Este ano o Dia da Internet Mais Segura, que se assinalou a 8 de fevereiro de 2022, coincidiu no tempo com uma vaga de ataques informáticos sem precedentes em Portugal, quer em termos de impacto, quer em mediatização. No dia anterior a Vodafone Portugal foi alvo de um ataque informático que caracterizou como “um ato terrorista”, realizado com o objetivo de paralisar a empresa, com efeitos que se estenderam muito para além dos mais de 4 milhões de clientes a operadora e que persistiram durante vários dias.

O crescimento do nível de ameaças é real e tem sido comprovado por todos os indicadores, que mostram também que o nível de preparação dos utilizadores e das empresas não evolui ao mesmo ritmo. E por isso é preciso aumentar as campanhas de formação e sensibilização, área onde se enquadra a realização do Dia da Internet Mais Segura, promovido em Portugal pelo Consórcio Centro Internet Segura, que também estendeu as iniciativas por todo o mês de fevereiro.

Mas estamos realmente num mundo digital cada vez menos seguro? Em entrevista ao SAPO TEK, Sofia Rasgado, coordenadora do Centro Internet Segura, lembra que as ameaças à segurança na Internet são múltiplas e, muitas delas, historicamente persistentes. “A verdade é que a Internet não foi desenvolvida tendo a segurança como a principal preocupação”, justifica.

As ameaças têm origem em diferentes agentes, desde cibercriminosos a Estados, passando por indivíduos isolados com intenções diversas. “Estes agentes aproveitam vulnerabilidades técnicas dos sistemas, mas também as vulnerabilidades humanas no uso desses mesmos sistemas”, defende Sofia Rasgado, acrescentando que esta é precisamente uma das tendências que persiste, “a do aproveitamento das fragilidades do fator humano na utilização das tecnologias digitais, nomeadamente através de phishing e variadas técnicas de engenharia social (manipulação das pessoas)”.

Ao mesmo tempo que a tecnologia evolui há também uma evolução dos métodos de ataque, aproveitando a falta de literacia dos utilizadores. Sofia Rasgado avisa que esta iliteracia digital é também “fruto de uma transformação digital acelerada que não é acompanhada pelo ritmo de adaptação da sociedade” e sublinha que só a literacia não é a solução para tudo.

“Mesmo quando há literacia, por vezes ela não é suficiente para que haja cuidado e atenção na utilização. Quer no contexto privado, quer no profissional, o cuidado que tenhamos no uso de palavras-passe ou na resposta a emails, por exemplo, é crítico para a nossa segurança e das organizações a que pertencemos”, afirma Sofia Rasgado.

A coordenadora do Centro Internet Segura junta ainda às ameaças a criminalidade organizada e as estratégias de influência geopolítica. Mas aponta também “as que resultam das relações sociais regulares, as quais encontram na Internet, frequentemente, um catalisador de violência e agressão”. “Relativamente a estas, também é importante estarmos atentos, na medida em que podem enquadrar-se em ações criminosas e sobretudo pouco saudáveis do ponto de vista psicológico e social”, sublinha.

Mais tempo online é igual a maior risco?

Os dados partilhados pela consultora internacional data.ai, anteriormente conhecida como App Annie, mostram que, em 2021, 7 em cada 10 minutos online foram passados em redes sociais ou aplicações de fotos e vídeos. E o tempo passado na internet está também a crescer com a análise a contabilizar que globalmente fora gastas 950 mil milhões de horas pelos utilizadores “ligados” aos seus smartphones Android.

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Sofia Rasgado admite que quanto mais tempo de uso de Internet, e mais pessoas a utilizá-la, maior a exposição ao risco. Há mais visibilidade em relação a agentes ameaçadores e mais interceções com as formas usadas para capturar vítimas, mas também questões de desequilíbrios. E por isso aponta “o risco que o uso excessivo da Internet, como de qualquer outro meio, pode trazer para o equilíbrio psicológico dos indivíduos relativamente a outras dimensões da vida, aspeto estudado, por exemplo, pela Ciberpsicologia”.

Ainda assim, destaca que num contexto de crescente digitalização, um uso mais generalizado e por mais tempo pode ser uma consequência inevitável. “Nesse caso, há que compensar esse uso com um cuidado acrescido, que se torne natural”, acrescenta.

Também o contexto de pandemia que vivemos há quase dois anos, e que levou a períodos de isolamento forçados, com maior recurso a meios digitais para comunicação, estudo e trabalho, substituindo atividades presenciais por digitais, tem um impacto não displicente, e que ainda é difícil de medir.

“As consequências que esta situação terá nos jovens, no pós-pandemia, ainda não sabemos. Só com o tempo será possível fazer essa avaliação”, explica Sofia Rasgado, adiantando que “uma das possibilidades é determinados usos que surgiram com a pandemia resistirem e continuarem a ser usos depois da pandemia”.

O aumento do número de utilizadores poderá também significar que muitos dos novos utilizadores não possuem ainda a devida literacia relativamente à segurança na Internet, uma preocupação acrescida.

São só os mais jovens os alvos mais fracos?

Muitas vezes a preocupação com a segurança na internet centra-se nos mais jovens, a quem se pretende proteger de conteúdos violentos, de cariz sexual e extremista, mas também de contactos não solicitados, provocadores ou que criem ameaças, como o Bullying online. Mas Sofia Rasgado admite que os mais jovens são muitas vezes os que mostram ter um discurso mais consciente em relação à segurança na internet. “O risco que correm com a maio exposição pode ser mitigado com um maior conhecimento”, afirma, lembrando ainda assim que os jovens estão num período da vida com características específicas que podem promover comportamentos de risco, e aí o seu conhecimento sobre boas práticas pode não ser aplicado.

Já os grupos etários mais elevados, dos seniores, “têm claramente um discurso menos consciente”. Embora usem menos as tecnologias digitais, quando usam, por vezes, correm riscos que são fruto do desconhecimento.

A coordenadora do Centro Internet Segura reconhece que “faz sentido falar de grupos específicos precisamente porque encontramos variações etárias, de formação e de género no que ao discurso sobre a cibersegurança diz respeito: tendencialmente, as pessoas mais jovens e as pessoas com formação mais elevada têm um discurso mais consciente”. Mesmo assim avisa que “como estamos a falar com base em estudos sobre perceções, não podemos ter a certeza quanto às ações concretas de ciber-higiene praticadas pelos indivíduos, mas podemos pelo menos identificar níveis diferentes de consciencialização sobre a matéria”.

Mais transparência precisa-se

Questionada sobre a utilização de algoritmos e dos chamados “padrões negros” que já estão na mira das autoridades, Sofia Rasgado sublinha que um dos fatores mais importantes para termos um uso saudável das tecnologias é a transparência. “Na medida em que as tecnologias, através das funcionalidades que proporcionam, condicionam a diversidade de escolhas que podemos fazer no nosso quotidiano, é muito importante compreender quais os critérios utilizados na configuração das aplicações e plataformas digitais que utilizamos”, defende.

Para a responsável, se as tecnologias provocam, por exemplo, mais dependência e usos compulsivos, e isso é promovido por configurações específicas resultantes de algoritmos opacos, então isso poderá ser conhecido e colocado a consideração pública.

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