As coisas quando nascem nunca são logo muito estruturadas, nascem a partir de uma emoção ou de algo que racionalizámos”, explica José Rui Felizardo, que fez parte do “núcleo inicial” dos fundadores da JUNITEC, em 1990 e que hoje dirige o CEiiA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento. A ideia surgiu de “algo que nos incomodava um pouco na área académica” que era a vontade de aplicar e valorizar o conhecimento adquirido ao longo da licenciatura e de sair da rotina dos trabalhos de grupo, preparando-se para o futuro.

Havia algumas opções que não pareciam satisfatórias a este “grupo de miúdos” com ideias, e a possibilidade de aplicar o conceito do movimento de juniores empresas surgiu como a via mais interessante para concretizar os objetivos definidos.

Conhecíamos o movimento em França, e percebemos que era interessante porque havia uma valorização engraçada do currículo académico durante o ciclo de vida académico do aluno”, explica José Rui Felizardo, lembrando que já havia na altura uma Júnior empresa na Católica, mais virada para a consultadoria. Em conjunto com as pessoas com quem trocava estas ideias, entre as quais aponta Francisco Veloso, decidiram avançar para um conceito diferente, onde se valorizava mais o conhecimento e tecnologia.

“Foi em torno disto que construímos a JUNITEC, muito desalinhada na altura com todas as outras juniores que existiam na Europa. Não queríamos olhar apenas para prestar consultadoria”, sublinha José Rui Felizardo.

É assim que nasce a júnior empresa do Instituto Superior Técnico, criada a 6 de fevereiro de 1990 por cinco alunos da faculdade, Joaquim Viegas, José Rui Felizardo, Sérgio Carvalho, Pedro Conceição e Francisco Veloso. Em 1991 junta-se como co-fundador Paulo Dimas, e logo nesse ano a júnior empresa ganha o Prémio Promindústria do Concurso de ideias empresariais, que viria confirmar o projeto e dar um impulso ao arranque da atividade de desenvolvimento e inovação.

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Trinta e cinco anos depois, várias gerações passaram já pela JUNITEC, que cresceu e se transformou, soma prémios e projetos concretizados, mas que mantém vivos os propósitos iniciais. A ambição de desenvolver projetos com impacto na sociedade, a paixão e entrega ao trabalho que é criado na júnior empresa são claros e visíveis em cada conversa com quem está, ou esteve, envolvido na iniciativa.

Durante as entrevistas com o SAPO TEK, José Rui Felizardo e Paulo Dimas, fundador e co-fundador, assim como Ana Matos e Carlos Rebelo, dois presidentes dos anos mais recentes, não escondem o orgulho de participarem no desenvolvimento da JUNITEC e de se manterem envolvidos nesta iniciativa que acreditam ser única, e transformadora no seu percurso académico e profissional.

JUNITEC 35 anos da junior empresa do Instituto Superior Técnico
JUNITEC 35 anos da junior empresa do Instituto Superior Técnico créditos: JUNITEC

“Foi fundamental para a minha carreira […] havia um ambiente e pessoas com vontade de transformar as ideias em algo que se aplicasse na vida real. Tínhamos um embrião de muito talento”,  explica Paulo Dimas, que é vice presidente de inovação da Unbabel e lidera o Centro de IA responsável. Toda a experiência de criar os produtos, ver acontecer, ter clientes, prazos de entrega e aplicar a inovação mudou a perspectiva e por isso admite que “este foi o momento em que decidi que a minha vida não ia ser dedicada apenas à investigação”.

Mas não se pense que tudo foi fácil. “O risco foi uma palavra com que tivemos de lidar muito cedo”, lembra José Rui Felizardo, que recorda “foi preciso que conquistar tudo o conseguimos, até o espaço”, e que o “barracão” pré-fabricado onde a JUNITEC funcionava foi ocupado até de forma algo rebelde.

No topo do reconhecimento das juniores empresas na Europa

Os primeiros passos da JUNITEC foram muito importantes para aquilo em que a júnior empresa se viria a transformar, com o reconhecimento do mercado de que esta era uma “fonte” de boas ideias, produtos e soluções que podiam chegar ao mercado, e a primeira grande spinoff, a Megamédia, que se desenvolveu a partir do prémio de inovação Promindústria e acabaria por ser comprada pela Portugal Telecom.

Hoje a JUNITEC é incrível, muito melhor do que pensámos na altura”, admite José Rui Felizardo, sublinhando a junção de “energia e motivações certas” como uma das fórmulas de sucesso, mas também o rigor e capacidade de liderança das várias gerações que contribuíram para este percurso.

