O plano de recuperação económica e social elaborado por António Costa Silva, conselheiro independente do primeiro-ministro António Costa, foi apresentado hoje no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. A estratégia quer pôr Portugal "no comboio" da revolução tecnológica, sem esquecer todas as condicionantes da crise sanitária causada pela COVID-19 e a “profunda recessão económica” que poderá provocar uma queda de 12% do PIB nacional.

Além da aposta nas infraestruturas físicas, com destaque para a rede ferroviária nacional, na reconversão industrial e no desenvolvimento da bioeconomia sustentável, a transição digital é vista por António Costa Silva como “um dos instrumentos essenciais da estratégia de desenvolvimento do país”.

“O país tem feito um esforço para a adoção de tecnologias digitais nos processos produtivos e nos modelos organizacionais, mas é preciso fazer muito mais”, afirma o conselheiro no plano de recuperação económica e social.

A pandemia de COVID-19 veio exacerbar os atrasos no processo de transição digital em muitas empresas e organismos da Administração Pública, particularmente em matéria de “desmaterialização dos processos, organização do teletrabalho ou competências de uso das tecnologias digitais, sobretudo em contextos novos e fora das atividades rotineiras”.

Por entre avanços e recuos, Portugal ainda está abaixo da média europeia no desempenho digital
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Recorde-se que os mais recentes dados do Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (DESI) da Comissão Europeia revelaram que Portugal apresentou descidas em algumas das categorias em análise, com a maior delas a verificar-se no que diz respeito à tecnologia digital nas empresas. O relatório detalhou ainda que o país continua a apresentar um mau nível de desempenho no que toca ao capital humano e à utilização de serviços de Internet.

Para António Costa Silva, a transição digital “deve ser assumida como catalisador da transformação industrial em curso”. Entre os elementos centrais estão o alargamento da fibra ótica para cobrir todo o país, permitindo reforçar a coesão territorial e a integração do interior na economia nacional e global, e a utilização do 5G para “para alavancar a conectividade do país”.

A par da modernização das redes, é necessário criar incentivos à adoção de ferramentas e instrumentos mais modernos por parte das empresas e do Estado, contribuindo para a criação de mais postos de trabalho e de novos modelos de produção que incorporem as tecnologias associadas à digitalização.

De acordo com o conselheiro, a pandemia demonstrou a “flexibilidade e capacidade de organização e adaptação” do sistema tecnológico nacional, que inclui Universidades, Centros de Investigação e algumas empresas. Assim, é importante reforçar as “infraestruturas tecnológicas e digitais, aumentar o poder das redes, e reforçar as tecnologias de informação e comunicação e as competências de gestão”.

As áreas como a Ciência de Dados, Estatística, Ciências da Computação e da Programação, assim como as das Engenharias são vistas por António Costa Silva como “cruciais para o futuro” e devem ser estimuladas. O défice de qualificação da população portuguesa é outro dos problemas estruturais a que o plano pretende responder, com o objetivo de aumentar os níveis de produtividade, de crescimento económico e de inovação.

Em linha com a Estratégia Portugal 2030, é necessário continuar a apostar no reforço das qualificações e das competências dos portugueses. “O país precisa de ter recursos humanos com as qualificações e competências necessárias ao desenvolvimento e transformação económica, ambiental e social que se pretende promover”, sublinha o conselheiro. Entre os eixos de intervenção destacam-se o alinhar da qualificação dos jovens com as novas especializações económicas, “dando particular atenção às competências digitais, e à sua inserção profissional”.

Quais são as propostas do Plano de Recuperação para a transição digital?

  • Extensão da fibra ótica a todo o país

O plano contempla o alargamento da cobertura de fibra ótica a todo o país como “um fator crucial para a transição digital e ecológica”, contribuindo para o aumento da competitividade do tecido empresarial, para a coesão territorial e para o ecossistema da inovação e investigação.

  • Um plano de investimento para a literacia digital no sistema educativo

A integração das tecnologias no ensino básico, secundário, universitário, e profissional, tendo em vista “a melhoria contínua da qualidade das aprendizagens e a inovação e desenvolvimento do sistema educativo”. Entre os objetivos a cumprir estão dotar os cidadãos de competências digitais necessárias à sua realização pessoal e profissional, assim como garantir a igualdade de oportunidades no acesso a equipamentos e recursos educativos digitais e o investir nas competências digitais dos docentes e formadores.

