Nos últimos anos a sustentabilidade escalou posições na agenda de prioridades dos gestores. Endereçar e minimizar o impacto ambiental de cada atividade económica passou de moda a necessidade, de visão de longo prazo a estratégia de médio prazo e a critério de seleção de investimentos. Dezenas ou centenas de estudos confirmam que a sustentabilidade ganhou este estatuto de prioridade. Nem todos validam que o trabalho no terreno é tão grande como as ambições no papel. Ainda assim, a mudança é indiscutível.
“É inegável que uma das principais tendências atuais é a sustentabilidade. Longe de ser apenas uma campanha de marketing, integrar a sustentabilidade na estratégia de negócios tornou-se um imperativo em todos os setores para atrair investimentos, clientes e talento”, concorda Cristina Castanheira Rodrigues, administradora-delegada da Capgemini Portugal.
Como lembra a responsável, as empresas encaram duas grandes transformações em paralelo: a transição digital e a transição climática. A digitalização tem um papel central em ambas, porque não é apenas uma via para tornar os negócios mais eficientes e lucrativos, mas é também uma via para os tornar mais ágeis, inteligentes e ajustados às mudanças de mercado que as alterações climáticas vieram impor.
Nesta transição para uma economia de baixo carbono, a Capgemini identifica a inteligência artificial, a Internet das Coisas e automação de processos robóticos como as tecnologias que já estão a mudar drasticamente a forma como as empresas operam e lançam novos produtos e serviços.
Por setores, a principal nota vai para a energia e serviços de utilidade pública, com fortes investimentos já realizados em tecnologia com impacto direto na redução da sua pegada de carbono. Exemplos: Digital Twins, para melhorar o desempenho operacional, blockchain para levar transparência e eficiência à cadeia logística ou IoT, ao serviço da gestão inteligente das cidades.
A consultora também destaca o percurso já feito pelo setor público nesta área, onde por força das políticas de green procurement têm vindo a ser progressivamente introduzidos critérios ambientais nas aquisições públicas de produtos, serviços e nas empreitadas de obras públicas.
Já o “setor dos transportes e da mobilidade urbana tem que ser mais audaz no desenvolvimento de soluções sustentáveis viáveis e mais apelativas em termos de logística, custo e segurança”, defende Cristina Rodrigues. Muitos países europeus têm tido uma “abordagem diversificada e multidisciplinar, que inclui modelos alternativos de transporte, gestão de tráfego ativo e veículos interligados, num sistema de transporte inteligente”, que só é possível com o apoio da tecnologia.
Muitas destas tendências estão espelhadas no estudo “A World in Balance – Why sustainability ambition is not translating to action”, publicado pelo Research Institute da Capgemini em 2022. A mesma publicação concluiu que muitas empresas ainda vêem mais a sustentabilidade como um centro de custos, do que como uma oportunidade para criar valor, sobretudo atendendo ao panorama macroeconómico internacional. A grande maioria dos quadros superiores inquiridos na pesquisa, que ouviu mais de 2.000 em grandes empresas de 12 países, está consciente da urgência das iniciativas para reduzir o impacto ambiental da sua atividade. No entanto, só um em cada cinco (21%) considerava que o retorno destes investimento para o seu negócio é claro.
Em Portugal, a Capgemini reconhece que, tal como no resto do mundo, as preocupações com a sustentabilidade estão a tornar-se transversais a todo o setor empresarial.
Ainda assim, admite que “o progresso alcançado em Portugal para a implementação do European Green Deal tem sido modesto, comparativamente com alguns dos países europeus”. As iniciativas existentes têm ganho tração nos últimos anos, mas responder aos maiores desafios que continuamos a ter pela frente exige “uma abordagem integrada e abrangente”, sublinha Cristina Rodrigues.
Nas intenções estamos bem. E nas ações?
Um estudo recente do BCSD Portugal também aponta nas mesmas direções. Apurou que a maioria das empresas em Portugal já reconhecem a importância da sustentabilidade. Incluem compromissos de sustentabilidade na missão (93%) e definem responsabilidades operacionais nessa área (73%).
Ampliando a lente, o retrato que resultou do inquérito a 67 empresas mostra, no entanto, que a abordagem à sustentabilidade, na maior parte dos casos, ainda tem pouca maturidade. Mais de metade das organizações (68%) posicionam-se nas etapas iniciais da jornada, referentes à compreensão das vantagens e à definição de prioridades estratégicas, objetivos e planos de ação. Neste estádio estão sobretudo microempresas e PMEs (cerca de metade das inquiridas). Só 11% das empresas demonstraram maturidade na abordagem ao tema. Na maioria são grandes organizações.
As empresas que fornecem algumas das tecnologias críticas para os desafios de transformação atuais têm visões diversas sobre como se aplicam já, e na prática, as estratégias para a sustentabilidade das empresas, numa componente fundamental da abordagem ao tema: promovê-lo em toda a sua cadeia de valor.
“Atualmente o ESG/Sustentabilidade já representa 10% a 20% dos requisitos dos cadernos de encargos dos concursos”, adianta a Colt.
“Os clientes procuram cada vez mais fornecedores e parceiros com fortes bases de sustentabilidade e há uma clara tendência para trabalharem com aqueles que partilham a mesma visão e valores”, continua Carlos Jesus, Country Manager Colt Technology Services Portugal e VP Global Delivery.
A multinacional também regista um aumento de pedidos para introduzir mais cláusulas detalhadas nos contratos, no que diz respeito à sustentabilidade, lembrando que as empresas que “trabalharem com Data Centers que utilizem energia 100% verde, proveniente de fontes renováveis, estão também a reduzir a sua pegada ambiental, já que obtêm a jusante uma redução nas emissões dos ativos/serviços utilizados”.