Em 2024 a JUNITEC alcançou uma faturação recorde de mais de 200 mil euros e soma na lista de conquistas 28 prémios nacionais e internacionais, entre os quais a recente distinção de Júnior Empresa do Ano na Europa, que recebe pela segunda vez no espaço de três anos.

É um orgulho enorme receber este prémio pela segunda vez, mas é o reconhecimento do trabalho de uma equipa de pessoas incríveis”, explica Carlos Rebelo, atual presidente da JUNITEC. O prémio é também mais relevante pela competitividade que existe entre juniores empresas. “É difícil estar no topo da Europa”, admite, lembrando que só França tem mais de 100 empresas juniores e gera receitas de 14 milhões de euros, enquanto em Portugal o valor gerado não ultrapassa dos 600 mil euros.

“Em Portugal existem 25 júniores empresas e nós temos um terço da faturação total”, sublinha Carlos Rebelo.

Na soma dos muitos projetos já realizados pela JUNITEC contam-se o maior projeto de consultoria de sempre na história do movimento júnior em Portugal, na área da banca, a realização da TecStorm, a maior maratona tecnológica em Portugal, cuja edição de 2025 está marcada para arrancar esta sexta feira (28 de março), e no desenvolvimento de um programa de incubação de startups, o Apollo.

Esta é uma das iniciativas mais recentes, desenvolvidas pela direção de  2022/2023, liderada por Ana Matos. “Faltava uma oportunidade para ajudar a escalar ideias e apoiar o arranque de empresas”, explica, lembrando que a ideia surgiu depois de um pedido de ajuda que chegou por email e que deu o mote à criação do programa Apollo que já está na terceira edição com a parceria da Unicorn Factory Lisboa.

Já foram apoiadas 12 empresas e da lista fazem parte a Rootkey, com soluções avançadas baseadas na tecnologia blockchain já com presença internacional, a Bookycar, uma plataforma de car-sharing ou a SafetyScope.ia, dedicada à otimização da monitorização da vigilância com reconhecimento de padrões para deteção rápida de ameaças à segurança

JUNITEC 35 anos da junior empresa do Instituto Superior Técnico
JUNITEC 35 anos da junior empresa do Instituto Superior Técnico créditos: JUNITEC

Agora, e trinta e cinco anos depois dos primeiros passos, empreendedorismo e startups são palavras que fazem parte da linguagem comum de negócio e já ninguém olha para a JUNITEC como um conjunto de miúdos  que precisam de provar o seu valor, o que ajuda muito ao processo. E qual é o caminho de futuro?

Queremos dar às pessoas a experiência de trabalhar em projetos e com as empresas”, justifica Carlos Rebelo, dizendo que esta é uma oportunidade de dar uma perspetiva diferente do mercado em Portugal e contribuir para a retenção do talento jovem e focado na inovação. A possibilidade de olhar para o mercado internacional faz também parte dos planos de crescimento, mas ainda com algumas limitações legais que precisam de ser ultrapassadas para que esse passo seja dado.

Embrião do empreendedorismo e de carreiras em inovação

Em entrevista ao SAPO TEK, Paulo Dimas é bem claro quanto à sua avaliação do trabalho que foi feito na JUNITEC logo desde os primeiros momentos, reconhecendo o talento e qualidade do núcleo fundador, que teve continuidade nas direções que se seguiram e que ganhou nova força e estrutura depois de um momento de retoma da iniciativa.

Hoje em dia a equipa da JUNITEC é ainda melhor […] já tive o privilégio de trabalhar com pessoas que passaram por cá e é uma escola espetacular”, destaca, apontando todo o processo de organização e liderança que é cada vez mais refinado e que tem como exemplo os projetos desenvolvidos mas também a hackaton TecStorm, que é a maior em Portugal.

No início as empresas não davam muito crédito às ideias que vinham da júnior empresa, e dos jovens que ainda não eram considerados empreendedores, porque a palavra não existia, e eram equiparados a “jovens empresários”.

“Tínhamos de dar provas de tudo o que fazíamos […] estávamos a desenvolver algumas ideias que chegaram antes do tempo, numa altura que não se falava de Inteligência Artificial”, justifica Paulo Dimas.

Depois dos primeiros projetos tornou-se mais fácil, mas Paulo Dimas recorda a “vontade de fazer coisas de forma optimista e às vezes irrealista” e o ambiente criativo que se vivia nos primeiros anos na JUNITEC.

