A COVID-19 e as suas consequências económicas e sociais continuam a representar uma ameaça crítica para o mundo em 2022. As diferenças no acesso a vacinas e a consequente recuperação económica desigual correm o risco de agravar fraturas sociais e tensões geopolíticas.
As divergências globais vão criar tensões que podem piorar os impactos em cascata da pandemia e complicar a coordenação necessária para enfrentar desafios comuns, incluindo o fortalecimento da ação climática, o aumento da segurança digital e a gestão da competição espacial.
As conclusões fazem parte do “Global Risks Report 2022”, preparado para o Fórum Económico Mundial pela Marsh McLennan e pela Zurich, que apresenta os resultados da última edição do Global Risks Perception Survey (GRPS), seguidos da análise dos principais riscos decorrentes das atuais tensões económicas, sociais, ambientais e tecnológicas.
Num horizonte a 10 anos, a saúde do planeta domina as preocupações: os riscos ambientais são percecionados como as cinco ameaças de longo prazo mais críticas para o mundo, bem como as potencialmente mais prejudiciais para as pessoas e para o planeta, com “fracasso da ação climática”, “eventos climáticos extremos” e “perda de biodiversidade” como os três principais riscos mais severos.
Já os riscos tecnológicos como “desigualdade digital” e “falhas de cibersegurança” são ameaças críticas de curto e médio prazo para o mundo de acordo com os respondentes do GRPS, mas caem nas classificações de longo prazo e nenhum aparece entre os potencialmente mais graves, sinalizando um possível “blind spot” nas perceções de risco.
A mais recente edição do GRPS incluiu uma pergunta sobre os esforços internacionais para mitigação de risco. “Inteligência artificial”, exploração do espaço”, “ciberataques transfronteiriços e desinformação” e “migração e refugiados” são as áreas em que a maioria dos entrevistados acredita que o estado atual dos esforços de mitigação de risco está aquém do desafio, ou seja, os esforços estão na fase “não iniciada” ou “em desenvolvimento inicial”.
Em Portugal, o principal risco identificado para os próximos anos é a estagnação económica prolongada. Seguem-se as crises de dívida em grandes economias, em segundo lugar, e a crise de emprego e de subsistência, em terceiro. O top 5 português das preocupações inclui ainda a desigualdade digital e o colapso ou falha dos sistemas de segurança social, por esta ordem.
Transição climática desordenada irá agravar desigualdades
Os respondentes do GRPS classificam o “fracasso da ação climática” como a ameaça número um de longo prazo a nível global e o risco com impactos potencialmente mais severos na próxima década.
O relatório aponta que governos, empresas e sociedades estão a enfrentar uma pressão crescente para impedir piores consequências. No entanto, uma transição climática desordenada, caracterizada por trajetórias divergentes em todo o mundo e entre setores, irá separar ainda mais os países e bifurcar as sociedades, criando barreiras à cooperação.
Dada a complexidade das mudanças tecnológicas, económicas e sociais nesta escala, e a natureza insuficiente dos compromissos atuais, é provável que qualquer transição que alcance, em 2050, o objetivo de zero emissões (net zero goal) seja desordenada.
“Uma transição que não tenha em conta as implicações sociais irá exacerbar, ainda mais, as desigualdades dentro e entre países, aumentando atritos geopolíticos”
A adoção de políticas ambientais precipitadas também terá consequências indesejadas para a natureza – ainda existem muitos riscos desconhecidos da implementação de tecnologias biotécnicas e de geoengenharia não testadas, enquanto a falta de apoio público para transições de uso do solo ou novos esquemas de preços criará dificuldades políticas que retardam ainda mais a ação.
Ciberameaças intensificadas pela crescente dependência digital
Ao mesmo tempo que cresce a dependência dos sistemas digitais, crescem também as ameaças à cibersegurança. O relatório destaca que em 2020, os ataques de malware e ransomware aumentaram em 358% e 435%, respetivamente, e estão a ultrapassar a capacidade das sociedades de preveni-los ou de responder com eficácia.
Barreiras menores à entrada de autores de ameaças cibernéticas, métodos de ataque mais agressivos, escassez de profissionais de cibersegurança e mecanismos de “governance” adaptados à pressa agravam este risco.
Ataques a sistemas grandes e estratégicos acarretarão consequências físicas em cascata em todas as sociedades, enquanto que a prevenção, inevitavelmente, acarretará custos mais elevados. Riscos tangíveis, como desinformação, fraude e falta de segurança digital, também afetarão a confiança do público nos sistemas digitais.
“As maiores ameaças de ciberseguança também correm o risco de separar os estados se os governos continuarem a seguir caminhos unilaterais para controlar os riscos”
À medida que os ataques se tornam mais severos e de amplo impacto, as tensões já agudizadas entre os governos afetados pelo crime cibernético e os governos cúmplices da sua atuação aumentam, ao mesmo tempo que a cibersegurança se torna mais uma barreira para divergências - em vez de cooperação - entre os estados-nação.
Lixo pode limitar oportunidades no espaço
Nos últimos anos a atividade de exploração espacial aumentou, criando novas oportunidades, mas também sinalizando um domínio emergente de risco, particularmente com a crescente militarização e armamento desta esfera, sublinha o relatório.
Novos atores no mercado de satélites comerciais estão a causar disrupção na tradicional influência dos operadores incumbentes no espaço comum através de serviços de satélite, nomeadamente nas comunicações relacionadas com Internet.
“Um maior número e variedade de atores a operar na indústria espacial pode gerar atritos se a exploração e aproveitamento do espaço não forem geridas de forma responsável”
Com uma liderança global de regulação do espaço limitada e desatualizada e, em paralelo, com políticas divergentes a nível nacional, os riscos estão a intensificar-se, consideram os inquiridos.
Uma consequência da atividade espacial acelerada é o risco maior de colisões que podem levar a uma proliferação de detritos espaciais e impactar as órbitas onde estão alojadas infraestruturas para sistemas-chave para o planeta, danificar equipamentos espaciais valiosos ou desencadear tensões internacionais, aponta-se.
De acordo com as respostas, os instrumentos limitados de governance aumentam a probabilidade de a atividade espacial aumentar as tensões geopolíticas e os testes recentes de armas no espaço enfatizam esses riscos.
Considera-se igualmente que o aumento da atividade espacial também pode levar a impactos ambientais desconhecidos ou aumentar os custos de bens públicos, como a monitorização do estado do tempo ou a vigilância das alterações climáticas.
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