Na próxima semana, Lisboa vai receber a conferência Digital with Purpose Global Summit onde mais de 300 oradores nacionais e internacionais vão debater o papel do digital para um futuro sustentável, e apresentar soluções que permitam cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030.
Responsável pela organização do evento, e por o trazer para Portugal, Luís Neves, CEO do Global Enabling Sustainability Initiative (GeSi), confessa que não tem respostas fechadas para um futuro mais sustentável, e que mesmo com as vantagens que o digital e a tecnologia trazem, há também problemas associados, nomeadamente no consumo de energia. Mas esta conferência foi pensada para a ação e para mobilizar a sociedade.
“A conferência tem de ser fundamentalmente de ação. Quando nos lançámos neste projeto decidimos que queremos dar um contributo e a intenção é mobilizar a sociedade para este contributo”, explicou em entrevista ao SAPO TEK. Luís Neves, que fez a sua carreira na Deutsche Telekom, diz que podia ter feito esta conferência em qualquer lado do mundo, e que tem convites para ir para Singapura e Shangai, mas resolveu trazê-la para Lisboa porque pensava que podia fazer de Portugal e de Lisboa o país e a cidade do propósito.
“Estou a fazer a conferência sem apoios nenhuns de Lisboa nem do país, mas faço-a com todo o gosto em Portugal porque acho que é importante deixar uma marca no país e alertar que o digital e a sustentabilidade são dois temas centrais para Portugal”, avisa Luís Neves.
“Não é conversa, é ação, vamos ver o que conseguimos implementar e gerar impacto na vida das pessoas para o bem da sociedade e do Planeta”, sublinha Luís Neves.
Os temas tocam as áreas onde o GeSi se tem centrado, à volta da sustentabilidade e do digital, com muitos exemplos internacionais mas também com o envolvimento de organizações portuguesas. “Também é preciso transpor os bons exemplos de Portugal, porque há muito que se faz aqui e que pode ser transposto”, justifica, dando o exemplo da Câmara de Cascais, da SEDES e da Startup Portugal. “Espero que possamos causa aqui um movimento positivo, transformador e de impacto”, afirma.
O lado bom e o lado mau do digital. Duas faces para um equilíbrio necessário
Questionado sobre o impacto do uso das tecnologias, da cloud e até da inteligência artificial na pegada ambiental Luís Neves admite que esta pergunta é colocada ao GeSi “de forma permanente e já desde 2007”. Na altura um relatório apontava para um peso de 2% na pegada de carbono do sector das telecomunicações, que mais tarde se alargou ao digital, e a comparação era feita com a aviação, considerada a indústria mais poluente a nível global.
“O número de 2% caiu que nem uma bomba no GeSi, porque não tínhamos essa percepção, e resolvemos fazer um estudo, que a McKinsey ganhou numa call for tender muito competitiva, e juntámos uma organização do terceiro sector para que os resultados não fossem vistos como um estudo da indústria, a The Climate Group”.
Os dados do estudo confirmaram que a pegada de carbono era efetivamente de 2%, mas foi avaliado o valor económico e o impacto das tecnologias, verificando-se que contribuía para reduzir em 10% essa pegada de carbono global. Mais tarde o estudo foi repetido, com a Boston Consulting, em 2012, e mais tarde com a Accenture Strategy em 2015.
“Este último [estudo], a que demos o nome Smart2020 foi fantástico porque mostrou que a pegada de carbono a nível global do digital não estava a crescer, pelo contrário, estava a diminuir ligeiramente, mas que o valor de enabling aumentou de 5 para 10, ou seja o digital poderia reduzir 20% das emissões globais e criar um valor económico anual para as empresas equivalente ao produto interno da china, calculado em 12 triliões de dólares”, sublinha.
O CEO do GeSi admite que “quanto mais digital houver maior é a pegada de carbono do sector, mas qual é o problema disso? Se dermos mais acesso às pessoas que permite fazer crescer a economia mas por outro lado faz crescer a pegadas de carbono, não vem mal nenhum disso”. O executivo diz que na prática o digital desmaterializa muita coisa, tira muito hardware do mercado, que passa a software, e os estudos mostram que o contributo é significativo e muito positivo para a sustentabilidade.
A definição do digital é hoje ampla, e o GeSi fez uma abordagem lata para que nada fique de fora, e isso também traz mais peso na sustentabilidade, pelo consumo de energia, pelos desenvolvimentos na Inteligência Artificial e dos problemas relacionados com a privacidade, direitos humanos e a democracia, e as questões ligadas à economia circular.
Há desenvolvimentos que se notam na economia circular, com mudanças no packaging, na reciclagem, mas Luís Neves diz que isso são pequenos passos e que as empresas precisam de fazer mais e “ir para lá desses pequenos ganhos que são mais de comunicação do que propriamente de impacto”.
