O destino escreve-se ou somos nós que o escrevemos? A pergunta dá “pano para mangas”, mas a verdade é que a resposta também depende de cada pessoa. Joana Oliveira Rosado tem procurado escrever o seu. Está há quase 10 anos em Eindhoven, nos Países Baixos, onde chegou como “penetra” a uma feira de emprego numa universidade, depois de decidir que ia fazer a tese de mestrado fora de Portugal para facilitar o acesso a uma carreira internacional.

Ali fez o contacto com a empresa onde faria a tese. Lá descobriu e foi descoberta pela empresa onde viria a trabalhar logo depois. A empresa em questão é a ASML, umas das mais valiosas da Europa (com uma capitalização bolsista a rondar os 250 mil milhões de euros), num sector onde o velho continente ambiciona fazer muito mais do que faz hoje. A ASML desenha e produz sistemas de litografia para a indústria de semicondutores. “Fornecemos as máquinas que vão desenhar o cérebro do chips, que em todo o processo de fabrico é o passo mais importante porque é o que lhe vai dar as capacidades e funcionalidades que tiver”, explica a engenheira. Entre os clientes da companhia estão nomes como a TSMC, Samsung ou Intel.

A ASML fabrica várias gerações de máquinas, com tecnologias diferentes, para chips também eles com características diferentes. Joana trabalha com sistemas EUV – Extreme Ultraviolet, utilizados nas máquinas mais avançadas da empresa, únicas no mundo. Estas máquinas conseguem moldar estanho fundido em gotículas com um terço da espessura de um cabelo humano e transformá-las em plasma quase 40 vezes mais quente que a superfície do sol. Repetem a sequência 50 mil vezes por segundo. O detalhe do processo permite imprimir uma quantidade inigualável de detalhes no “cérebro do chip”, que no produto final vão traduzir-se em mais funcionalidades, melhor performance, etc.

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Joana Rosado tinha sete anos quando o pai foi convidado para trabalhar na Holanda. “Digamos que foi onde tudo começou, onde tive a primeira experiência de realmente estar num ambiente completamente diferente, de começar a vida do zero. Com sete anos adaptamos-nos facilmente a algo novo e gostei muito”. Dos sete aos 10 anos estudou numa escola Internacional com colegas de todas as partes do mundo, “até de países que nunca tinha ouvido falar”. Mais tarde o pai foi trabalhar para o Brasil e a família voltou a acompanhá-lo, durante mais cinco anos.

O fim do secundário já foi feito em Portugal, assim como a formação superior em engenharia e gestão industrial, no Instituto Superior Técnico. Portugal sofria à data os efeitos de uma crise internacional.

“Foi nessa altura que pensei, ok, se calhar o meu futuro não será em Portugal e tenho mesmo de procurar novas oportunidades lá fora. Já tinha vivido aquelas experiências todas ao longo da minha vida e visto o tanto que o mundo tinha para dar”.

Tinha chegado a hora de voltar a fazer o caminho, desta vez por conta própria. Apontou a Eindhoven, a primeira cidade onde morou fora de Portugal, porque sabia que tinha boas universidades técnicas na sua área e descobriu que várias escolas organizavam eventos com empresas que se queriam dar a conhecer aos estudantes. “Marquei um voo, infiltrei-me num desses eventos, na Universidade de Delft. Dei-me a conhecer ao máximo de empresas possível e daí resultou uma oportunidade para preparar a tese e fazer o estágio numa empresa na Holanda”. Mudou de país em fevereiro de 2015.

A empresa em questão era um dos maiores fornecedores da ASML, que até ali nem sequer conhecia, e acabou por ser o passaporte para a tecnológica, porque quando atualizou o perfil no LinkedIn a dizer que lá estava foi "bombardeada com oportunidades de emprego na ASML”. Esperou até acabar o mestrado e a tese, recuperou os contactos, foi chamada para uma entrevista e foi selecionada.

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Na ASML começou como engenheira industrial, a traduzir funcionalidades das máquinas em procedimentos para os operadores que as iam usar ou reparar. Passou por um cargo mais técnico, de performance integration - análise e resolução dos problemas que iam surgindo aos clientes - e avançou depois para a gestão de projetos. Estreou-se com um projeto pequeno, centrado na automação dos processos que ainda eram manuais nas linhas de produção da empresa.

Há quatro anos abraçou um projeto maior: a conceção de uma nova geração de máquinas. Foi a lisboeta que se propôs aos diferentes cargos, à medida que foi percebendo que estava pronta. A atual função de Senior Project Leader, num projeto que centra todas as atenções da empresa e dos clientes é a que envolve mais pressão, admite, sobretudo nesta fase final. O hardware está pronto, falta montar as peças do puzzle e fazer testes: integrar hardware, software, firmware e validar que é possível atingir todas as especificações previstas no papel.

“Esta é a máquina mais recente da ASML. Estou a trabalhar numa máquina que ainda não existe nos clientes. Está a ser desenvolvida do zero e a quantidade de novos componentes e novas funcionalidades… o delta que esta máquina traz face às versões anteriores é muito grande”, antecipa.

“Se me perguntarem, de 1 a 10, qual é o nível de pressão no departamento onde trabalho vou dizer que é 100”, mas os argumentos que a levaram a propor-se ao desafio continuam a valer. “Muitas pessoas que fazem gestão de projeto não começam necessariamente na fase A. Eu queria ter essa experiência de A a Z, desde o conceito, testes, desenvolvimento até à primeira encomenda”. Quando se candidatou à posição teve essa oportunidade porque o projeto estava no início. “Sou o tipo de pessoa que não fica à espera que as coisas aconteçam, sou exatamente o oposto”, admite Joana, e a ASML é uma empresa que deixa espaço para isso. Tem “processos bem-definidos, um sistema de avaliação claro e objetividade no tipo de oportunidades que cada pessoa tem, de acordo com o nível em que está”.

Este é um dos aspetos positivos da experiência na multinacional que emprega mais de 40 mil pessoas, na sede, que é onde Joana Rosado está. ficam cerca de metade. Outro é a riqueza cultural de trabalhar com pessoas de mais de 200 nacionalidades. “Gosto bastante de trabalhar num ambiente assim aberto. Conseguimos aprender com perspetivas diferentes”.

A maternidade recente fez aumentar as saudades da família e valorizar a proximidade de uma rede de apoio, ao mesmo tempo que as viagens a Portugal ganharam uma logística mais complicada. Joana, casada com um português que trabalha na mesma empresa, diz que voltaria para o país “se encontrasse as condições certas para continuar a desenvolver a minha carreira sem me sentir estagnada”. Reconhece que é ambiciosa e sabe que sem um ambiente desafiador não seria feliz. Neste momento não identifica este tipo de oportunidades em Portugal e por isso “ainda faz sentido estar na Holanda”.

Este artigo integra o Especial "À procura de uma vida "melhor"… porque sai cada vez mais talento qualificado de Portugal e o que encontra no destino?" com vários textos que pode ler no SAPO TEK ao longo dos próximos dias.