Já faz parte do calendário obrigatório do ano e há muito quem reserve os três dias de férias para usufruir do Pixels Camp, que este ano assinalou a terceira edição mas que herda a história do Codebits, organizado pela mesma equipa liderada por Celso Martinho, que foi fundador do SAPO e é agora CEO da Bright Pixel.

Entre maratonas de programação, apresentações, workshops e momentos de descontração, o evento juntou este ano 1.200 participantes, e a animação era bastante evidente, até porque para muitos Celso Martinho continua a ser um dos ídolos da geração que ajudou a desenvolver a internet em Portugal.

À conversa com o SAPO TEK ainda no arranque do Pixels Camp, Celso Martinho fala do que mudou na última década e dos novos desafios para a comunidade de programadores e “geeks” em geral.

SAPO TEK: Na evolução do Pixels Camp o que te dá mais prazer de ver? Como olhas para esta evolução de quase duas décadas?

Celso Martinho: O que me dá mais prazer a mim e a toda a equipa que organiza estes eventos, que já tem quase 15 anos de experiência, é que todos nós achamos que é um privilégio muito grande ter uma ligação tão próxima com o que sabemos que temos muito em Portugal, que é o talento, e em especial o talento mais ligado às novas tecnologias. E à medida que os anos avançam há uma série de fenómenos a que vamos assistindo, um deles é uma renovação geracional – já vejo pessoas que não conheço no Pixels Camp e isso é ótimo. E com isso vêm também comportamentos novos e formas de estar novas.

Fazendo uma retrospectiva de quase duas décadas vemos que hoje a tecnologia é tudo muito mais rápido, mais complexo, mas também é tudo muito mais poderoso. Ou seja, de facto as coisas que se podem fazer hoje com a tecnologia são indiscritíveis, não tem nada a ver com os anos 90 quando fundámos o SAPO nem com há 10 anos atrás e portanto a grande mudança é essa: uma renovação muito grande geracional, as tecnologias são muito complexas, mais disponíveis, mais abertas, acontece tudo muito mais rápido. As pessoas têm de ter um domínio maior de várias áreas e de várias tecnologias….

SAPO TEK: A especialização já não funciona?

Celso Martinho: Não, já não funciona da mesma maneira. Acho que as pessoas têm de ser especializadas em alguma coisa mas ao mesmo tempo, em proporções iguais têm de ter a capacidade de dominar várias áreas de conhecimento e várias tecnologias. E isso aplica-se ao mundo no geral.

SAPO TEK: Esta aceleração e mudança assustam-te?

Celso Martinho: Só me assusta porque não tenho a idade deles, mas isso não há nada que possa fazer. Mas se me assustasse não estávamos a fazer isto…

SAPO TEK: Digo mais especificamente no uso das ferramentas, na segurança?

Celso Martinho: Não, isso somos nós a tornarmo-nos velhos marretas, honestamente, e eu faço um esforço muito grande a nível pessoal para não ser essa pessoa, até porque tive a felicidade de ter uma educação muito progressista, muito liberal. Quando nós achamos que a tecnologia pode ser usada para coisas boas mas também para coisas más, e amplificamos a parte má, estamos a tomar a atitude errada, estamos a ser protecionistas porque na generalidade a tecnologia é uma coisa boa e pode ajudar as pessoas.

SAPO TEK: E a ideia do white hacking e hacking for good já se perdeu?

Celso Martinho: Isso sempre existiu. Quando a televisão apareceu, o livro, a revolução industrial, este discurso existiu sempre mas as coisas são mais amplificadas e um pequeno problema que exista ouvimos ad nauseum e isso causa-nos receios, mas acho que não estamos mais inseguros do que há 50 anos, pelo contrário.

A diferença é a amplificação que tem e cria uma perceção diferente, mas estatisticamente não quer dizer que estejamos piores.

SAPO TEK: Como vês a multiplicação de hackatons e apoios às startups? Há menos espaço para a criatividade ou mais espaço?

Celso Martinho: A criatividade vai ser um dos skills mais importantes nas próximas décadas porque nós engenheiros estamos um bocado a cavar a nossa cova porque muitas das valências que até à data só podiam ser executadas por engenheiros vão gradualmente ser automatizadas, mas o lado criativo da tecnologia e do desenho de produto e indústria como um todo começa a ser particularmente interessante e as empresas inteligentes estão hoje a contratar mais pessoas ligadas a ciências humanas e sociais e a +áreas criativas para complementar as áreas de tecnologia porque esse vai ser o edge. Hoje o problema já não é a tecnologia mas como interagem com a tecnologia de uma forma simples. Porque o que é realmente complexo é fazer as coisas simples.

Perceber o comportamento das pessoas, antropologia, sociologia, é muito importante e as empresas vão começar a contratar pessoas nessas áreas. A primeira frente é o design que já é reconhecido como uma skill importantíssima em qualquer empresa.

SAPO TEK: Não se perde o espírito de “fazedores”?

Celso Martinho: Os projetos numa hackaton nunca são definitivos. É um processo para a descoberta de algo mais que tem de ser trabalhado para além do evento e nós, assim como as empresas que estão aqui connosco no Pixels Camp acreditam que muitos dos casos de sucesso vêm do acaso da experimentação, das relações, de conhecer pessoas, errar, persistir, do talento obviamente mas desta mistura que não é uma equação linear, que não é uma fórmula. Nunca vendemos essa ideia e proposta de valor, que uma hackaton é para lançar produtos, mas não tenho dúvidas que quem está aqui a ver onde está o talento, as pessoas capazes de ultrapassar desafios e de os resolver com criatividade, e dá seguimento a essa relação, sai daqui com muito valor. Não temos dúvidas porque isso resulta muito para nós.