A posição de força dos serviços de mensagens que oferecem comunicações encriptadas de ponta a ponta, contra a nova legislação britânica para a segurança na internet, está a endurecer. Esta terça-feira, representantes de várias empresas, entre as quais o WhatsApp, assinaram uma carta aberta, onde reafirmam que as medidas previstas na Online Safety Bill são inaceitáveis e impraticáveis.

A proposta legislativa do governo britânica foi apresentada ainda quando Boris Johnson liderava o Governo. Espera-se que chegue a uma versão final antes do verão, já depois de várias alterações, que ainda não removeram do texto aquilo que os prestadores de serviços de comunicações encriptadas querem ver anulado.

Um dos propósitos da nova lei é reforçar a segurança dos jovens online e uma das formas será monitorizar possíveis conteúdos abusivos, antes destes chegarem aos destinatários. Isso implica alterar a grande premissa de serviços como o WhatsApp e outros, que dão ao utilizador a garantia de que só o remetente e destinatário de uma mensagem conseguem aceder ao seu conteúdo.

Em março, o WhatsApp já tinha dito que não faz sentido colocar em risco a privacidade de todos os utilizadores britânicos, abrindo a possibilidade do conteúdo de qualquer mensagem passar a poder ser monitorizado por terceiros. Também se mostrava indisponível para mudar o serviço apenas para um país, quando 98% dos seus clientes estão fora dele. A ameaça indireta de uma saída do Reino Unido, se a legislação avançasse, ficou no ar e foi agora reafirmada à BBC, na sequência da divulgação da carta.

"Enfraquecer a encriptação, minar a privacidade e introduzir a vigilância em massa das comunicações privadas das pessoas não é o caminho a seguir", refere a carta assinada por responsáveis do WhatsApp, Signal, Viber, Wire, Threema, Element e Oxen (uma fundação para a defesa de direitos da privacidade).

Os subscritores defendem que, na fórmula atual, a Online Safety Bill abre portas a uma "vigilância rotineira, geral e indiscriminada" de mensagens pessoais, que pode funcionar como um incentivo para a criação de outras leis idênticas, por governos com propósitos menos nobres. Por estas e outras razões, “os fornecedores de produtos e serviços globais de encriptação ponta-a-ponta não podem enfraquecer a segurança dos seus produtos para satisfazer governos individualmente”. Os subscritores da carta aberta asseguram ainda que, ao contrário do que o Governo britânico alega, “não é possível” criar um meio de monitorizar mensagens, sem impacto na privacidade e no nível de encriptação dos serviços.

Matthew Hodgson, CEO da Element, diz mesmo que a proposta de lei britânica “é uma violação gritante da privacidade…equivalente a pôr uma câmara de videovigilância em cada cama”.

A posição, posta em termos mais ou menos radicais, é partilhada por outras empresas não representadas nesta carta aberta, como o serviço de email Proton, que também manifestou à BBC a preferência por deixar de investir e prestar serviços no Reino Unido se a legislação avançar, face à possibilidade de alterar as garantias de privacidade que hoje dá a quem usa a plataforma.

Governo e organizações de defesa dos direitos das crianças mantêm que a posição dos operadores é exagerada. Representantes do executivo têm sublinhado que o que se pretende é manter em aberto a possibilidade de pedir às plataformas para monitorizarem conteúdos, quando há razões fortes para isso, mantendo as salvaguardas de privacidade por defeito. “Defendemos a encriptação”, sublinhou um porta-voz do Governo em declarações citadas pela BBC, “mas isso não pode sacrificar a segurança pública”.

"As empresas tecnológicas têm o dever moral de garantir que não se bloqueiam a si próprias nem à aplicação da lei, perante os níveis sem precedentes de abuso sexual de crianças nas suas plataformas”, acrescenta a mesma fonte.

A National Society for the Prevention of Cruelty to Children assegura que os argumentos técnicos, sobre as dificuldades de cumprir este tipo de requisito são falsos. "Especialistas já demonstraram que é possível atacar o problema dos conteúdos abusivos e do aliciamento de crianças em ambientes encriptados de ponta a ponta", refere. O mesmo organismo sublinha a importância de legislação que possa criar mecanismos para controlar estes canais de comunicação, por ser por aí que passam muitos dos contactos com jovens que acabam em abusos.

A oposição ao Governo, que tem forçado algumas emendas ao texto inicial, também mostra cautelas em relação ao tema e defende que os termos destes pedidos de levantamento da encriptação das comunicações têm de ser bem definidos e regulados. No entanto, os democratas liberais, pelo menos por enquanto, não pedem a anulação da medida para deixar passar a Lei.

A Online Safety Bill prevê outras medidas de grande impacto para melhorar a segurança de quem navega online, como multas que podem chegar a 10% da faturação das empresas que não se empenhem em tomar medidas para prevenir fraudes online nas suas plataformas.