A Irlanda é conhecida pela excelência do seu ecossistema de aceleradores e incubadores de startups. Desde uma simples ideia à sua conceção e comercialização, existem espaço e oportunidades para todos tentarem criar o seu negócio com base tecnológica, ou pelo menos é isso que o Governo do país pretende. O ecossistema irlandês quer desenvolver um acesso mais fácil ao investimento, mas sobretudo a aconselhamento técnico e oferta de espaços físicos para empresas que estão na sua base embrionária.
A Enterprise Ireland é a organização que suporta as startups irlandesas nas suas diversas etapas, desde o início, ao respetivo scale-up e projeção internacional, um trabalho e papel equivalente à Startup Portugal. A entidade funciona como uma ponte entre o governo irlandês e as empresas e startups, respondendo às suas necessidades e financiamento. O SAPO TEK esteve em Dublin para visitar não só a Enterprise Ireland, como outros centros de inovação, incluindo a NovaUCD - University College Dublin, os dois hubs (Portal e tangente) de inovação da Trinity College Dublin, a Guinness Enterprise Centre e a Dogpatch Labs. Estes são considerados os principais centros de inovação, ajudando centenas de startups a encontrar o seu caminho e a se tornarem bem-sucedidas.
Entre as várias entrevistas destaca-se que existem diversos fatores para o sucesso da Irlanda no que diz respeito ao crescimento do ecossistema de startups no país. Além dos diversos hubs de aceleração e incubação existentes, também as taxas baixas cobradas pelo Governo às empresas que se fixem no país são importantes. Mas Leo Clancy, CEO da Enterprise Ireland, em entrevista ao SAPO TEK, procurou desmistificar um pouco esse ponto, referindo que se trata de parte da equação para muitas empresas, “mas não tanto como as pessoas pensam”. O talento é considerado o principal ingrediente para o investimento direto das empresas estrangeiras.
“O facto de sermos parte da Europa e um povo que fala inglês podem ser parte do motivo de investimento”, defende Leo Clancy, CEO da Enterprise Ireland.
O executivo salienta que a possibilidade de trabalhar com pessoas que compreendem a língua e ter um sistema jurídico comum na Europa são importantes. “Depois então se segue a questão das taxas como fator. E ainda temos o ambiente amigável para fazer negócios, por ser muito rápido a abrir uma conta bancária, assim como criar e registar um negócio rapidamente. Todos estes fatores ajudaram a criar um ecossistema muito atrativo”, refere.
No passado dia 29 de novembro realizou-se a sexta edição dos prémios Altice International Innovation Award, o concurso de inovação que procura projetos inovadores, num desafio direcionado às startups e academia. Este ano, foram submetidos 125 projetos, sendo que apenas nove chegaram à final, três por cada categoria, incluindo Startups, Academia e o prémio especial INCLUI. Este último dirigido a projetos focados na inclusão e diversidade, patrocinado pela Fundação Altice.
Este ano, a Altice Portugal decidiu alargar o espectro dos prémios a um nível internacional, com o convite da Irlanda, participando na grande final com duas startups, numa colaboração com a Enterprise Ireland. A irlandesa Inclusio foi a grande vencedora da categoria Startup, amealhando o prémio de 50 mil euros e a possibilidade de desenvolver um projeto-piloto para a Altice Portugal. A outra finalista irlandesa foi a seamlessCARE Empathic, na categoria INCLUI, dedicado a projetos de inclusão.
Leo Clancy esteve em Portugal na entrega dos prémios e salientou toda a organização do evento e hospitalidade do nosso país. Refere a qualidade das startups presentes na final, sobretudo em áreas que não esperava, tais como a sustentabilidade, além da grande diversidade no que diz respeito aos candidatos aos prémios. “A qualidade individual dos participantes foi espetacular em termos de resoluções de problemas em que estão a trabalhar. Fiquei muito impressionado”.
Explicando melhor o papel da Enterprise Ireland, Leo Clancy destaca que trabalham 800 pessoas na organização, a maioria na Irlanda, mas têm 180 pessoas espalhados por 40 escritórios fora do país. “Somos uma organização global e o nosso principal objetivo é criar empregos e benefícios económicos para a Irlanda, mas fazemo-lo através do sucesso global das empresas irlandesas”. No total existem cerca de 210 mil pessoas empregadas em startups na Irlanda, mas essas empregam cerca de 400 mil em todo o mundo.
O CEO da organização defende que esta é uma agência focada no desenvolvimento económico e a ajudar as empresas a serem bem-sucedidas globalmente. “Isso significa ajudá-las desde os seus primeiros passos do planeamento de como começar o seu negócio até ao suporte de algumas das maiores empresas irlandesas”.
