A popularidade das moedas digitais é algo que tem vindo a crescer exponencialmente e isso ficou comprovado na edição do ano passado do Web Summit quando o jornalista Joon Ian Wong, moderador do painel “Cryptocurrencies 101: Bitcoin, Ethereum and everything you need to know” começou por perguntar quem dos presentes tinha bitcoins e ethereum, as criptomoedas mais conhecidas.
E se as criptomoedas e a tecnologia blockchain geram entusiasmo, também são alvo de alguma desconfiança e confusão quer entre investidores, empreendedores e até entre os reguladores que, face à volatilidade e falta de proteção aos consumidores, têm emitido vários alertas para os riscos das "moedas digitais".
Também o grande fenómeno financeiro que são as ICOs (Initial Coin Offering) têm merecido especial atenção por parte de várias empresas que vêem neste formato uma opção de financiamento interessante e dos reguladores, cuja reação face às ICOs são muito díspares.
“As ICOs apresentam-se como um grande desafio para os reguladores, não existindo um consenso a nível mundial sobre qual a qualificação jurídica dos tokens e, consequentemente, quais os requisitos legais aos quais as ICOs deverão estar sujeitas”, esclarece a advogada Ana Nunes Teixeira em entrevista ao SAPO TEK.
A associada do escritório de advogados PLMJ refere que se tem assistido a reações muito diferentes por parte dos reguladores ao fenómeno que se tornou aquele que é um “meio de obtenção de financiamento junto do público através da criação e emissão de representações digitais de valor (denominadas de “tokens” ou “coins”) com recurso à tecnologia descentralizada de registo de dados denominada de blockchain”.
Ana Nunes Teixeira aponta os exemplos díspares da China e da Coreia do Sul, onde existiu uma “proibição absoluta do lançamento de ICOs e da realização transações em criptomoedas, devido aos seus efeitos disruptivos na economia” e dos Estados Unidos da América onde há a “concepção de que determinados tokens, dependendo das respetivas características, podem ser considerados valores mobiliários, passando, portanto, as ICOs que emitem esses tokens a serem consideradas atividades sujeitas à legislação financeira”.
Pelo meio, ainda há lugar à adoção de uma postura “Bitcoin-friendly”, através da “criação de mecanismos de acompanhamento legal das sociedades emitentes de ICOs (como acontece na Suíça e em Singapura)”, remata.
No entanto, independentemente da diversidade de direitos e funcionalidades conferidos pelos tokens e que levam à existência de ICOs com características muito diferentes entre si, ou da evolução contínua da tecnologia blockchain que lhes é subjacente, a advogada revela que há um ponto comum a seguir.
“A proteção dos investidores deverá ser uma das principais diretrizes da regulação das ICOs e na adaptação dos institutos jurídicos existentes a estas novas realidades, sendo essencial que a legislação acompanhe a inovação tecnológica na indústria, de forma a permitir que as empresas beneficiem destes novos meios de financiamento, potenciando a sua competitividade”.
Mas, quais são afinal os maiores receios e precauções que os investidores devem ter? Além da volatilidade extrema e do risco de bolha de mercado, a ausência de regulamentação específica da atividade e a sua vulnerabilidade a fraudes ou atividades ilícitas é também um dos riscos identificados pelos reguladores para os investidores que pretendam investir em ICOs.
Ana Nunes Teixeira aponta ainda a ausência de informação disponibilizada aos investidores nos white papers (documento que contém uma descrição técnica do produto ou serviço que se pretende desenvolver, a indicação do montante mínimo que se pretende angariar e o período em que poderão ser subscritos os tokens), o risco de perda da totalidade do capital investido em virtude do estado inicial do projeto financiado e o potencial de falhas na tecnologia blockchain, que ainda se encontra em desenvolvimento como factores de preocupação.
Não obstante todos estes pontos, a associada da PLMJ destaca o potencial da tecnologia blockchain no sector financeiro, cujo funcionamento através das ICOs pode funcionar como uma alternativa para as empresas que se encontrem numa fase em que é mais difícil aceder a outros meios de financiamento.
“As ICOs poderão contribuir para o preenchimento de uma lacuna existente no ciclo do financiamento das startups (o chamado funding gap) que consiste na limitação dos meios de financiamento disponíveis para as empresas que se encontrem entre a fase inicial de seedfunding e a fase seguinte, de early stage, não possuindo, portanto, ainda, rendimentos suficientes para serem atrativas a investimentos “série A”.
Recorde-se que, em Portugal, as empresas que queiram lançar uma ICO têm, primeiro, que consultar a CMVM de forma a que o regulador avalie a natureza jurídica do token que vai ser emitido. Caso o mesmo seja classificado como valor imobiliário, será aplicado o respetivo regime jurídico.
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