Em 2019 a Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP), uma associação de entidades privadas, recolheu cerca de 23 milhões de euros relativos à taxa da cópia privada, ganhos através de compras de equipamentos eletrónicos por parte dos portugueses. A Associação da Defesa dos Direitos Digitais D3 vem agora alertar para mais um ano em que, apesar do valor recolhido se situar acima do limite máximo, nada ter sido transferido para o Fundo de Fomento Cultural (FFC).

A alteração à Lei da Cópia Privada em 2015 não gerou, na altura, consenso. Entre as várias novidades, ficou estabelecido que a AGECOP deveria recolher toda a taxa paga pelos cidadãos, mas só poderia ficar com um máximo de 15 milhões de euros. O restante valor deveria ter sido transferido para o FFC, um fundo autónomo administrado por entidades públicas com o objetivo de apoiar e promover diversas atividades dos vários ramos da cultura.

A taxa visa compensar o possível “e discutível”, de acordo com a D3, prejuízo que o autor sofre quando um cidadão faz uma cópia privada, ou seja, uma cópia para uso exclusivamente privado, a partir de uma obra a que acedeu de forma legal.

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Até há pouco tempo, a AGECOP recolheu sempre menos de 15 milhões de euros, apesar do aumento exponencial no valor das receitas desde 2015. Em 2018, a associação recolheu um valor um pouco superior a esse limite, mas, como nota no relatório de contas de então, decidiu constituir uma “reserva ad hoc” de 1,45 milhões e, por isso, considerou nada a haver a transferir para o FFC.

Mais recentemente, em 2019, o valor passou para um pouco mais de 23 milhões de euros, uma subida de 45,62% em relação ao valor alcançado no ano anterior. A associação voltou a fazer uma “reserva ad hoc”, desta vez no valor de 8.267 milhões de euros. "Feitas as contas, o valor contabilizado pela AGECOP foi de 14,975 milhões de euros (ligeiramente abaixo do limite dos 15 milhões de euros), pelo que o FFC irá então receber o mesmo de sempre: zero", comenta a D3.

De notar, no entanto, que, como explica a D3, esta questão não vai estar em cima da mesa no relatório de 2020. No início do ano, um artigo do Orçamento de Estado suprimiu por completo o limite de 15 milhões de euros, pelo que todo o valor pode ficar para a AGECOP.

D3 alerta para "milhões" que vão apoiar um setor em "profunda crise"

"Com o setor da cultura a atravessar muito provavelmente a maior crise da sua história, os mais de oito milhões de euros que deveriam ter sido este ano transferidos para o FFC poderiam ser uma preciosa ajuda", considera a D3.

Para além de apoiar e promover diversas atividades dos vários ramos da cultura, o fundo pretende também ajudar “individualidades que se distinguiram pelo contributo relevante no exercício da sua atividade profissional de artista, intérprete ou autor e que se encontram em situação de extrema carência económica, por falta de meios de subsistência”, através da atribuição de subsídio de mérito.

O que diz afinal a diretiva sobre a taxa da cópia privada?

A directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001 permite, mas não obriga, à existência da taxa da cópia privada, de acordo com vários parâmetros. Num dos pontos, o documento esclarece que a compensação equitativa deve ter em conta as circunstâncias específicas de cada caso e na avaliação dessas circunstâncias, o principal critério será o possível prejuízo resultante do ato em questão para os titulares de direitos. A diretiva determina, ainda, que “em certas situações em que o prejuízo para o titular do direito seja mínimo não há lugar a obrigação de pagamento”.

Em Portugal, a D3 garante que “o legislador nunca demonstrou o processo que o levou a chegar ao valor da taxa”. Mas dadas as circunstâncias, a associação considera que “seria de esperar que, em Portugal, o possível prejuízo resultante do ato da cópia privada fosse mínimo, e, portanto, não houvesse lugar a taxa”.

Por outro lado, “seria também expectável que, nos países que optam por cobrar a taxa, o valor cobrado viesse progressivamente a diminuir ao longo dos anos, em virtude de mudanças tecnológicas”, explica. Algo que não está a acontecer no país.

A cópia privada visa alegadamente compensar um alegado prejuízo na realização de cópias feitas exclusivamente para fins privados, como por exemplo passar músicas do CD para o MP3. “Ora, já ninguém faz isso”, recorda a D3. Para além disso, de acordo com a associação hoje em dia a grande forma de consumo é o streaming, “pelo que existem muito menos cópias privadas a ser realizadas”.

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Garantindo que “em Portugal o valor da taxa tem razões que a própria razão - e a lei – desconhece”, a D3 faz referência a um exemplo concreto, com um disco rígido de 2 TB, “que nas lojas portuguesas da especialidade custa cerca de 70 euros”. Neste caso, a taxa é de 7,50 euros, apresentando uma taxa de cópia privada no momento da compra que representa mais de 10% do seu valor.

Um outro ponto em que a Lei da Cópia Privada não cumpre a diretiva europeia diz respeito à distribuição da taxa da cópia privada. A D3 alerta que os editores continuam a receber parte da taxa, contra a diretiva europeia.

Renovação da lei da cópia privada não escapa de polémica em Portugal

Para além do limite estabelecido para a associação, a diretiva estabeleceu ainda que smartphones, tablets, computadores, discos externos, cartões de memória e até pens USB passavam a estar sujeitos a uma taxa que incidirá sobre a quantidade de armazenamento que cada equipamento tem.

Recorde-se que a renovação da lei da cópia privada foi feita com bastante polémica, incluindo nas mais altas esferas políticas: o Presidente da República tinha vetado a proposta de lei, mas foi obrigado a promulgar a iniciativa do Governo, não tendo deixado no entanto de enviar os seus "recados" aos deputados do Parlamento.

Do lado da sociedade civil existem argumentos para os dois lados: a GDA ficou satisfeita com a aprovação, mas considerou que algumas taxas a serem aplicadas são altas; a AGECOP também ficou satisfeita com a aprovação, mas lamenta a demora da atualização; já do lado contra existem as posições da AGEFE que falou num imposto encapotado, da APED que classifica o processo legislativo como pouco claro e da APRITEL que considerou que a lei da cópia privada nem deveria ser aplicada ao ambiente digital.