O trabalho que foi feito de avaliação do potencial económico da transição digital, num estudo da Deloitte e da Universidade de Coimbra, centrou as primeiras apresentações do evento Moving Forward to a Portugal Digital, que ontem se realizou em Lisboa, apresentando um diagnóstico das vantagens da adopção de tecnologia e dos entraves que as empresas identificam neste caminho. Os desafios não foram esquecidos, com as dificuldades identificadas nas competências digitais que precisam de ser reforçadas ao nível dos funcionários mas também das lideranças, e também no conhecimento e acesso aos financiamentos das várias linhas de apoio existentes.
Na conferência promovida pela Portugal Digital foram ainda apresentados os resultados do inquérito ao tecido empresarial sobre o digital que mostram que os líderes das empresas têm ainda pouca familiaridade com os temas da tecnologia e do digital e que a visão dos empresários está ainda centrada numa lógica de B2C e não B2B, com as principais estratégias a serem viradas para os clientes.
Os dados da análise da Ipsos Apeme são baseados em 359 entrevistas telefónicas, a uma amostra representativa do tecido empresarial com empresas com 5 ou mais colaboradores, tendo sido inquirida a pessoa responsável pelas decisões de investimento, e Marina Petruchi, country manager da Ipsos Apeme, admite que o retrato feito não traz boas notícias para a transformação digital das empresas.
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A falta de conhecimento e familiaridade com as tecnologias é apenas um dos indicadores apontados, mas também a reduzida digitalização dos processos de trabalho resulta do inquérito realizado. Em 30% das empresas só 25% dos colaboradores usam as Tecnologias de Informação e comunicação, uma em cada cinco empresas não recrutou ninguém com conhecimentos tecnológicos para as áreas TIC e apesar de revelarem ter condições para isso, só 29% têm colaboradores a trabalhar remotamente.
“Existe uma grande preocupação com a venda e subsistência do negócio e menos com a operacionalização e estratégias de futuro”, sublinha Marina Petruchi
A responsável da Ipsos Apeme adianta que os resultados mostram também que as empresas não estão a investir em formação dos colaboradores em competências digitais e têm pouca especialização nos recursos e processos.
A mesa redonda sobre os desafios da transição digital das empresas, que contou com representantes da Startup Portugal, ANJE, CIP e Associação das empresas Familiares, deixa clara a ideia de que há vontade do lado do tecido empresarial para acelerar na digitalização, mas que existe uma grande diversidade, com falta de literacia digital numa parte das empresas, problemas de comunicação e entraves nas candidaturas aos projetos, com processos burocráticos.
Com uma visão global do território, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) integra um conjunto vasto de empresas e tem uma rede que chega a todo o ecossistema, reconhecendo um país que avança a duas velocidades na transição digital. “O digital divide também é aplicável às empresas”, reconhece Pedro Duarte, do conselho estratégico para a Economia Digital da CIP, referindo que existe um patamar de empresas que têm a visão adequada e prospetiva da digitalização, mas que há um segundo patamar onde tem dúvidas que essa visão se aplique. E é a estes que é preciso conseguir chegar, com urgência, ajudando a fazer a transformação. “Este é um problema global, a humanidade está a sentir este choque, mas quando mais cedo pusermos a mão na massa melhor”.
A diferença entre as empresas não é só da localização geográfica ou da dimensão, como se pode ver pelo exemplo das startups. António Martins, da Startup Portugal, defendeu que “o digital tem permitido que Portugal não se limite a Lisboa e Porto […] vemos no terreno uma evolução positiva e um caminho interessante e estimulante percorrido nos últimos anos”, apontando exemplos no Fundão, Braga e Coimbra, entre outros. Mesmo assim reconhece que há um caminho que precisa de ser assimilado pelas empresas em geral, não especificamente pelas startups que já nascem digitais e que por isso têm um caminho mais facilitado nesta área.
Como líder de uma startup na área da cibersegurança, e representando os jovens empresários da associação ANJE, Carlos Carvalho aproveitou também a sua intervenção para alertar para os riscos da adoção de tecnologia sem pensar no dia seguinte. “As empresas estão altamente motivadas para digitalizaram e têm acesso a fundos, mas não estão preocupadas com o dia seguinte, com um investimento que precisa de ser refrescado”, alerta, lembrando que a adoção de tecnologias não é “one shot” e que é preciso manter os sistemas atualizados, caso contrário vão surgir problemas de segurança que já estão a acontecer nas autarquias locais.
