. “Temos condições no geral que, para quem gosta de viver numa ilha, são apelativas, mas nada orientado especificamente para esta área”. Salienta mesmo que o facto de um arquipélago de cerca de 240 mil habitantes ter dois estúdios de videojogos, é mais coincidência do que estratégia, visto que a RedCatPig surgiu uns anos depois e noutra ilha.

Veja na galeria algumas imagens de Pecaminosa:

“Quanto fundei a Cereal Games, a pergunta que mais ouvia era: "Qual a tua profissão?", à qual eu respondia que fazia jogos e ainda ouvia: "Sim, sim, mas... qual a tua profissão verdadeira? A que te paga o ordenado?”, descrevendo que havia uma descrença enorme relativo a isso. Mas desde então, como diz, “a bem ou a mal, a Cereal Games foi "evangelizando" as pessoas, e hoje em dia já aceitam isso de fazer jogos como uma coisa séria”.

História de detetives com elementos “noir”

Relativamente ao videojogo, Pecaminosa é descrito como um RPG de ação, inspirado por uma série de clichés do cinema noir, esperando-se um tom divertido, provador e irreverente. “Tem uma história densa e rica, e até com o mais simples mendigo, vale a pena parar para conversar, nem que seja para lhe pedir dinheiro”. A personagem do jogador evolui através do sistema L.I.F.E. (Luck, Intelligence, Force, Endurance) e gere o seu inventário, armas e equipamentos. “Classifical stuff dos RPG”, salienta o game designer.

O estúdio considera que o aspeto diferenciador do jogo é a camada noir introduzida, os diálogos, o cenário e a música. “A típica história do detetive amargurado que namora com todas as garrafas de Whisky que encontra, e se vê envolvido num caso bem mais complicado do que era suposto, sem faltar a Femme Fatale e… alguns fenómenos do oculto”, descreve o produtor.

Lázaro Raposo
Lázaro Raposo Lázaro Raposo é o CEO e Game Designer da Cereal Games.

Mas de onde vem o nome Pecaminosa? Lázaro Raposo diz que essa história tem vários momentos: “tínhamos terminado um Serious Game que era um RPG, numa escala mais pequena, e numa linguagem pixel arte mais simplista, digamos assim. E quando terminámos e o entregámos ao cliente comentei com a equipa que estávamos prontos para fazer um mais completo e complexo”. O líder do estúdio diz que já tinha uma pequena ideia de explorar o conceito de film noir, do qual se diz grande apreciador de Orson Welles, e o resto foi sendo composto quase automaticamente, com inspirações em filmes, livros, outros jogos, música, séries, entre outros.

O líder do estúdio diz que queria explorar o conceito de film noir, e diz ser grande apreciador de Orson Welles. Houve inspirações em filmes, livros, outros jogos, música, séries para este projeto.

No seu início, o jogo era para se chamar Pixel Noir, mas durante o desenvolvimento da sinopse, a equipa procurou um nome para a cidade. E sendo uma cidade “onde a corrupção e o deboche têm residência permanente, a primeira coisa que veio à cabeça foi Sin City (outra das referências). Tomando o exemplo de nomes hispânicos das cidades americanas junto à fronteira com o México, surgiu o nome Pecaminosa. “O nome pareceu tão forte, que passou a ser o nome do jogo”.

O estúdio promete uma aventura com cerca de 10 horas de jogo, sendo um “mundo aberto, fechado”, salienta. E embora não seja um mapa como um Elder Scroll, compara, diz ser uma cidade ainda grande, além das suas periferias. “Tem uma narrativa não linear, que obriga a jogar várias vezes se quiserem explorar tudo”, para além de imensas personagens que têm sempre algo divertido ou importante a dizer. Os jogadores também podem jogar Blackjack nos casinos, entre outros ingredientes que prometem estender as horas de jogo.

Líder da Cereal Games não considera que haja indústria profissional de videojogo em Portugal

Lázaro Raposo diz que Pecaminosa teve uma participação na sexta edição dos PS Talents acima de tudo por questões de marketing e visibilidade. “Na altura, já tínhamos um plano que iria impedir a exclusividade, ou a primazia com a PlayStation. Até fiquei surpreendido por termos sido selecionados para a final, pois já era público que iriamos para a Nintendo Switch, por exemplo”. Ao não ganharem manteve-se o plano inicial de lançamento.

Lázaro Raposo diz que não há indústria de videojogos em Portugal, pelo menos como developers.

Apesar de não ter revelado o orçamento para o jogo, o líder do estúdio calculou que para o jogo se tornar rentável seria necessário vender cerca de 60 mil cópias. “As coisas não são assim tão lineares, pois existem promoções, baixas de preço ao longo dos anos. Entretanto surgiu um publisher que possibilitou irmos para todas as plataformas, isto apesar de nós termos licenciamento para a Switch e Xbox”. Quanto ao número de cópias, a previsão é confortável, “não para ficarmos milionários, mas permitiria arrancar com o próximo jogo”.

Questionado sobre o estado atual da indústria dos videojogos em Portugal, sobre os apoios e se já se pode dizer que que existe uma indústria “made in PT”, Lázaro Raposo diz que essa é a sua eterna luta. “Uma quantidade de leitores vai querer sacrificar-me, mas não há indústria de videojogos em Portugal, pelo menos como developers, como consumidores é outra história”. Nas suas palavras, uma indústria é tipo a têxtil e calçado, em que famílias inteiras ou cidades vivem disso. “Tal como a agricultura e turismo nos Açores. Isso são indústrias”, acrescenta dizendo que meia dúzia de empresas de jogos em Portugal não compõem uma indústria.

Ainda assim destaca a grande capacidade, talentos e projetos, mas que não chega para ser considerado uma indústria. “Fazer jogos em part-time ou enquanto estudante é muito diferente do que correr contra o tempo para pagar os impostos, os salários”. E por isso, diz que o primeiro passo para atingir o objetivo de ter uma indústria “made in PT” é reconhecer que a mesma não existe. “Repito, não tem a ver com a capacidade das pessoas nem o talento. Nós somos bons, e a prova é que há imensos portugueses em grandes estúdios a nível mundial, mas localmente, em Portugal, não há produção profissional suficiente”. E salienta o “profissional”, porque diz que temos alguma produção amadora e semiamadora “com muita qualidade”.

Pecaminosa está disponível no Steam e Switch por 14,99 euros, com previsão de chegar às consolas PlayStation e Xbox nos próximos meses.