A União Europeia está a traçar um caminho ambicioso para se afirmar como líder no sector espacial global, reconhecendo o Espaço como um domínio estratégico fundamental para a sua segurança, autonomia e competitividade. Num contexto de crescentes tensões geopolíticas e da rápida evolução tecnológica, a criação de um mercado único espacial surge como um imperativo para reduzir a fragmentação, potenciar a inovação e reforçar a soberania europeia, defendeu-se durante a conferência “Mercado Único Espacial”.

Durante o evento, organizado pelo Instituto de Conhecimento da Abreu Advogados, a Secretária de Estado da Ciência, Ana Paiva, destacou a importância estratégica de Portugal no panorama europeu e sublinhou o papel crucial do Espaço para a segurança e o desenvolvimento económico da União Europeia.

“O espaço é necessariamente parte do fortalecimento da Europa, tanto das nossas fronteiras como dos nossos cidadãos”, afirmou Ana Paiva. Esta visão reflete-se nos esforços da Comissão Europeia para avançar com o projeto de legislação do Mercado Único Espacial, previsto para este ano, bem como na implementação de programas como o IRIS2, que aliam inovação tecnológica a objetivos de segurança e defesa.

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No entanto, apesar das oportunidades, os desafios são significativos. A secretária de Estado sublinhou que a União Europeia enfrenta uma “urgência competitiva”, mas destacou a importância de evitar constrangimentos legislativos que possam sufocar a inovação.

O desenvolvimento do mercado único espacial enfrenta obstáculos complexos, como a proliferação de detritos espaciais, a necessidade de gestão eficaz do tráfego espacial e a harmonização de regulamentos entre Estados-membros. A Comissão Europeia tem destacado a urgência de abordar estas questões, ao mesmo tempo que procura equilibrar o incentivo à inovação com o controlo regulatório.

Carlos Ferreira de Morais Pires, da Comissão Europeia, apontou para a necessidade de a Europa superar a fragmentação e investir na inovação para evitar o que chamou de “armadilha mid-tech”. A competitividade europeia exige ciclos de inovação robustos e estratégias de mercado disruptivas que permitam ao continente estar na “vanguarda tecnológica”.

O projeto do Mercado Único Espacial surge como uma resposta a estas necessidades, mas enfrenta obstáculos, como a gestão do tráfego espacial e a integração de tecnologias espaciais no sector de defesa.

Carla Matias dos Santos, da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER), destacou a complexidade de negociações legislativas neste campo. Para a Comissão Europeia, a regulação do tráfego espacial e a proteção de infraestruturas críticas são áreas prioritárias e consensuais, mas há receios quanto ao impacto de potenciais excessos burocráticos.

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A coordenação entre diferentes Estados-membros é essencial, mas os interesses variam. Enquanto alguns países demonstram ceticismo, outros defendem uma abordagem proativa. Carla Matias dos Santos destacou o risco de a regulação excessiva afastar pequenos operadores, sublinhando a necessidade de um equilíbrio entre inovação e regulação.

O potencial geoestratégico e regulamentar distinto de Portugal

“Estamos num ponto crucial”, afirmou Ana Paiva. Segundo a governante, a criação de um mercado único espacial depende de um enquadramento legislativo robusto e da colaboração entre os diferentes Estados-membros. Com o Decreto-Lei n.º 16/2019, Portugal dispõe de uma base regulamentar sólida que atrai investimento e promove a inovação.

Integrado nesta estratégia europeia, posiciona-se como um país com características únicas para contribuir significativamente para o sector espacial. A posição privilegiada dos Açores, com o teleporto de Santa Maria, e as vastas áreas continentais pouco densamente povoadas, proporcionam condições ideais para o desenvolvimento de infraestruturas espaciais.

Além disso, beneficia de um ambiente regulamentar “atrativo e previsível”, sendo um dos 11 países europeus com legislação espacial nacional. Tem as “condições essenciais para captar investidores” e estimular o crescimento de um sector global avaliado em mais de 450 mil milhões de euros.

A nova dimensão (espacial) da Defesa

O papel do Espaço na defesa europeia foi outro tema central da conferência. Ana Paiva divulgou o protocolo “Ciência mais Defesa”, assinado há dias, que incentiva a colaboração entre o sector científico e tecnológico nacional e o Ministério da Defesa. A aproximação entre espaço e defesa é vista como inevitável, sendo o IRIS2 um exemplo de programa com requisitos tanto civis quanto militares.

A Secretária de Estado sublinhou que o impacto da investigação científica será essencial para o desenvolvimento do sector. Além disso, a coordenação entre diferentes áreas governativas e instituições será determinante para que Portugal desempenhe um papel relevante na definição dos programas espaciais da União Europeia e da ESA.

Carolina Rêgo Costa, da Agência Espacial Portuguesa, frisou a importância de uma abordagem integrada, onde soberania, dependência externa e financiamento sejam discutidos de forma conjunta. Para a responsável, o mercado único espacial será crucial para proporcionar às empresas portuguesas acesso a financiamento e escala de mercado, permitindo um crescimento sustentável do sector.

Augusto Fragoso, da Anacom, alertou para a necessidade de Portugal adotar uma estratégia soberana e multidisciplinar, focada na ciência e no desenvolvimento industrial. O responsável reforçou a importância de equilibrar inovação e regulação, evitando “entraves desnecessários”.