“O processo [de digitalização] tem de ser trabalhado. As empresas não podem correr este risco [de ter falhas de segurança em sistemas não atualizados]”, avisa Carlos Carvalho, fazendo a comparação com a manutenção da frota automóvel que tem de ser feita depois da compra dos carros.
Um problema de buzzwords e comunicação que não chega aos empresários
A falta de conhecimento das oportunidades de financiamento para apoiar a transição digital, apesar das iniciativas desenvolvidas por várias entidades, foi também reconhecida pelo painel, e sublinhada em especial por Peter Villax, da Associação das empresas familiares.
“Há um problema de linguagem. Se dissermos que vamos transformar o seu modelos de negócio metade [das empresas] não percebe e metade foge”, avisa o empresário, referindo que são apresentados imensos “buzzwords” que são importantes para os decisores mas que dizem pouco aos empresários.
“Se usarmos uma linguagem na qual o empresário não se revê não vai funcionar”, alerta, dizendo que este é um modelo que é usado há 30 anos, de desenvolvimento de projetos de apoio que não chegam ao tecido empresarial e que têm ainda o problema de levar a uma cultura de aproveitamento de subsídios e investimento em tecnologia que não é adequada às empresas.
Também Carlos Carvalho reconhece que é preciso que os próprios programas sejam mais adequados às necessidades das empresas, e por isso mas flexíveis. A burocracia é uma dificuldade, que deve ser aligeirada sem perder o rigor, mas é para o representante da ANJE é também necessário alterar a forma como são abertos os avisos a projetos, que não devem condicionar as candidaturas e permitir investimentos mais enquadrados nos negócios das empresas.
Mesmo assim os participantes do painel reconhecem que há também uma responsabilidade dos empresários em saber responder aos desafios da digitalização e estarem preparados para utilizar os financiamentos existentes para transformar o negócio. Carlos Carvalho admite que é preciso criar condições para as associações trabalharem de perto com as empresas mais pequenas e “irem porta a porta explicar” as vantagens da transição digital, um modelo de estimulo à evolução da economia que também António Martins advogam com processos de “match making” entre startups e empresas mais tradicionais.
Mobilizar os cidadãos e as empresas
Bernardo Sousa, diretor da estrutura de missão Portugal Digital, encerrou o evento Moving forward to a Portugal Digital revisitando o que foi feito nos últimos três anos, depois do lançamento do Plano de Ação para a Transição Digital. Nos últimos meses, o trabalho no terreno com as empresas para a avaliação do potencial económico da transição digital em Portugal mobilizou a organização com 11 iniciativas onde foram envolvidos mais de 80 stakeholders, com 65 sessões de trabalho em mais de uma dezena de semanas de projeto que permitiram ter uma visão mais concreta dos desafios e oportunidades.
Na sua apresentação destacou também a evolução de Portugal nos resultados do DESI, o índice de digitalização da Europa, onde o país subiu de 19º para 15º entre 2020 e 2022, o que é apontado como um indicador positivo, reconhecendo-se que ainda há um caminho a percorrer em várias áreas.
“O nosso caderno de encargos era desafiante e ainda continua a ser”, sublinha Bernardo Sousa.
Há vários projetos em curso e que estão a chegar ao terreno e ao tecido empresarial, como os novos Test beds que são apresentados esta semana e as Zonas Livres Tecnológicas, que devem ter novidades em breve com a criação de uma nova ZLT.
Para Bernardo Sousa este é um desafio que não cabe apenas ao Governo e à Portugal Digital, mas a um conjunto alargado de entidades e pessoas. “É fundamental trabalharmos todos para mobilizarmos os cidadãos e empresas”, alerta, lembrando que na análise feita há desafios a ultrapassar na formação e retenção do talento, no incentivo à transformação digital das organizações, na competitividade, digitalização dos serviços públicos e na criação de um ambiente favorável ao digital.
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