Por Pedro Fernandes (*)

Vivemos obcecados com a ideia de ampliar o uso da inteligência artificial. Todos querem fazê-lo. Mas, se olharmos com atenção, percebemos que o problema raramente está na inteligência em si, mas na falta de bases que a sustentem.

Segundo o estudo The Global Intelligent Delusion, desenvolvido pela Emergn, a maioria das organizações acredita que a IA vai gerar valor de negócio no curto prazo, mas mais de metade admite não ter as bases certas para a tornar realidade. Demonstra ainda que mais de 70% dos investimentos em IA continuam a não passar da fase experimental. A distância entre ambição e execução é cada vez maior. O desafio não é falta de visão, é falta de disciplina operacional. E essa disciplina nasce da forma como dados, IA e automação evoluem em conjunto.

Gosto de pensar nestas três dimensões como partes de um mesmo organismo: os dados são os sentidos, a IA é o cérebro e a automação é o músculo. Nenhum funciona isoladamente.

Os dados são o que nos permite perceber o mundo. São o ponto de partida para qualquer decisão inteligente. Se forem desorganizados, fragmentados ou descontextualizados, a IA só vai amplificar os erros. A qualidade, a confiança e o contexto dos dados continuam a ser o alicerce de qualquer sistema inteligente. Antes de se falar em algoritmos, é preciso falar em literacia de dados, governação e equipas capazes de transformar informação em conhecimento útil.

Com dados fiáveis, a IA torna-se o sistema nervoso da organização. Aprende, interpreta e prevê padrões invisíveis ao olho humano. Pode orientar decisões, antecipar riscos e revelar oportunidades. Mas quando fica confinada a projetos-piloto ou modelos isolados, nunca passa de uma promessa. O estudo The Global Intelligent Delusion da Emergn também revela que em muitas empresas, apenas uma em cada duas iniciativas de IA chega à fase de produção, e menos de 30% conseguem gerar valor mensurável. A verdadeira inteligência acontece quando o raciocínio da IA se integra no fluxo de trabalho, influenciando processos e pessoas em simultâneo.

E é aí que entra a automação, o músculo que transforma a intenção em ação. É ela que executa as decisões sugeridas pela IA, garantindo consistência, rapidez e escalabilidade. Quando automação e IA partilham o mesmo ecossistema de dados, cria-se um ciclo virtuoso: cada ação gera nova informação, que alimenta o fluxo inicial e conduz a decisões mais eficazes. Este ciclo permite evoluir de processos automatizados para operações inteligentes, onde a aprendizagem é constante e o desempenho melhora continuamente.

O problema é que, em muitas organizações, estas camadas vivem separadas. O mesmo estudo demonstra que mais de 60% das empresas ainda operam com equipas de dados, IA e automação isoladas entre si. As equipas de dados procuram precisão, as de IA perseguem inovação e as de automação concentram-se em eficiência. Falta-lhes uma linguagem comum, um propósito partilhado e, sobretudo, uma visão integrada. O resultado é previsível: muita tecnologia, pouca inteligência. Quando cada equipa otimiza apenas o seu domínio, o que se perde é o potencial do todo.

Para evoluir, é preciso alinhar estas três forças. Isto começa com dados limpos e contextuais, continua com a integração entre IA e automação e consolida-se com liderança orientada a produto e aprendizagem contínua. Inteligência não é um estado, é um processo em permanente evolução. E, como qualquer processo vivo, precisa de feedback, adaptação e uma cultura que valorize o erro como fonte de melhoria.

No fim, a mensagem é simples: não há IA inteligente sem dados confiáveis nem automação integrada. Escalar inteligência não é investir mais em tecnologia; é criar um organismo coerente, onde cada camada alimenta a outra.

(*) Automation Practice Lead na Emergn