Apesar de não fazer parte do núcleo fundador, e se ter juntado pouco depois ao grupo, este foi um caminho que moldou todo o seu percurso. “Na altura estava no INESC, onde entrei com 16 anos, e por acaso conheci o José Rui Felizardo quando a JUNITEC era só uma ideia”, detalha, lembrando que o objetivo era ter uma espécie de associação de estudantes que permitisse aos alunos validar as ideias e desenvolver a tecnologia com utilização mais prática. E foi isso que ajudou a criar, fazendo parte de três direções e mantendo-se ainda ligado como alumni.

Fiquei com a área do centro de desenvolvimento e aplicação, e a identificar as áreas do estado da arte da tecnologia, com o multimédia como tecnologia emergente, a fazer o que ainda ninguém fazia de combinar texto, vídeo e som em quaisquer interativos”, recorda Paulo Dimas.

“Desde criança sempre quis ser cientista e fui muito influenciado pela série do Espaço 1999. Quando entrei para o INESC estava num êxtase absoluto, mas criava coisas interessantes e perdia-se tudo, o que me deixava frustrado”, justifica. Acabou por decidir sair do INESC para a JUNITEC e isso até levou a uma zanga com o Professor José Tribolet, que só seria sanada anos mais tarde.

Para Paulo Dimas foi um novo mundo do “prazer de fazer acontecer” e recorda vários projetos, como o programa Janelas Virtuais na TV e o a ideia desenvolvida com a Gulbenkian com sensores tridimensionais e machine learning para ajudar crianças com paralisia cerebral a comunicar, e a ideia de fazer um knowledge navigator como o que tinha sido apresentado pela Apple. “Estava fascinado com o conceito, que no fundo era um agente de IA com linguagem natural […] claro que falhou, nem consegui acabar”, relembra.

JUNITEC 35 anos da junior empresa do Instituto Superior Técnico
JUNITEC 35 anos da junior empresa do Instituto Superior Técnico Paulo Dimas no programa Janelas Virtuais na TVI créditos: JUNITEC

Alguns protótipos “falharam desastrosamente” mas mesmo isso fez parte da aprendizagem, com a vantagem de existirem sempre vários grupos de projetos em desenvolvimento que tinham sucesso.

A ligação com a Interlog que representava a Apple em Portugal, a constituição do maior parque em Portugal de máquinas NeXT (a empresa que Steve Jobs criou) e projetos como a Renaul ou o spinoff da Megamédia, fazem parte das memórias dos primeiros tempos, alinhadas por Paulo Dimas e José Rui Felizardo nas conversas com o SAPO TEK, mas há muito mais, e iniciativas com impacto social.

Esta dinâmica é recordada com entusiasmo por José Rui Felizardo. “As pessoas dizem que foi a altura em que mais vibrei com os projetos”, confessa, recordando que era um mundo de oportunidades para abraçar e que foi muito estimulante desenvolver o papel da júnior empresa e do papel do aluno enquanto empreendedor, com lições de liderança que ficaram para a vida.

Uma das principais funções do presidente da JUNITEC é formar alguém que seja melhor do que nós e assegurar o futuro. Tipicamente é o que tentamos também fazer com os filhos”, justifica. Foi substituído na direção por Francisco Veloso e manteve-se ainda na organização, mas tem ajudado também a passar esta mensagem a todas as direções.

“Hoje todas as pessoas que estiveram conosco são líderes e a sua primeira grande experiência de liderança foi na JUNITEC", adianta José Rui Felizardo.

Novas gerações mas a mesma entrega ao projeto

Ana Matos faz parte da nova geração de dirigentes da JUNITEC, tendo assumido a presidência da júnior empresa no mandato de 2022/2023. Atualmente é Customer Growth Associate na Google, em Dublin, e conta ao SAPO TEK que a sorte teve uma grande influência no percurso.

Quando entrei no Técnico para o curso de Arquitetura procurava um projeto que fizesse sentido, que motivasse pelo impacto”, explica, adiantando que já fazia voluntariado quando estava no ensino secundário. “Tive a sorte de ter um grupo de amigos nessa área e candidatei-me à JUNITEC”, detalha, tendo entrado para os recursos humanos e ficando depois com a organização da hackaton TecStorm, que nesse ano teve o apoio da Fundação Champalimaud. “Foi sorte ter ficado com o TecStorm, a fundação ter respondido ao email, mas também tive a sorte de ter equipas incríveis e das pessoas nos ouvirem”, sublinha Ana Matos.