Startups com elevado potencial têm departamento especial
Leo Clancy sublinha que qualquer pessoa ou startup tem a oportunidade de fazer parte deste ecossistema. Quando se fala em apoio, a primeira coisa que surge é a questão financeira, do investimento nas startups. Mas o envolvimento pode ser algo mais que dinheiro, diz Leo Clancy.
“Fazemos treino de empreendedorismo e existe um processo competitivo para entrar. Mas a um nível básico temos programas para as pessoas que começam a pensar abrir um negócio". explica Leo Clancy
Depois num primeiro nível são programas de financiamento através de prémios e de treino de empreendedorismo, que são bastante competitivos e "nem todos conseguem ser financiados ou participar nos programas avançados”. No entanto, deixa claro que todos têm a oportunidade de pensar sobre se conseguem ou não começar um negócio, o considera ser muito importante.
A Enterprise Ireland tem um departamento de operações para startups de elevado potencial (HPSU). Anna-Marie Turley, gestora desta unidade, explicou que a organização tem suporte tanto do ponto de vista financeiro, como não financeiro. Uma empresa de elevado potencial é considerada uma empresa que deseja exportar o seu produto ou serviços com potencial de crescer a 1 milhão de euros em vendas em três anos e capaz de empregar 10 pessoas. “Existem outros critérios, mas esta é a ambição geral”.
O departamento tem ainda a responsabilidade de alavancar o empreendedorismo feminino, trabalhando no conceito desde os primeiros níveis. Muitas empresas e startups de alto potencial começam numa primeira fase em hubs tecnológicos, como a Guinness Enterprise Centre, a Dogpatch Labs e as universidades.
A HPSU cobre diversas áreas, da tecnologia e serviços, alimentação, tecnológica médica, entre outros. São feitas análises às startups e identificam-se quais os promotores que podem ajudar a criar oportunidades para as mesmas. Da mesma forma que os seus escritórios no estrangeiro ajudam a identificar oportunidades de compra ou parceiros de negócio. Anna-Marie Turley reafirma, dessa forma, que nem sempre se trata de suporte financeiro, pode ser importante receber aconselhamento ou treino. “No fundo, trata-se de criar um ecossistema na Irlanda, em que muitos empreendedores com sucesso estão disponíveis para devolver ao sistema”. O objetivo é ajudar estas empresas com potencial a ficaram prontas para dar os passos seguintes, oferecendo, se necessário, ajudas financeiras e investimento nas mesmas.
Raízes do empreendedorismo no investimento das multinacionais
Traçando um perfil do ecossistema de startups irlandês, Leo Clancy realça a comparação do sector tecnológico dos anos 1970/80, com a chegada de tecnológicas tais como a Intel, Dell, Microsoft e outras, que trouxeram para o país tecnologia global. “A Apple começou em 1980 na Irlanda quando ainda era uma empresa muito pequena”. Assim, acredita que as raízes do ecossistema tecnológico de startups começaram pelo investimento das multinacionais no país, incluindo em áreas de ciência como farmacêuticas e medicina. Muitas pessoas que foram treinadas nas grandes empresas acabaram por começar os seus negócios e dessa forma a nascer as primeiras startups.
Por outro lado, afirma que o país sempre teve um forte sistema de educação, considerando que muitas das suas principais empresas têm raízes no ecossistema académico. Dá como exemplo a IONA Technologies, uma empresa cotada no final dos anos 1990, criada por três professores da Trinity College que decidiram começar um negócio de software. “Essas pessoas foram bem-sucedidas nas suas jornadas, tendo fundado múltiplas empresas, que foram crescendo ao longo dos anos”.
Ser um "unicórnio" não é o mais importante
Relativamente ao número de startups que a organização apoia, o executivo refere que são cerca de 125 por ano, através de suporte direto com financiamento. “Existem muitas outras startups que não têm o nosso investimento direto. Mas são uma boa métrica em termos de saúde do nosso ecossistema. Estamos a apontar trazer uma média de 150 startups por ano, nos próximos três anos”, destacando ainda que estão a projetar este aumento mesmo num período desafiante devido à situação económica global. “Estamos confiantes que conseguiremos fazer com que a Irlanda alcance esse número, pois existe muita capacidade no país”.
A Irlanda está a produzir entre seis a oito unicórnios, dependendo da interpretação do negócio envolvido. Mas afirma que estes não são o mais importante. “É bom ver unicórnios porque podem tornar-se empresas maiores. Mas o nosso foco é em empresas que possam criar empregos”. E dá o exemplo da E&I Engineering, uma empresa muito importante no noroeste da Irlanda que emprega centenas de pessoas e foi vendida por dois mil milhões de euros no ano passado.
“A minha resposta honesta é que não sabemos ao certo quantos unicórnios temos, porque só se torna público quando recebem financiamento acima dos mil milhões de dólares. Acredito que existam muitos unicórnios escondidos na Irlanda que não receberam financiamento externo, que tenham crescido através de fundos privados ou mesmo de forma orgânica, que estejam avaliadas acima desse valor”.
