Ser professora de português, pediatra e designer eram alguns dos desejos de Clara Silva em criança, mas a vida acabou por lhe trocar as voltas. Agora, com 27 anos de idade, a ilustradora portuguesa tem uma conta de Instagram onde é seguida por mais de 100.000 pessoas, onde é a Clara Não. É aqui, e não só, que explora de forma criativa temas como o humor, feminismo e amor e, como conta ao SAPO TeK, o objetivo está bem traçado: “o que procuro mostrar é que, se tentarmos agradar a todos, a única pessoa que não vamos agradar é a nós mesmos”.

Natural de Grijó, Vila Nova de Gaia, Clara Silva admite que “tinha medo de ser contra corrente” na sua infância. No entanto, não demorou muito até estranhar determinados comentários e pensamentos sobre as mulheres. Em casa os pais dividiam tarefas e até era o seu pai quem mais cozinhava, uma realidade que muitas vezes não encontrava noutros contextos.

Licenciada em design de comunicação pela Faculdade de Belas Artes do Porto, foi ao entrar na faculdade em 2011 que Clara começou a procurar informar-se mais sobre o feminismo e o papel da mulher na sociedade. Três anos depois partiu para uma aventura “marcante” no seu percurso, ao optar por fazer Erasmus em Roterdão, Holanda. "Foi a primeira vez que fui mesmo independente", garante. Mais tarde, tornou-se mestre em desenho e técnicas de impressão.

Ainda durante a faculdade, a artista portuguesa trabalhou na associação de estudantes, mas não se ficou por aí e decidiu ser dj. No que diz respeito à sua área de formação, foi também nesta fase que aproveitou para testar aquilo que realmente funcionava. “Comecei a desviar-me cada vez mais conforme aquilo que me fazia mais feliz”, conta.

“O design era uma espécie de rio e eu ia experimentando os afluentes para ver se dava”, conta Clara Silva

Foi no final da licenciatura, por volta de 2015, que criou a conta Clara Não no Instagram, onde juntou o útil ao agradável: o gosto pela ilustração e escrita criativa. Um ano depois vendeu o seu primeiro fanzine em Portugal e em Londres, trabalho que surgiu de sentimentos com os quais “não sabia como lidar”.

Desde então que Clara tem sempre a companhia de “fiéis amigos” onde as suas ideias ficam guardadas: uns “caderninhos”. A artista inspira-se também em acontecimentos da vida pessoal, naquilo que observa ou do que as pessoas lhe contam, não deixando de parte também a leitura.

Um dos
Um dos Fotografia retirada da página de Facebook de Clara Não

Com algumas publicações a gerarem polémica, Clara admite que se depara com alguns insultos. “Normalmente se conheceres essa pessoa na vida real parece que não mata uma mosca, mas, como tem aquele ecrã, que é como se fosse uma barreira, parece que ganha uma confiança exorbitante para me chamar todos os nomes do mundo”, refere. A ilustradora garante, no entanto, que é algo que não a “massacra”, apesar de ficar muito mais satisfeita com comentários positivos.

A importância do amor próprio numa Internet repleta de “filtros”

E o que pretende Clara Silva com o seu trabalho? “O que procuro mostrar é que, se tentarmos agradar a todos, a única pessoa que não vamos agradar é a nós mesmos”, frisando, ainda assim, que com isto não quer correr o risco de entrar numa “secção de individualismo”.

As redes sociais e a globalização da comunicação vieram dificultar a tarefa de cada pessoa gostar efetivamente de si própria, uma vez que o termo de comparação é muito mais amplo. No caso das redes sociais em concreto, a ilustradora mostra-se preocupada com a “falta de honestidade”, dando um exemplo prático como os filtros do Instagram.

“Há pessoas que não se atrevem a publicar uma história (no Instagram) sem um filtro”

Apesar de existirem cada vez mais páginas feministas, Clara considera que “continua a haver uma opinião geral de que o teu corpo não é teu”, mas sim que “é da opinião dos outros”. No fundo, “parece que nunca há um ideal” e, por isso, defende que “não vale a pena andarmos a compararmo-nos umas às outras porque ninguém é perfeito”.

Procurando não mostrar muito da sua vida profissional nas redes sociais, a também autora do livro “Miga, esquece lá isso!” deixa uma certeza: “Eu sou tudo o que a Clara Não é, mas há mais de mim do que aquilo que eu mostro”.