JUNITEC 35 anos da junior empresa do Instituto Superior Técnico
JUNITEC 35 anos da junior empresa do Instituto Superior Técnico Ana Matos, Presidente da Junitec no mandato de 2022/2023 créditos: JUNITEC

Com 23 anos parece já ter “muitas milhas” no currículo, que entretanto evoluiu para uma carreira na Google, e admite que a experiência na JUNITEC moldou o seu percurso, que deixou de passar pela Arquitetura, cujo mestrado não concluiu. “Escolho sempre rodear-me de pessoas que fazem parte da JUNITEC e que são parecidas”, reconhece.

Em poucos anos, Ana Matos também sente que houve uma grande aceleração do empreendedorismo e que Portugal avançou muito. Durante a sua direção lançou o programa de incubação Apollo, que já acolheu 12 empresas e que atualmente é apoiado pela Unicorn Factory Lisboa.

 “Aprendi muito, sobretudo a trabalhar em equipa, e a perceber que não vamos a lado nenhum sozinhos […] com pouco faz-se muito e esta foi uma oportunidade única”, reconhece Ana Matos.

O movimento júnior existe em todo o mundo e é um conceito excelente para desenvolver as capacidades dos alunos. Todos têm conceitos semelhantes de sonhar, falhar e usar a base para inovar”, e embora Portugal seja um mercado pequeno, com pouca indústria, Ana Matos acredita que há espaço para crescer e ter projetos desafiantes que não se conseguem concretizar em sala de aula.

Como não podia deixar de ser, esta é também a visão de Carlos Rebelo, o atual presidente da JUNITEC. O percurso é semelhante ao de Ana Matos e a sorte também fez parte do processo, embora o processo de seleção para entrar na organização seja muito exigente, com várias entrevistas, e a direção sujeita a eleições.

Carlos Rebelo começou igualmente nos Recursos Humanos e organizou o TecStorm, e cumprindo agora no mandato de um ano, mas conseguiu manter o seu percurso académico que já está no 5º ano de engenharia aeroespacial, preparando a passagem de testemunho para a próxima equipa. “Este processo é a única forma de ter sucesso e é uma característica da JUNITEC que é também a maior qualidade […] pensamos nisso logo a partir do dia em que se entra”, refere em entrevista ao SAPO TEK, destacando que “o ADN coletivo é o mais importante”.

Tal como aconteceu com as outras pessoas com quem falámos, o atual presidente da júnior empresa do Técnico não poupa elogios à equipa da JUNITEC. “São pessoas incríveis com muito talento […] à vezes sair da bolha até é estranho”, confessa.

Os trinta e cinco anos de experiência e os muitos projetos geridos também trazem mais capacidade de organização, e isso é importante para conseguir conciliar o trabalho na JUNITEC com as aulas, exames e toda a exigência do percurso académico. “Fazemos o planeamento tendo em conta os calendários dos alunos”, sublinha. “Esta é uma vantagem face a ter um estágio. A regra é que não procuramos pessoas que larguem o estudo mas que trabalhem nos projetos para terem experiência, crescerem e desenvolverem as suas capacidades”.

Atualmente admite que já se sente uma diferença na recetividade das empresas clientes, que reconhecem a JUNITEC como uma “fábrica aceleradora de talento”, e o sucesso dos projetos faz com que procurem cada vez mais os serviços.

Junitec prémio 2025 Júnior Empresa do Ano
Junitec prémio 2025 Júnior Empresa do Ano Entrega do Prémio de Júnior Empresa do Ano em 2025 créditos: Junitec

Depois de receber mais uma vez o prémio internacional de Júnior empresa o céu é o limite?  Carlos Rebelo destaca o orgulho do trabalho feito por toda a equipa e a confiança de que o futuro será promissor. “Este foi o melhor ano de sempre e isso deve-se a todo o trabalho feito pelas direções anteriores”, destaca.

“Queremos continuar a atrair pessoas que queiram crescer e fazer algo diferente, que sonhem em grande e tenham muita ambição”, afirma Carlos Rebelo.

Mesmo depois de terminar o curso, e deixar o cargo de presidente, o objetivo é manter-se ligado à JUNITEC. “Isto é o que nos distingue mais, é raro ter um grupo de estudantes que mantém essa ligação e há pessoas que continuam a envolver-se mesmo depois de 35 anos e estão sempre disponíveis para ajudar”, garante Carlos Rebelo.