Por Rui Figueiredo (*)

Depois da WebSummit, bem como nos últimos anos, temos assistido a um crescimento exponencial na adoção de soluções de Inteligência Artificial (IA) por parte das empresas nacionais. A promessa seria única e altamente aliciante: o aumento de eficácia, com uma redução drástica e radical de custos, melhorando e otimizando a tomada de decisão.

A complexidade desta temática é algo que as empresas não têm em conta quando embarcam na aventura da transição digital e integração de IA em sistemas integrados num ecossistema corporativo.

A proposição é simples e é o fundamento deste artigo: os desafios críticos que as empresas enfrentam com a implementação da Inteligência Artificial e a importância de uma estratégia bem estruturada para alcançar valor sustentável.

Um dos primeiros desafios na implementação de IA é a escolha de casos de uso que gerem valor tangível. Muitas empresas ainda caem na armadilha de aplicar IA de forma generalizada, esperando que qualquer iniciativa traga resultados imediatos. No entanto, a realidade é que nem todos os casos de uso trazem retornos rápidos ou mensuráveis.

Por exemplo, iniciativas focadas no aumento da receita, como a implementação de mecanismos de preços inteligentes ou o uso de IA generativa para personalização de recomendações, podem gerar impacto financeiro direto, como foi, por exemplo, o caso de uma empresa de moda que aumentou o engagement com o cliente e previu elevar as vendas em milhões de euros. Por outro lado, objetivos voltados para aumento de produtividade, como a automatização de processos administrativos ou o desenvolvimento de ativos de marketing internos, podem reduzir custos, mas o seu impacto pode ser mais difícil de medir e sem retorno imediato.

Essa distinção é essencial para definir expectativas e avaliar o sucesso de cada projeto. Os gestores devem priorizar iniciativas cujo impacto no negócio seja claro e mensurável, especialmente em fases iniciais de adoção de IA. Caso contrário, corre-se o risco de alocar recursos sem garantir um retorno significativo. Portanto, é fundamental que as empresas escolham projetos de IA com base no potencial de criação de valor, priorizando iniciativas que estejam alinhadas com os objetivos estratégicos e ofereçam um impacto palpável.

Outro aspeto frequentemente negligenciado é a complexidade de transformar um Prova de Conceito (POC) num projeto em produção. Um POC é muitas vezes um protótipo que visa demonstrar a viabilidade técnica de uma solução de IA. No entanto, colocar essa solução em produção – isto é, integrá-la nas operações quotidianas da empresa – é uma tarefa muito mais desafiante. Envolve assegurar que a tecnologia se integra com os sistemas existentes, que os processos operacionais são adaptados e que as equipas de IT estão preparadas para suportar e manter a nova solução.

Este desafio é amplificado quando consideramos que muitos dos POCs de IA não são desenhados com a produção em mente. As equipas de desenvolvimento focam-se na criação de um protótipo funcional, mas não têm em consideração os requisitos de escalabilidade, segurança, e continuidade operacional que são críticos numa implementação real. Este problema é comum e está a tornar-se mais evidente à medida que empresas que investiram em IA nos últimos anos tentam agora passar para fases mais avançadas de adoção.

A atual onda de entusiasmo em torno da IA lembra o que aconteceu nos anos 2000, quando surgiu o boom das aplicações. Naquela época, a solução para quase tudo parecia ser o desenvolvimento de um CRM ou de uma aplicação personalizada. No entanto, muitas dessas iniciativas falharam por falta de planeamento e integração estratégica. O que parecia ser uma solução universal tornou-se uma dor de cabeça para muitas empresas, que acabaram por lidar com sistemas redundantes e mal integrados, com silos de bases de dados que populavam nos diversos gabinetes e departamentos.

Hoje, enfrentamos um risco semelhante com a IA. Uma empresa que lance este tipo de sistema, sem uma estratégia clara e sem uma visão de longo prazo, pode, facilmente, dispersar os seus recursos em projetos que, à primeira vista, parecem promissores, mas que, no final, se revelam ineficazes.  O outcome aqui é que a tecnologia por si só não é suficiente; é necessário um alinhamento com os objetivos e os processos empresariais para que os projetos de IA realmente agreguem valor.

Outro fator essencial a ter em conta para o sucesso na implementação de IA é a capacidade de construir uma ponte sólida entre a equipa técnica e os objetivos de negócio. Muitas vezes, as discussões sobre IA são dominadas pela perspetiva técnica, focando-se em algoritmos, modelos e infraestrutura. Contudo, a verdadeira vantagem competitiva reside na capacidade de compreender como essas soluções impactam o negócio. Empresas que conseguem ter uma visão integrada – onde a equipa técnica e os líderes de negócio trabalham de forma colaborativa – são as que mais probabilidades têm de extrair valor sustentável das suas iniciativas de IA.

Aqui, a comunicação desempenha um papel fundamental. As equipas técnicas devem ser capazes de explicar os aspetos técnicos numa linguagem acessível e relevante para o negócio, enquanto os gestores de negócio devem entender o suficiente de IA para definir prioridades realistas e alinhar os projetos com a estratégia da empresa. Esta ponte é o que permite a implementação de soluções que são viáveis do ponto de vista técnico, mas que também são úteis e seguras do ponto de vista operacional.

Por fim, é importante que as empresas adotem uma abordagem responsável e pragmática na implementação de IA no seu sistema integrado. Implementar IA não é apenas uma questão de tecnologia; deve-se considerar o impacto nos processos e nas pessoas da organização. Adicionalmente, a utilização de IA acarreta riscos que devem ser geridos com cuidado, especialmente em áreas críticas como a segurança dos dados e a integridade dos sistemas de IT.

A Inteligência Artificial continua a ter um potencial inegável para transformar os negócios, mas essa transformação não ocorre automaticamente. Para que a IA traga valor real, é fundamental que as empresas tenham uma visão clara dos desafios e das armadilhas que podem surgir pelo caminho. Escolher os casos de uso certos, compreender a complexidade de colocar um projeto em produção e construir uma ponte sólida entre o técnico e o negócio são passos essenciais para o sucesso. Mais importante, as empresas devem adotar uma abordagem pragmática e responsável, onde a IA não é vista apenas como uma ferramenta, mas como uma parte integral e estratégica do negócio.

(*) Co-Founder and CTO da DareData Engineering