João Couras, Executive Director da Claranet Portugal, num ponto de observação diferente do mercado, tem também uma perspetiva diferente do tema. “Na realidade, a preocupação com os critérios de sustentabilidade ainda não se traduziu de facto em critérios de seleção, ou mesmo de requisito, no momento da escolha de um fornecedor”. O responsável admite que a legislação, orientações e diretivas comunitárias têm vindo a criar uma maior consciencialização, mas diz que ainda não há verdadeiramente uma inclusão destes critérios no processo de aquisição, nem no setor público, nem no setor privado.
“Não basta exigir uma certificação Energy Star (uma norma americana de 1992). Nem a
sustentabilidade se resume à eficiência energética de um determinado produto”, sublinha João Couras.
Ainda assim, e destacando o bom lugar ocupado por Portugal na última edição do Digital Economy and Society Index (DESI) na componente de TIC para a Sustentabilidade Ambiental, Sofia Vaz Pires assume que a “pandemia mudou fundamentalmente a forma como os negócios operam”. As “novas vagas de transformação digital” que daí resultaram tanto estão a “impactar todas as empresas e setores, como a ter um impacto estrutural”, reconhece a diretora executiva de marketing e operações da Microsoft Portugal.
“A descarbonização não é só um caminho necessário, mas é também uma oportunidade de renovar infraestruturas datadas, investir em novas tecnologias mais verdes e desenvolver novos modelos de negócio e drivers de crescimento, assentes numa agenda mais amiga do ambiente”, refere ainda a responsável da Microsoft, que tem como meta a neutralidade carbónica já em 2030 e pretende remover todo o carbono emitido desde a fundação da empresa até 2050.
O impacto da cloud
A transição para a cloud que as soluções de empresas como a Microsoft e os serviços de companhias como a Claranet habilitam, não sendo um desígnio alimentado diretamente por objetivos de sustentabilidade, tem na verdade dado um enorme contributo para mandar para a reforma sistemas antigos pouco eficientes e altamente consumidores de energia.
Para as empresas que fazem esta transição, como nota Bruno Rodrigues da Claranet, a passagem do on-premises para a cloud abre a porta a rácios de consolidação bastante elevados.
“Ao mesmo tempo, permite a remoção de overheads típicos de serviços de suporte a uma plataforma Cloud - transportando os diversos workloads para ambientes preparados para serem mais eficientes, do ponto de vista de consumo energético”.
Abre-se ainda a porta a soluções menos exigentes em termos de infraestrutura, “como é o caso das soluções PaaS, containerizadas e serverless, que ajudam a contrariar o aumento do consumo energético” que a transição digital à partida pode fazer supor.
Por outro lado, a banalização dos serviços na cloud concentrou nos grandes fornecedores uma capacidade de computação sem precedentes, que também está a ser endereçada do ponto de vista da sustentabilidade. Sofia Vaz Pires explica que, no caso da Microsoft e para reduzir o impacto ambiental da infraestrutura cloud, a empresa planeia passar a utilizar 100% de energias renováveis nos seus data centers até 2025, “através de contratos de compra de energia (PPAs) com produtores locais de energia solar, eólica ou hidroelétrica”. Outros exemplos de iniciativas nesta área partilham também a Colt, a Claranet e a Equinix noutro artigo deste especial.
A Microsoft está também a implementar Centros Circulares, para reutilizar ou reciclar os componentes dos servidores no final do seu ciclo de vida e reduzir os resíduos eletrónicos e o consumo de materiais. Por outro lado, comprometeu-se a “proteger e a restituir mais terra do que utilizamos até 2025, através de investimentos em projetos locais de reflorestação, conservação da biodiversidade e restauração dos ecossistemas”. Já tem em marcha 40 projetos deste tipo.
O futuro espera-se ainda assim exigente para todos os atores do mercado, até porque as metas europeias são ambiciosas e o relógio não pára. 2030 está cada vez mais perto e os números mostram que a maior parte do trabalho está por fazer.
Um estudo da Accenture (Uniting Technology and Sustainability: How to Get Full Value From Your Sustainable Technology Strategy) indica que só 7% das organizações já integraram completamente as suas estratégias de negócio, tecnologia e sustentabilidade. E mostra que embora as organizações percebam o valor associado a uma estratégia integrada, a falta de soluções e standards (40%), a complexidade (33%) e a falta de consciência das consequências não intencionais da tecnologia (20%) são barreiras aos objetivos.
Esta divergência entre intenção e ação leva as empresas a fazerem escolhas entre metas de negócios e de sustentabilidade, o que evidencia a importância dos CIOs nos processos de tomada de decisão sobre sustentabilidade. Para já, e segundo o mesmo estudo, só 49% dos CIOs nas mais de 600 empresas inquiridas fazem parte das equipas de liderança que definem metas de sustentabilidade.
A Comissão Europeia lançou recentemente uma iniciativa para tentar acelerar o passo da descarbonização na Europa e ajudar a resolver alguns destes bloqueios, fazendo convergir este objetivo com um outro, o da reindustrialização da região.
O Net-zero industry Act ainda está a iniciar a longa jornada que qualquer iniciativa deste tipo tem de percorrer na orgânica de decisão da União Europeia. Apresentada no final de março, a proposta identifica as tecnologias críticas para que a Europa possa cumprir as metas definidas para a neutralidade carbónica e fixa como objetivo que 40% desta tecnologia seja desenvolvida na UE. Prevê para isso a implementação de diversas medidas para agilizar projetos de descarbonização e captar investimento “verde” para a região.
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