Leo Clancy defende que Portugal está no bom caminho do empreendedorismo e uma prova disso é a iniciativa dos prémios de inovação da Altice Portugal. Sobre o que o nosso país poderia aprender com a Irlanda, afirma que não conhece muito bem o nosso ecossistema para deixar conselhos, preferindo explicar o que funciona.
“Ter recursos de financiamento para empresas em início de desenvolvimento, haver uma plataforma que conecta pessoas com mentores, e haver uma plataforma que suporta líderes em treino de liderança com PMEs no seu crescimento, para que tenham ambição e criar uma boa estratégia para o futuro dos seus negócios”. Os diversos hubs irlandeses de empreendedorismo, como a Dogpatch Labs e as universidades são locais que fazem parte do ecossistema para ajudar as pessoas e negócios a terem sucesso, destaca.
Mas mais uma vez realça que o dinheiro não é tudo, pois “colocar dinheiro nas pessoas erradas ou projetos errados pode ser desastroso para as startups e para os respetivos investidores. Mas penso que o dinheiro é também muito importante, e temos de garantir que este está sempre disponível. E prova disso é que investimos diretamente em 125 empresas todos os anos”.
Proximidade com o Estado, mantendo a independência
A Enterprise Ireland é uma agência estatal, mas é independente. É totalmente financiada pelo Departamento de Comércio Empresarial, tendo a responsabilidade de implementar as suas políticas. A boa relação com o Estado é referida como um dos segredos de sucesso do empreendedorismo irlandês. “Somos grandes o suficiente para que nos ouçam, venham ter connosco para trabalhar juntos no que for necessário fazer. Também tem sido muito consistente no apoio que nos dão ao longo dos anos”. Salienta ainda que são uma grande combinação de agências focada no desenvolvimento, com o governo irlandês comprometido com esta agência porque é bom para o crescimento económico.
O facto de as agências governamentais serem relativamente independentes confere-lhes o básico para executar os seus planos e não atrasar a capacidade de desenvolver rapidamente o que os seus clientes necessitam. “Mas precisamos ter essa forte ligação com o governo, porque é quem financia, criam-se empregos, que geram taxas pagas por pessoas empregadas, que no fundo pagam os salários”.
Sobre a parceria com a Altice Portugal, refere ser muito importante por duas razões. A primeira por ser relacionada com telecoms, indústria e sectores relacionados que são muito importantes para si. O Grupo Altice tem um alcance muito grande pela Europa e a nível global e “ter a oportunidade de apresentar as empresas irlandesas através de uma lente única, deu-lhes também a oportunidade de se testarem no processo de internacionalização que é muito importante”.
Mas para Leo Clancy, uma das coisas mais importantes foi estar envolvido num evento único, por uma empresa com escala em qualquer parte do mundo. “Esperamos ter um piloto ou amostra do que podemos fazer com as nossas empresas. Não poderíamos ser mais agradecidos”. A organização espera que a parceria seja de longa duração, que se possa olhar para a Irlanda na procura de inovação. “Espero que possamos retribuir ao Grupo Altice e às startups portuguesas a certo ponto, porque as parcerias têm de funcionar em ambas as direções. A Altice foi muito generosa para nós e estamos à procura de formas de retribuir essa generosidade”.
"A Altice foi muito generosa para nós e estamos à procura de formas de retribuir essa generosidade", defende Leo Clancy
No seu discurso de encerramento dos prémios Altice, Alexandre Fonseca deixou uma mensagem de elogio ao crescimento económico da Irlanda que foi com base na inovação e tecnologia. Leo Clancy concorda com as palavras, afirmando estar certo, que as empresas dos Estados Unidos que chegaram ao país foram os pilares para o desenvolvimento da tecnologia na sua economia.
Para o ecossistema de startups, espera-se que em 2024 sejam realizadas 13 mil milhões de euros em exportações e a criação de 45 mil novos empregos. Será que este objetivo traçado pela Enterprise Ireland está no bom caminho? “Estamos atualmente a acabar o primeiro desse plano de três anos e a medir os resultados de empregabilidade. Acredito que o primeiro terço desse plano de 45.000 empregos aconteça este ano. Mas os resultados serão publicados no início de janeiro”. Devido à inflação e recessão global, talvez tenha de refinar os objetivos da exportação, mas crê que a nível dos empregos consigam atingir o número previsto.
Numa última palavra, Leo Clancy acredita que Portugal e Irlanda são países com uma cultura e pessoas muito próximas, desde o sentido de humor, à forma de fazer negócios, a sua abertura e simpatia, “que são coisas que nós temos orgulho em ser”. As origens e tradições católicas são vistas igualmente como um elo de ligação.
Veja na galeria fotografias da Altice International Innovation Award 2022:
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