Arranca a um de Julho a obrigatoriedade para os médicos de prescrever electronicamente as receitas que beneficiam de comparticipação do Estado. Depois de uma revisão da data estipulada para o avanço da medida, primeiro apontada para Março, o processo está em marcha. Embora vários actores envolvidos denunciem atrasos e o período seja de transição política, a Autoridade Central do Sistema de Saúde - ACSS assegura estar a trabalhar para dar cumprimento ao que está previsto na legislação.



“A ACSS tem vindo a trabalhar no pressuposto da obrigatoriedade da prescrição electrónica para obtenção da comparticipação do Estado a partir do dia 1 de Julho, tal como o referido na portaria n.º 198/2011, de 18 de Junho”, explica fonte oficial do organismo. O Ministério da Saúde remete todos os esclarecimentos sobre o processo para a ACSS.



Para que a legislação avance e os médicos possam prescrever electronicamente as receitas com direito a comparticipação é necessário recorrer a software certificado pela ACSS. O processo teve início há cerca de dois anos e já sofreu algumas alterações, com os requisitos técnicos solicitados a serem revistos.



A duas semanas da data legal para entrada em vigor das novas regras - que determinam a não comparticipação de medicamentos nas receitas que não forem prescritas electronicamente a partir de software certificado para o efeito - a ACSS faz um ponto de situação.



O organismo explica que “neste momento existem 14 produtos de software certificados, que são detidos por 12 empresas do mercado dos sistemas e tecnologias de informação e comunicação”.
No entanto, “encontram-se em processo de certificação 29 produtos de software (incluindo as 14 re-certificações)”.



Tendo em conta estes dados, conclui-se que neste momento nenhuma empresa do mercado está legalmente apta a cumprir com os requisitos legais, assim como as muitas empresas que atempadamente trataram do processo e adoptaram software certificado (e entretanto desactualizado) para o efeito.



A ACSS também explica que existem ainda “50 empresas que solicitaram a realização de testes de conformidade e como tal são potenciais candidatas à certificação”.



O organismo ainda não confirmou ao TeK se tem condições para concluir os processos de certificação que estão pendentes nos próximos dias, ou se está a ser considerado um período de transição, durante o qual o software que aguarda re-certificação pode ser usado. Novos atrasos na introdução da obrigatoriedade da prescrição electrónica também ninguém admite para já, mas as próprias software houses reconhecem que do lado dos prestadores de cuidados de saúde também há atrasos.



Marta Gonçalves, directora de operações da Evolute, admite que esta nova obrigação legal acabou por ter um peso importante na empresa, principalmente ao nível do posicionamento estratégico. Para responder a esta exigência do mercado, a Evolute deixou de dirigir todos os seus esforços aos projectos com grandes contas, mais focados no desenvolvimento de software à medida e criou uma oferta que especificamente respondesse à procura que surgiu da mudança iminente da legislação.



O impacto dessa mudança sente-se há meses, mas foi em Fevereiro que a procura de soluções informáticas que cumprissem os requisitos legais aumentou – quando ainda se previa que a legislação entrassem em vigor em Março. Com o alargamento do prazo para Julho muitos dos contactos que a empresa recebeu ficaram em stand-by, voltando em Junho. Ao longo deste mês a Evolute também tem recebido contactos de empresas que estão à procura pela primeira vez de uma solução informática nesta área.



“Creio que muitas empresas não têm noção do que é o processo de certificação e dos vários passos que envolve”, acredita a responsável.



Depois de escolhido o software, os prestadores de serviços têm de comunicar a escolha à ACSS, que reconhece a validade do produto e emite códigos que identificam cada interlocutor perante o sistema de saúde, um processo que se tem revelado longo e de muita espera.



“Há alguma ansiedade no mercado”, admite Francisco Duarte, presidente da Mobilwave, outra empresa portuguesa com software de prescrição certificado. O aproximar do prazo legal para a introdução da medida e a demora na re-certificação de entidades e na validação dos sistemas electrónicos escolhidos por cada prestador de cuidados de saúde serão as principais razões.



70% das prescrições de medicamentos já são electrónicas

Vale no entanto a pena sublinhar que mais de “70 por cento da prescrição que é comparticipada é informatizada”, como confirma a ACSS. No público, aliás, a maioria das prescrições já é electrónica, a legislação afecta por isso sobretudo o sector privado.


É também de destacar que, embora nem ministério nem ACSS admitam para já a possibilidade de novos atrasos na introdução da obrigatoriedade da prescrição electrónica, a ocorreram a margem é curta. O tema está mencionado no acordo da Troika, onde se prevê que a medida seja implementada durante o terceiro trimestre do ano, que se inicia precisamente a um de Julho.




Quando entrar em vigor, a medida será um primeiro passo num processo mais longo e ambicioso. “De uma forma faseada e progressiva, os próximos passos podem ser sistematizados nas seguintes linhas de actuação”, explica a ACSS: “identificação das fontes de autenticação dos prescritores, tarefa a realizar em conjunto com as ordens profissionais; dotar as infra-estruturas tecnológicas dos mecanismos de segurança e redundância adequados; desenvolver as componentes aplicacionais necessárias à interacção com as farmácias”. Este último objectivo vai permitir a dispensa electrónica de medicamentos nas farmácias e criar condições para a integração entre sistemas de informação.



Pelo caminho, as software houses portuguesas da área já estão a ganhar. Como admite Francisco Duarte “até há pouco tempo uma boa parte dos prestadores de cuidados de saúde que não estavam informatizados ou estavam muito pouco. Foram obrigadas a modernizar-se e muitos aproveitaram para ir um pouco mais além” daquilo que lhes é imposto legalmente. Muitas empresas acabaram por aproveitar a oportunidade para avançar com o processo clínico electrónico, que implica a informatização das várias áreas da sua estrutura e da interacção com o doente.



Deste de universo de oportunidades de negócio ou de modernização – dependendo da perspectiva – fica fora uma franja reduzida do mercado. A prescrição electrónica chegará a 95 por cento das receitas comparticipadas. São excepções contempladas no diploma legal, as prescrição ao domicílio, situações de falência do sistema electrónico ou quando os médicos têm um volume de prescrição reduzido.



As situações de excepção que a legislação acaba por configurar eram precisamente uma das preocupações manifestadas pela Ordem dos Médicos relativamente à introdução da prescrição electrónica. Também contactada pelo TeK a Ordem não se mostrou disponível para responder a questões.


Cristina A. Ferreira