É também necessário dotar as instituições de recursos informáticos, reforçando as ligações à rede tanto para alunos como para professores e prepará-las com uma infraestrutura digital adequada às suas necessidades. “O apetrechamento tecnológico das escolas e das famílias e a capacitação de professores e formadores são decisivos para o futuro”, detalha o plano.

Além disso, o programa de requalificação de recursos humanos em tecnologias digitais deve ser alargado a todos os setores e envolver todos os níveis de ensino.

  • Um plano de investimento na Administração Pública

O objetivo é acelerar o processo de transição digital, permitindo o reforço das competências de todos os organismos públicos no uso das tecnologias digitais e na flexibilização e simplificação dos processos de trabalho. Em destaque está a promoção da modernização dos sistemas informáticos da Administração Pública, seja hardware ou softwar), integrando todas as plataformas para aumentar a eficácia e rapidez de todas as intervenções.

É também necessário reforçar o programa de qualificação da Administração Pública ligado ao rejuvenescimento dos quadros e à capacidade de atrair jovens talentos para a aceleração do processo de digitalização. A integração de Inteligência Artificial e Ciência dos Dados para processar a informação e melhorar a gestão dos processos, a compreensão das realidades complexas e suportar a tomada de decisão é outros dos pontos importantes.

O processo de digitalização deve ser feito no contexto da implementação de um sistema de planeamento estratégico que tenha também em conta a necessidade de antecipar e gerir os riscos. A gestão do património do Estado e a rede diplomática e consular portuguesa no mundo devem também ser contemplados no processo.

  • Um plano de investimento no tecido empresarial

De acordo com António Costa Silva é necessário traçar um plano de investimento que permita às empresas recuperar o atraso existente em matéria de transição digital, apoiando a concretização da Indústria 4.0.

Assim, é importante dar acesso a meios tecnológicos digitais que promovam a modernização dos processos de trabalho e de produção, que desmaterializem os workflows, que cubram os défices de competência no uso de tecnologias digitais e que adaptem as empresas à organização do teletrabalho e à flexibilização das cadeias de funcionamento.

“O aumento das competências digitais e a qualificação dos recursos humanos das empresas, combinado com o Plano Nacional de Literacia de Adultos, é crucial porque trabalhadores com mais competências significa empresas mais competitivas”, sublinha o conselheiro.

  • Uma aposta na ciência e tecnologia

Esta aposta tem várias componentes:

  • Um plano de investimento nas Universidades, Politécnicos, Centros de Investigação e Centros Tecnológicos

O objetivo é tratar das fragilidades que ainda existem em matéria de disponibilidade de meios tecnológicos e do acesso ao uso das tecnologias de informação e comunicação, reforçando o apoio à formação de investigadores.

“Todas as iniciativas em curso, como a Iniciativa Nacional de Competências Digitais, a Rede de Escolas Superiores de Sistemas Digitais, os Centros Colaborativos de Formação, a Rede de Escolas de Pós-Graduação de âmbito empresarial, devem ser reforçadas e potenciadas com um novo ciclo de investimento e desenvolvimento”, detalha o plano.

  • Programa de capacitação dos centros tecnológicos e de investigação aplicada

O programa prevê o financiamento de equipamentos tecnológicos, instalações, estruturas de mediação empresarial, “envolvendo investimento e recursos altamente qualificados”. Em vista estão a difusão tecnológica, a valorização acelerada de conhecimento, a vigilância tecnológica e de mercado, além a preponderância da I&D colaborativa.

As iniciativas em curso devem ser revisitadas para incrementar a sua atividade, tendo em conta o impacto muito positivo no sistema universitário e científico português. Entre elas estão o Roteiro de Infraestruturas Científicas 2020, a Rede de Laboratórios Associados e Colaborativos, o Projeto Investigar+ e as parcerias Go Portugal, com o MIT, Carnegie Mellon e Universidade de Austin.

O plano afirma que o projeto para a Rede Ibérica de Computação Avançada e Supercomputação Verde é também muito importante para o país. Assim, o papel do Centro de Computação Avançada da Universidade do Minho deve ser reforçado, uma vez que é um elemento essencial para a sustentabilidade do projeto.

  • Programa Portugal como Centro Europeu de Engenharia

A revolução tecnológica e a reindustrialização do país necessitam de mão de obra qualificada e em particular de engenheiros. É então crucial reforçar o papel do país como Centro Europeu de Engenharia. O plano recomenda ainda a criação de kits pedagógicos ilustrativos das profissões mais necessárias para atrair estudantes do ensino secundário.