O CEO do GeSi chama também à atenção para a inclusão, e a necessidade de investir mais para integrar mais as pessoas na sociedade de informação, um dos temas muito importantes da cimeira onde há novas soluções para a educação e uma nova formação que aposta mais no digital. Também o impacto da cadeia de fornecedores, ligada aos direitos humanos, não foi esquecido mas este é um tema que “infelizmente ainda não conseguimos resolver”.
“Fui Chief Susteinability Officer da Deutsche Telekom e comecei a abordar estas questões há 20 anos e continuo a ver os mesmos problemas. Temos de acabar com isto definitivamente. Temos os problemas, mas as empresas têm de os resolver de forma clara”, defende.
“Estamos confrontados com um problema gravíssimo que é o clima e temos de assumir as nossas responsabilidades e isso não pode ser matéria para tocar trombetas”, alerta Luís Neves, pedindo mais ações concretas.
Mesmo assim, Luís Neves não quer focar-se nos fatores negativos. “O digital tem esta capacidade inovativa tremenda, que não podemos deixar para trás, e não podemos permitir que a conversa negativa à volta dos problemas ultrapasse o que é positivo das soluções. O digital vai ser fundamental para o desenvolvimento de qualquer país e qualquer economia. Sem digital não vai haver Planeta, mas a tecnologia também pode contribuir para tornar o Planeta pior”
O responsável pela conferência defende que “temos de criar um equilíbrio e temos de o assumir. Por isso chamamos a esta cimeira digital com propósito: o digital tem de ter um propósito e temos de o assumir, alavancar o que é bom e minimizar o que corre menos bem”.
A concentração da tecnologia nas mãos de poucas empresas que têm o conhecimento, que devia estar à disposição de todos para um mundo melhor, é um dos exemplos apontados por Luís Neves dos perigos que temos de enfrentar.
“ Nas questões climáticas o digital vai ser a única solução e a única tecnologia que vai permitir acelerar a resposta, mas o digital tem outras componentes ligadas à vida do planeta e a nós como pessoas, até porque a sustentabilidade tem 3 dimensões, o social, económico e ambiental, e no social não podemos esquecer que vai muito para lá do que é económico”, explica Luis Neves, admitindo que “está a evoluir de uma maneira que é uma preocupação”.
“Temos de fazer com que o digital possa evoluir de forma a ter um propósito positivo para as pessoas e é nesse sentido que a conferência está desenhada e que a queremos fazer avançar no futuro”, refere.
PME portuguesas precisam de alterar o paradigma
Embora não se reconheça como um profundo conhecedor da realidade portuguesa, dado que a sua atividade profissional se desenrola fora de Portugal, Luís Neves acompanha o que se passa no país e admite que procura perceber o que se pode fazer melhor. Para o executivo o tecido das PME precisa de um grande empurrão.
“Penso que é preciso educar mais para o valor do digital porque pode ajudar as empresas a dar um salto, o leap frog, para alterar o paradigma. As PME portuguesas precisam desse salto, da minha perceção”, justifica, dizendo que esta é uma avaliação com a humildade de não conhecer profundamente o que se passa mas comparando com o que acontece noutros países. “Na Alemanha vejo PME completamente digitalizadas e a oferecer serviços e produtos de forma mais eficiente e gerando valor”, reconhece.
Este é um passo que acredita que tem de ser dado em Portugal. O CEO do Gesi explica que a organização desenvolveu uma ferramenta que foi desenhada com o anterior governo, com o antigo secretário de Estado da Transição Digital, “Tivemos um diálogo onde oferecemos o nosso conhecimento para acelerar esse processo com a disponibilização do Digital with Purpose framework que permite fazer a avaliação do estado de maturidade das empresas e apontar caminhos de evolução”, adianta, lamentando que esse diálogo não tenha tido continuidade com o atual Governo.
“O problema não é comunicar, é fazer e medir e verificar. O nosso framework é uma ferramenta que ajuda as empresas nesse caminho e estamos convencidos que, se fosse usado, as empresas portuguesas podiam dar um grande salto de competitividade”, afirma, referindo que o GeSi está em conversações com o IAPMEI para tentar implementar a ferramenta no tecido empresarial.
Para Luís Neves é preciso acelerar esta digitalização, sob risco de se perderem oportunidades únicas. “Quem não for capaz de acompanhar esta onda de evolução vai ter problemas no futuro. O digital avança à velocidade da luz e se não formos capazes de acompanhar este processo estamos a criar um problema gravíssimo para as sociedades vindouras e ambientes onde temos responsabilidades”, avisa.
Nota da Redação: foi atualizado o número de oradores na conferência. Última atualização 17h53
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